Essa não é verdadeiramente uma pergunta, mas uma situação que tanto médicos como pacientes encontram nos seus dia-a-dias.
O tratamento de uma dor de cabeça não é exatamente matemático, ou seja, a uma pessoa X, serve um medicamento Y. Mas há indicações e contra-indicações. E temos várias medicações, a depender do tipo de dor de cabeça. Vamos falar do tipo mais estudado, a enxaqueca.
Há várias medicações para enxaqueca, desde antivertiginosos a antiepilépticos (leia aqui para saber mais). E estas medicações podem ser extremamente eficazes para certos pacientes, mas podem não resolver muita coisa para outros pacientes. Por que?
Em primeiro lugar, a variação nas respostas individuais às medicações é bastante grande, e muitas são as variáveis que podem ser colocadas para explicar isso. Há pacientes chamados de metalizadores lentos, cujas enzimas do fígado metabolizam as medicações de forma mais vagarosa. Isso é algo determinado geneticamente, e não pode ser modificado. Estes pacientes podem ter mais efeitos colaterais quando tomam suas medicações nas doses usuais, por que a concentração da medicação vai aumentando, haja vista o paciente processar as medicações mais devagar. Já os metabolizadores rápidos destroem as medicações de forma mais ágil, e assim uma medicação que em uma pessoa de metabolismo regular deveria durar cerca de 8 horas na circulação, nestas dura menos, como 4 a 6 horas, e estes pacientes podem não observar o efeito desejado (leia aqui para saber mais).
Outra variável é o tamanho, biotipo, até mesmo o sexo do paciente, todas variáveis que podem determinar como a medicação é metabolizada, como ela é distribuída pelo corpo, e a concentração da mesma no sangue (leia aqui e aqui). A idade do paciente também influencia, e pacientes mais idosos necessitam geralmente de concentrações menores das mesmas medicações para terem o mesmo efeito sem eventos adversos.
O estado em que se encontram os órgãos que participam do metabolismo é também importante nesta equação. Assim, pacientes com doenças do rim, do fígado e de outros órgãos podem necessitar diminuir as dosagens de suas medicações para terem o efeito sem sérios efeitos adversos.
Bem, essa foi uma rápida explicação de todas as variáveis envolvidas no metabolismo das medicações em seu corpo. Mas há mais coisas a dizer.
Cada paciente é um paciente só, e não pode ser comparado a outro. Isso é verdade. E assim, as medicações que agem em um paciente podem não agir da mesma forma em outro, ou pode haver a necessidade de modificações nas doses.
E isso também pode ser explicado por variações no funcionamento cerebral. O cérebro é composto de substâncias que se acumulam nas terminações dos nervos (os neurotransmissores e as sinapses) e são liberadas para gerar os impulsos elétricos e manter sua mente e seu corpo vivos e se movendo. Mas essa dinâmica de neurotransmissores não é a mesma para todos os pacientes, e há certas variações no modo como os neurônios respondem aos estímulos.
As medicações prescritas para enxaqueca ou qualquer outra cefaleia não possuem todas um mecanismo de ação conhecido, ou seja, sabemos que funcionam, mas não sabemos exatamente como. E há variações genéticas maiores do que somente a velocidade do metabolismo que influenciam o modo como as medicações são usadas pelo cérebro. E estas variáveis não são conhecidas pelos cientistas e nem por nós, médicos que tratamos os pacientes todos os dias. Assim, até termos um perfil genético de cada pessoa, algo que talvez demore dezenas (ou centenas) anos para se conseguir, e que nos poderá dizer exatamente qual medicação é melhor para cada pessoa, continuaremos a prescrever as medicações que considerarmos as mais prováveis de serem eficazes a pacientes individuais.
E pela falta de um modelo matemático ou genético exato para predizer com exatidão a resposta de uma pessoa a uma dada molécula, há pacientes que não respondem tão bem a determinadas medicações por variações individuais.
Mas também escolhemos as medicações pelos prováveis efeitos colaterais. Todas as medicações produzem seus efeitos juntamente com os famosos efeitos adversos ou colaterais, pois uma medicação não é tão inteligente a ponto de ir somente onde queremos. E isso influencia a decisão de qual medicação dar a qual paciente. Assim, pacientes com problemas de coração, como bloqueios ou queda de pressão (hipotensão), pacientes com asma ou bronquite, pacientes com problemas de fígado ou rins, como cálculos renais, podem acabar não podendo usar todas as medicações do rol de drogas para a enxaqueca, ou a cefaleia tensional, ou qualquer outra cefaleia.
Bem, todas estas elucubrações científicas acima devem ser discutidas com o seu médico, e somente ele pode dizer qual a medicação é melhor para você, e em qual dose.
Mas voltando à pergunta inicial, se a medicação não funcionar, posso parar de usá-la?
Não, sem antes falar com seu médico. Muitas vezes um ajuste de dose já é suficiente para que ela comece a funcionar. E esse ajuste somente seu médico pode fazer. Se você parar com a medicação, pode ser que seu médico desista dela, e acabe com as chances de usar uma medicação que poderia ser a melhor para você. Ou pode ser que o seu médico tenha que voltar a dar doses menores até chegar à dose que é a melhor, e isso pode demorar mais tempo.
E se houver efeitos colaterais, fale com o seu médico o quanto antes. Ele tem de saber disso, e fazer os ajustes necessários ou suspender a medicação e prescrever outra com um perfil de efeitos colaterais menor.
Saber usar as medicações disponíveis é um dos passos para um melhor controle de sua dor de cabeça, e seu médico tem de estar dentro de todas as decisões a serem tomadas.
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Médico Neurologista