terça-feira, dezembro 27, 2011

"Lesões pelo bicho da carne de porco"

O problema deste termo começa na suposta causa, que na verdade não é a carne do porco, mas os vegetais mal lavados contaminados com fezes do porco, ou mesmo do homem quando parasitado pelo verme. O nome da doença é, na verdade, neurocisticercose, e deriva do temo cisticerco, que é a forma larval de um animal chamado de solitária ou tênia solium, que produz seus ovos quando nos intestinos dos animais.

Observe abaixo (figura para quem tem estômago forte):


Fonte: http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcS_6HmuUJ0WsdctCs8rirjL8xjqF0EKg-WGwi5LLJNdyqZrNLKTlQ




















Esta é uma solitária do porco, e é dela que saem os ovos que irão se transformar na forma larval, o cisticerco. O ciclo de vida destes animais começa no intestino de um homem contaminado, que defeca e libera os ovos da tênia no ambiente. Estes ovos são ingeridos pelo porco em alimentos contaminados, e acabam por transformar-se em larvas (cisticerco) e contaminam o porco. O homem, ao ingerir carne mal cozida (ou mal assada) de porco, ou contaminada com as larvas do parasita, adquirem a teníase ou a forma adulta do parasita (que você vê na figura acima). O boi também pode ter estes animais (neste caso, a tênia saginata), mas suas larvas são menos agressivas. Mesmo assim, nunca coma carne de vaca mal passada ou mal cozida. 

Observe o ciclo de vida normal do bicho:

Fonte: http://interna.coceducacao.com.br/ebook/content/pictures/2002-21-142-11-i002.jpg

Muitos já aprenderam esta figura no colégio, e é sempre bom recordar. 

Perfeito. Mas como se forma a neurocisticercose? Aí é que está o problema. No ciclo de vida acima, que é o ciclo "usual" da tênia, o porco é chamado de hospedeiro intermediário, por que carrega os ovos, e depois o cisticerco, e o homem é o hospedeiro definitivo, por que carrega a forma adulta, madura do verme. Na neurocisticercose, o que ocorre é que o homem passa a fazer o papel do porco, ou seja, vira o hospedeiro intermediário, ingerindo não o cisticerco, mas os ovos de tênia que vão eclodir à forma larval e se depositar em órgãos como o cérebro, os músculos e a pele. 

Mas como? Simples! Comendo vegetais contaminados por ovos, ingerindo os ovos em alimentos mal lavados, ou não lavando as mãos após defecar ou ir ao banheiro, o que pode levar ao depósito de ovos em suas mãos, caso você seja portador da tênia, ou você tenha entrado em contato com algum portador. 

E como saber se você é portador ou não da forma adulta, ou seja, da solitária? Faça um exame de fezes! É rápido, simples e indolor! E as outras pessoas? Afinal de contas, estamos sempre apertando as mãos dos outros, pegando em coisas que os outros pegaram. Como evitar isso? Duas orientações bem simples, também. Primeiro, oriente os outros a lavar as mãos, como estou orientando você. Dessa forma, todos saem ganhando. E segundo, evite sempre de colocar a mão na boca quando cumprimentar alguém ou tocar em algo que você não sabe se está limpo ou não. Simples, né?

Bem, vamos voltar ao nosso problema. O homem hospedeiro do cisticerco passa a tê-lo depositado em órgãos, como o cérebro. E lá, ele pode levar a problemas como inflamação. A inflamação pode ser mínima, e pode nem levar a sintomas. Na verdade, a maior parte das pessoas que têm estas larvas na cabeça, geralmente calcificadas quando já mortas (são aqueles depósios anormais de cálcio no cérebro, chamados de calcificações parenquimatosas distróficas, ufa!), nem sabem que as têm, e só vão descobrir quando fizerem uma tomografia por conta de um problema sem relação, como uma dor de cabeça. 

Veja abaixo:

Fonte: http://radpod.org/wp-content/uploads/2007/05/neurocysticercosis.jpg


Nesta figura, você vê a tomografia de uma pessoa com vários cistos de cisticercose calcificados, como pontos brancos dispersos pelo cérebro.

Mas em outros casos podemos ter problemas, como larvas causando epilepsia (uma das causas mais comuns de epilepsia no Brasil e em países em desenvolvimento é a neurocisticercose), obstruindo os espaços por onde passa o líquor, causando hidrocefalia (chamamos a estas formas de racemosas), ou causando inflamação cerebral difusa (as encefalites por cisticercose).

E o diagnóstico? É feito pela história de hábitos de vida (comer alimentos mal lavados ou sair do banheiro sem lavar as mãos) e pelo quadro clínico do paciente, aliados a uma tomografia de crânio e um estudo de líquido da espinha ou pesquisa de substância dos cisticercos no sangue por exame próprio.

E quanto ao tratamento? Isso é um assunto mais complicado para ser tratado neste blog, e deixo esta decisão a cargo do médico que assiste o paciente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista