Artigo escrito pelo Dr. Diego Zanotti Salarini, médico neurologista do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, do Hospital das Clínicas da FMUSP, e da Santa Casa de SP, e gentilmente cedido pelo mesmo para publicação no blog.
“-
Doutor, faz uns 6 dias que percebo minha vista embaçada!
- Fale-me, começou subitamente ou
veio aos poucos?
- Veio aos poucos dentro de uns 2 dias, porém
piorou rapidamente após isso.
- De um olho ou dos
dois?
- De um só, o
direito.
- Você já apresentou
isso antes?
- Nunca doutor.
- Alguém mais na família já apresentou isso
ou outros problemas neurológicos?
- Não.
- Então temos que investigar isso. Não sei
ainda o que você tem e não posso afirmar nada nesse momento.”
Esse
é um diálogo que com frequência temos no consultório. Frequentemente é uma
jovem, de origem caucasiana (branca) e sem antecedentes de doenças. Pode ou não ter sido
vacinada para alguma doença recentemente ou apresentar outros sintomas ao mesmo
tempo. Contudo o que vem na nossa cabeça é: isso é uma neurite óptica ou não?
Primeiro
devemos conceituar o que é neurite óptica (NO). A NO é uma doença que acomete o
nervo óptico (o nervo que sai do olho, e que nos permite ver) e causa problemas na transmissão dos impulsos nervosos de origem
na retina (devemos lembrar que o termo óptico é relacionado com a visão e ótico
relacionado com o ouvido). Normalmente vem dor de cabeça associada e apresenta
redução da percepção de cores (discromatopsia), principalmente o vermelho.
Ao exame, podemos ou não encontrar alterações do nervo óptico ao fundo de olho (quando há alterações, especialmente inchaço na papila, ou seja, a área por onde o nervo óptico sai do olho, chamamos a neurite de bulbar; quando não encontramos, chamamos a neurite de retrobulbar, ou seja, atrás do bulbo),
alteração da contração pupilar ao exame com lanterna (pupila de Marcus-Gunn, quando a pupila do lado afetado não contrai, não fecha, quando jogamos luz no olho - falaremos dela no próximo post; então, fique ligado),
dor a movimentação ocular e baixa acuidade visual.
Os
estímulos se originam na retina causando um impulso nervoso que usa o
nervo óptico como uma estrada e que em determinado nível mistura as informações
dos dois olhos (isso conhecido como quiasma óptico). Após o quiasma, as vias ópticas ainda se
comunicam com outras partes do encéfalo até terminarem no córtex occipital
(relacionado com a visão). Logo a neurite óptica é uma doença muito restrita no
sistema nervoso.
http://www.medicinageriatrica.com.br/wp-content/uploads/2007/10/retina.jpg |
Observe o olho acima, e as vias visuais saindo do nervo óptico para o cérebro, abaixo:
http://www.oftalmologia.fcm.unc.edu.ar/imagenes/via%20optica%20refleja.gif |
As
causas para neurite são variadas e as enumero na tabela abaixo.
CAUSAS DE NEURITE
ÓPTICA
|
||
ESCLEROSE
MÚLTIPLA
|
LUPUS
|
NEUROMIELITE
ÓPTICA
|
SÍFILIS
|
MEDICAMENTOS
|
APÓS
VACINAS
|
DOENÇA
DE LYME
|
SARCOIDOSE
|
TUBERCULOSE
|
VÍRUS
DO HERPES
|
DOENÇA
DE SJÓEGREN
|
NEURITE RECORRENTE
|
ARTERITE
TEMPORAL
|
No
meio desse vasto número de causas devemos ter em mente que o divisor de águas é
a história clínica e os dados do paciente. Como diria um professor meu: “A
história do paciente é essencial. É o único método diagnóstico em que o
examinado fornece o diagnóstico para o examinador (em até 90% dos casos)”, como já observado neste blog em posts anteriores.
Os
principais dados clínicos são: sexo,
idade, origem racial, modo de início, tempo de duração, sintomas associados,
história familiar. Com esses dados montamos um bom quebra-cabeça e usamos os
métodos certos para o diagnóstico.
A
principal causa é a Esclerose Múltipla (EM), que tem preferencia por mulheres
jovens. Tem bom prognóstico de recuperação, segundo estudos científicos na área
(um deles intitulado ONTT - referência técnica para os interessados). Seu tratamento em suma é com corticoide, podendo
ser oral ou endovenoso.
Sempre
que apresentar um quadro semelhante ao que foi exemplificado no diálogo no
início do texto procure um oftalmologista. Se o exame clínico vier normal
procure um neurologista para prosseguir a investigação e o tratamento.
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Médico Neurologista