sexta-feira, setembro 19, 2014

A criatividade e sua relação com o Jazz

Artigo traduzido e adaptado do site KQED.

Ouvir as improvisações do jazz (meu pai que amava isso), como as cordas do piano brincam com os acordes do saxofone e as batidas das cordas do baixo, dá a impressão de que a criação da música aqui é simplesmente magia pura. Mas o estudo da atividade cerebral dos músicos de jazz enquanto estes improvisam está ajudando a dar alguma luz ao estudo da neurociência da criatividade.

Um teclado de plástico que permite ao músico produzir e ouvir a própria música enquanto seu cérebro é analisado em uma máquina de ressonância magnética foi utilizado nesta pesquisa. Os pesquisadores solicitavam que o músico ouvisse uma música, depois improvisasse com outros músico na sala de controle da ressonância. Imagens cerebrais eram capturadas enquanto a música era criada.

Nessa hora, a parte mais frontal do cérebro, o lobo pré-frontal lateral, que cuida muito de nossas funções executivas e da monitorização de nosso comportamento fica menos ativo. Ou seja, novas ideias podiam ser criadas sem restrição cerebral alguma (sim, como já visto em um post anterior neste blog, aparentemente áreas do cérebro são controladas por outras áreas, muitas vezes de forma ditatorial). Além disso, a improvisação ativou também as áreas da linguagem, ou seja, a música acaba por ter papel semelhante ao da linguagem na veiculação de ideias e sensações.

Ou seja, a improvisação depende do relaxamento das leis que governam a atividade cerebral, e exigir demais pode acabar por destruir a atividade criativa. Isso está em linha com outros estudos, também já discutidos neste blog, que sugerem que a criatividade, função presente em várias áreas cerebrais, pode ser influenciada pelo hemisfério dominante (na maior parte das pessoas, o esquerdo), e quando estamos divagando, "viajando", ou relaxando, é o momento em que a criatividade "corre solta".

Além disso, a criatividade pode ser desenvolvida. Crianças devem aprender o hábito de ser criativas, e quanto mais a criatividade é utilizada, mais ela é desenvolvida. Para isso, são necessários tempo e situações que a façam emergir. Exigir das crianças, na escola, perguntas com respostas fixas, engessadas, como respostas certas e erradas, impede que as crianças pensem, criem e desenvolvam ideias novas.

Muito do que aprendemos, nós fazemos com um propósito, o de fazer bem. Mas devemos cultivar o fazer algo com o objetivo não somente de fazê-lo bem, mas de criar coisas novas, o que muitas vezes não é bem visto por nossos pares. A improvisação faz parte do processo criativo, quando as leis e regras rígidas são temporariamente suspensas para que se possa pensar livremente, ou como se fala no inglês, "out of the box". E isso deve ser cultivado desde a infância. 

Assim, aulas de artes cênicas, pintura, canto, e mesmo aulas livres para a improvisação podem auxiliar a treinar o cérebro a ter o tipo de fluência criativa que queremos e necessitamos cada vez mais. 

Nem tudo o que sabemos nos foi ensinado, Muito foi aprendido através de processos criativos. Imagine uma criança de 2 anos de idade aprendendo sozinha a sair do cercadinho. Isso é criatividade. Ou uma criança aprendendo a resolver um brinquedo de montar de forma diferente do que é ensinado na caixa do brinquedo. Isso também é criatividade. E deve ser ensinado (há uma bela alegoria desse conceito no filme The Lego Movie).

Agora, imagine o que seria de nós, como seres em uma natureza hostil há milhares de anos, sem a criatividade. Sem ninguém para ensinar-lhes nada, os homens primitivos estariam à mercê de predadores caso não aprendessem, sozinhos, a fazer armas e a caçar. Isso também é criatividade.

E mais interessante, o cérebro em estado de criação, funcionalmente, assemelha-se muito ao cérebro em estado onírico (sonhando). O estado onírico é o mais criativo que existe no comportamento humano, pois aqui todas as barreiras são quebradas (vide o incrível filme A Origem), o cérebro deixa de lado a auto-monitorização normal, e o padrão de base da atividade cerebral assume o controle. 

Em resumo, façamos como os músicos de jazz, deixemos a criatividade fluir. 

O Poder do Sono

Artigo traduzido e adaptado de reportagem da revista Time Magazine, de 11 de setembro de 2014.

Quando deitamos, achamos que estamos desligando nossos cérebros, como desligamos nossos iPad's e computadores. Mas, ledo engano. É no momento que começa o sono, que o cérebro começa a trabalhar de um modo diferente de quando acordados. Ao invés da assincronia típica da vigília, os neurônios começam a trabalhar em sincronia, gerando pulsos elétricos que varrem todo o cérebro. Todas as informações armazenadas, aprendidas e recebidas durante o dia são analisadas nesse período, de um modo estonteante demais para entendermos. O cérebro ainda, durante o sono, checa o equilíbrio hormonal e de suas enzimas/proteínas, além de jogar fora todas as toxinas e detritos derivados do seu metabolismo diário.

O sono restaura a juventude cerebral. Se todos nós dormíssemos sete a oito horas todas as noites, teríamos melhorias importantes na nossa concentração, memória, na nossa capacidade de planejamento, além de que manteríamos nossos sistemas metabólicos aquecidos para queimar a gordura e regular o peso. Isso quer dizer que dormir bem evita perda de memória, ajuda a evitar o diabetes, a fadiga, a depressão, a ansiedade, e mesmo a doença de Alzheimer, a osteoporose e o câncer.

Mas conseguir essas horas de sono é que é dose. E as medicações que usamos para produzir sono não conseguem de modo algum duplicar os benefícios produzidos pelo sono normal. 

Cerca de 70 milhões de pessoas nos EUA somente não têm uma boa noite de sono regularmente (imaginem no mundo). E há uma tendência científica de considerar o sono uma prioridade na vida humana, bem diferente do que se acreditava antes. 

A falta de sono leva a sonolêncai durante o dia, o que pode parecer leve, se a sonolência for leve. Só que não!! Quase 40% dos adultos dos EUA cochilaram durante o dia em agosto, e 5% desdes o fizeram enquanto dirigiam automóveis. Insônia ou sono entrecortado aumenta as chances de doença em trabalhadores, e ainda piora a concentração (você, que é jovem, tem tido problema de memória ultimamente? Será que não é seu sono? Venho falando isso desde que o blog foi lançado, há 3 anos e meio).

E o pior, estes hábitos ruins de sono estão passando para as gerações posteriores. Nos EUA, 45% dos adolescentes não dormem as necessárias 9 horas por noite, e 1/4 destes chega a dormir em sala de aula pelo menos uma vez por semana. Daí, a Academia Americana de Pediatria sugerir começar as aulas dos ensinos secundário e colegial mais tarde, para permitir que os alunos durmam mais e melhor (imaginem isso aqui!).

O sono é o único momento em que o cérebro consegue "parar um pouco e pensar", por assim dizer. E se o sono não for adequado, o cérebro pode sucumbir em seus própriso produtos tóxicos, como radicais livres. Ou seja, dormir pouco leva você a viver pouco, ou viver com pouca saúde. Não adianta querer pular o sono para estudar, trabalhar ou baladar. Uma hora, o corpo e o cérebro vão cobrar isso de você.

E mais ainda, caso você ainda não esteja convencido. Sem o número necessários de horas de sono por noite, as células cerebrais acabam morrendo, vítimas de seus próprios produtos do metabolismo do dia-a-dia, entre eles os radicais livres, Ou seja, sem sono, você perde neurônios, para sempre!

Além do mais, sem sono, o cérebro não consegue trabalhar bem no dia seguinte, não consolida as memórias e não aprende direito. Consequência? Falta de memória, cansaço, fadiga e estresse. Um cérebro jovem sem sono pode, e eu disse pode, assemelhar-se ao de uma pessoa idosa. Que tal?

Outra coisa, a insônia nem sempre é consequência de estresses do dia-a-dia, mas pode ser causada por problemas pontuais da hora de dormir, como checar o celular, o smartphone, o Facebook, todas as horas, inclusive de noite. Encher nossos dias de atividades aumenta nosso estresse e diminui nossas horas de sono. E pior ainda, se enchermos nossas crianças de atividades sem tempo para dormir. Dormir com a TV no quarto é um ultraje, pois a TV vai funcionar como um atrativo, diminuindo o sono. A falta de sono aliada ao estresse aumenta a liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. Além disso, as luzes artificiais que vêm das telas dos computadores e celulares atrapalha nosso relógio biológico. Ou seja, com tudo isso, acaba que nossos corpos não sabem mais, naturalmente, quando ir para a cama. 

Estudos recentes em modelos murinos (ratos) têm demonstrado que as células de suporte dos neurônios, as células gliais, viram uma bomba gigante quando o corpo dorme, diminuindo a atividade elétrica neuronal para 1/3 da frequência de pico. Isso faz com que os neurônios "diminuam de volume", fazendo com que o líquido que banha o cérebro, o líquor, banhe mais ainda o cérebro, levando lixo tóxico para fora do cérebro (o cérebro não contem vasos linfáticos, que são os "lixeiros" naturais do corpo; por isso, há a necessidade de outros meior para tirar esse lixo tóxico que é acumulado durante o dia). 

A falta de sono faz com que esse sistema seja menos eficiente, e com que mais lixo se acumule no cérebro. 

Estudos sugerem que, talvez, compensar as horas de sono perdidas com mais horas de sono em outros dias, como nos fins de semana, pode ajudar, mas não acaba com todos os danos qu a falta de sono acarreta. Mas essa prática ainda não pode ser recomendada, e portanto o Blog Neuroinformação não recomenda que isso seja feito. 

Se você depende de medicamentos para dormir, mesmo sabendo que o sono por eles produzido não é, nem de longe, igual ao sono natural, é melhor dormir do que não dormir. E portanto, caso haja necessidade médica do uso de tais medicações, elas devem ser tomadas conforme prescrição. 

Uma sugestão é expor-se o máximo possível à luz natural (luz do sol) durante o dia (o que, muitas vezes, é impossível pois vivemos em um mundo cheio de paredes e tetos), e diminuir ao máximo as luzes vindas de dentro de nossas casas, como das telas de computador e das TV's. E dormir sem nada, sem TV, iPad, iPod, iPhone, ou o que seja. 

Evitar cochilos durante o dia (se possível), e exercitar-se durante o dia para ficarmos cansados o suficiente durante a noite pode ser uma maneira de mantermos uma boa noite de sono. Criar um ritual de sono pode fazer com que sintamos necessidade dele, ao invés de considerá-lo uma obrigação, o que leva a estresse novamente. Um livro (um paciente meu conseguia dormir após ler algumas páginas da lista telefônica - não aconselho ninguém a fazer isso), um banho quente antes de deitar, ou outros modos de nos deixar sonolentos pode ajudar a conseguirmos uma boa noite de sono. Claro que em um ambiente calmo, escuro e sem preocupações. 

Evitar o sono é privar-nos a nós mesmos dos medicamentos endógenos mais importantes. 

Durma bem, portanto.