Antes de começarmos, vamos falar um pouco sobre eletricidade cerebral. Sim, eletricidade. Suas células nervosas, os neurônios, transmitem e recebem informações umas das outras através de impulsos elétricos. Você sabia disso? Pois é, e esses impulsos são produzidos pela movimentação de átomos de sódio, potássio e cálcio para dentro e para fora da célula. E é essa eletricidade que é captada pelo eletroencefalograma. Nossos neurônios são incríveis.
Eles possuem um núcleo, onde está o centro, o DNA propriamente dito, e extensões chamadas de axônios e dendritos (já discutidos em artigo anterior). Estes prolongamentos são revestidos por uma bainha de mielina e pela membrana plasmática do neurônio. Nestas membranas estão canais, que são passagens que ligam o ambiente fora da célula com o dentro da célula. É por esses canais que pasam os íons (sódio, potássio, cálcio, cloro) que produzem a energia elétrica. Veja uma membrana com canais abaixo (para quem já estudou biologia, é uma boa hora para recordar):
http://www.cwru.edu/groups/ANCL/pages/01/01_08.htm |
Mas esta eletricidade produzida pelos neurônios é muito pequena para ser captada na superfície da cabeça, fora que há vários tecidos em cima do cérebro, como osso, gordura e pele, que servem para diminuir ainda mais a capacidade de captar esta eletricidade superficialmente. Daí a necessidade de um aparelho que, além de captar a eletricidade, amplifique esses sinais para torná-los visíveis e poderem ser lidos. E o eletroencefalograma faz isso também.
Aqui vai uma página de um registro eletroencefalográfico, cheio de traços estranhos e esquisitos, que você fica se perguntando como o médico consegue ler, mas que não é difícil quando você é treinado para isso. um treinamento que dura 1 ano ou mais de estudos em eletroencefalograma. Por isso, você tem que saber que um médico (geralmente neurologistas), para fazer e ler um eletroencefalograma de forma correta, tem de ter estudado pelo menos 1 ano integral em algum serviço especializado em eletroencefalografia.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5f/ElectroEncephalogram.png
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Aqui vai uma outra figura de uma montagem de um eletroencefalograma:
Basicamente, o EEG é usado no diagnósticos de doenças que envolvem a eletricidade cerebral, ou seja, doenças que alteram os impulsos elétricos cerebrais ou o modo como os neurônios transmitem a informação entre eles. E algumas dessas doenças são:
1. Epilepsia e convulsões - São o motivo mais comum do uso do EEG. As convulsões e as crises epilépticas alteram a eletricidade cerebral, por que uma crise epiléptica, como já discutido em artigo anterior neste blog, envolve desequilíbrio elétrico cerebral.
2. Doenças metabólicas - Confusão e alterações cerebrais causadas por doenças do fígado e do rim, como insuficiência do rim e do fígado. O EEG pode auxiliar no diagnóstico destas doenças.
3. Derrames - O EEG não é o exame de escolha no diagnóstico, mas pode mostrar atividade cerebral mais lenta (lentificação dos ritmos de base, o que indica lesão cerebral) no lado ou no local do derrame.
4. Encefalites - Infecções do cérebro, as encefalites podem ter seu diagnóstico facilitado também pelo EEG, que podem inclusive auxiliar no diagnóstico da causa da encefalite (como no caso das encefalites pelo vírus do herpes).
5. Coma - O EEG pode ser útil para diagnosticar o grau de um coma (por várias causas - falaremos mais sobre isso depois), por que comas mais profundos demonstram alterações no EEG diferentes de comas mais superficiais.
6. Controle de sedação - Pacientes com doenças neurológicas severas como crises epilépticas mais duradouras ou que não melhoram mesmo com vários tipos de tratamento (status epilepticus) podem ser sedados com drogas mais fortes (pentobarbital, que é um anestésico), e o diagnóstico da melhora ou não da doença pode ser feito com o EEG.
7. Tumores cerebrais e hematomas cerebrais subdurais (sangramentos cerebrais) podem alterar o EEG. Não servem para o diagnóstico, por que hoje em dia temos a tomografia, e mais recentemente a ressonância magnética (discutiremos sobre ela após) que fazem o diagnóstico.
E dores de cabeça? O EEG serve para essa doença? Não! O EEG pode mostrar alterações insignificantes na enxaqueca, por exemplo, o que pode levar um médico menos experiente a receitar um antiepiléptico sem necessidade. Outras formas de dor de cabeça primária (tensional ou salvas) não produzem alterações no EEG, e este não deve ser solicitado nestas situações. E as dores de cabeça causadas por lesões cerebrais, como tumores, devem ser investigadas com tomografia ou ressonância, e não com EEG, pois este irá mostrar somente alterações inespecíficas (o que nos fará pedir um exame de imagem no final das contas) ou pode nem mostrar nada.
Quem quiser se aprofundar mais na leitura, e souber ler inglês, vai se interessar pela revisão da Academia Americana de Neurologia sobre o eletroencefalograma no diagnóstico de cefaleia. Além de um parâmetro fisiológico chamado de resposta H ou driving fótico, que não é costumeiramente mensurado em EEG de rotina, e que poderia ajudar no diagnóstico de enxaqueca, apesar de estudos mostrarem que a história clínica é superior a este teste no diagnóstico, não há outros motivos para solicitar EEG em dor de cabeça fora os descritos acima. O link é este.