A sutileza do título não se relaciona com a gravidade da queixa. Dor é algo que não conseguimos descrever, é uma sensação desagradável, subjetiva e por isso mesmo incapaz de ser apreendida em sua totalidade pelo médico. Não vemos a dor, vemos quem sente dor, quem sofre, e pelas queixas e faces, conseguimos refinar e destilar um pouco da sensação que aflige o sofredor.
Há várias escalas para medir dor. Tentamos, nos médicos, o mais objetiva e rapidamente possível graduar a dor a fim de oferecer um alívio ao paciente que seja proporcional à queixa. Mas falhamos quando achamos que temos conhecimento do quanto o paciente sofre, pois quando o assunto é dor, só conhece o sofrimento quem sente. Já orientava Hipócrates, o suposto pai da medicina, lá nos idos da Grécia clássica, que só podia tratar uma doença quem a conhecesse, ou seja, quem já a tivesse tido em suas carnes.
Assim como há vários meios de se mensurar a dor, há várias dores. A dor pode ser classificada pelo local que atinge: dor de cabeça (cefaleia), dor lombar (lombalgia), dor da coluna cervical e do pescoço (cervicalgia), dor da coluna dorsal (dorsalgia), dor no tórax e no peito (dor torácica), dor abdominal, dor na pelve (dor pélvica), dos nos membros. A dor pode ser multifocal e mesmo generalizada, esta grande fonte de incapacidade.
A dor pode ser aguda ou não. E aqui, largamos mão da poesia e adentramos na ciência.
Temos no corpo alguns tipos de fibras que carreiam dor, e que levam o estímulo doloroso ao cérebro para que possa senti-lo e interpretá-lo. As fibras mais relacionadas à dor são as fibras chamadas de Aδ (A delta) e as fibras tipo C. O que as diferencia?
Muito bem, vamos falar rapidamente sobre dois assuntos que já foram falados neste blog, condução saltatória e mielina.
Condução saltatória é o modo mais rápido de transmissão de impulsos elétricos pelos nervos. Ao invés de correr toda a extensão de um nervo, que pode medir vários centímetros de comprimento, um impulso literalmente salta de um local ao outro em uma direção do nervo. E isso somente ocorre nas fibras cobertas de mielina, que é um conjunto de substâncias ditas lipofílicas, ou seja, que atraem gordura, sendo logo hidrofóbicas, ou seja, que repelem a água. A mielina age como uma fita isolante, isolando a eletricidade dos nervos que permanece nele e não se dispersa.
Observe abaixo:
Os nós neurofibrosos são chamados de nodos de Ranvier, e contêm grandes quantidades de canais de sódio, que permitem a condução do impulso elétrico. Logo, o impulso que trafega nestas fibras o faz com altíssimas velocidades.
Observe um vídeo do Youtube sobre a condução saltatória. O vídeo está em inglês, mas o que vale são as imagens.
Muito bem. E o que isso tem a ver com dor? Lembra das fibras Aδ? Elas são assim, mielinizadas, e têm condução saltatória. Logo, a dor que elas carreiam é a dor aguda, bem localizada, súbita.
Já as fibras C não são mielinizadas, e a condução é contínua, e não salta de um lado ao outro. É portanto mais lenta, mais suave. A dor aqui é mais difusa, menos localizada, menos aguda, mais em peso ou queimação.
http://faculty.washington.edu/chudler/axon.gif |
Nesta figura, da esquerda para a direita, temos as fibras mais bem mielinizadas (a mielina é mostrada como uma capa amarela sobre o nervo) até as fibras não mielinizadas (tipo C).
E é interessante saber que os dois tipos de fibras carreiam sensações de dor quando somos lesados por um estímulo nóxico (doloroso). Quando somos picados por algo, como um ferrão de uma abelha, a primeira dor que sentimos é uma dor aguda, lancinante, bem localizada, carreada por fibras bem mielinizadas. À medida que essa dor vai embora, aparece uma outra, mais difusa no dedo, mais mal localizada, como uma sensação de queimação, não é isso mesmo? E essa dor dura mais tempo. Por que os receptores na pele para a dor são os mesmos, e eles estimulam as fibras de todos os tamanhos.
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Médico Neurologista