Este post versa sobre uma doença de ocorrência muito rara. Não deve ser usado para dar diagnósticos, e muito menos para automedicação. Lembro que na vigência de sintomas em si ou em pessoas próximas a você, procure sempre o médico.
Como já falado no post anterior, ataxia é a síndrome caracterizada por déficits de equilíbrio. Muitas doenças causam ataxia, sendo que algumas delas são genéticas, transmitidas de geração a geração através de defeitos genéticos.
A doença sobre a qual falaremos hoje é uma forma de ataxia genética, de transmissão autossômica recessiva (leia o post anterior para entender este termo, caso você não o conheça).
A ataxia de Friedreich, em homenagem ao médico que a descreveu, Nikolaus Friedreich, médico alemão do século XIX, e que descreveu a ataxia em 1863 em cinco artigos publicados em revistas médicas importantes da época (veja quem ele foi abaixo).
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A ataxia de Friedreich (passaremos a nos referir a ela pelas letras AF) é a forma mais comum de ataxia autossômica recessiva em pessoas caucasianas (de cor branca). Diferente de ataxias causadas por derrames ou pela esclerose múltipla, que se iniciam de forma súbita, de uma hora para outra ou em questão de horas a dias, a AF se inicia de forma lenta, ao longo dos meses a anos. A idade de início é variável, de 2 a 16 anos.
O sintoma inicial em crianças e adolescentes costuma ser desequilíbrio ao andar, que pode ser manifestar de várias maneiras, como dificuldade de ficar em pé, correr ou ficar com os pés juntos ou um na frente do outro. Risco de queda ao se levantar da posição agachada pode ocorrer. Em crianças antes dos 3 anos de idade, pode haver algo parecido com déficit de desenvolvimento motor. A doença evolui com dificuldade progressiva de coordenação de braços e pernas em todos os pacientes. Em casos graves, acaba por haver ataxia de tronco, ou seja, dificuldade de manter-se sentado sem apoio. Podem ocorrer dificuldade de falar (disartria) com as palavras saindo em tons e alturas diferentes (fala escandida, tal como podemos figurativamente observar em pessoas bêbadas) em até 10 anos de doença, além de alteração de reflexos profundos (aqueles que se testam com o martelinho) e de sensibilidade profunda (a via sensitiva que nos permite saber onde está nosso corpo no espaço sem olhar para nossos membros - sem ela, não nos seria possível andar no escuro ou com os olhos fechados).
Perda de volume muscular em braços e pernas é visível em quase todos os pacientes, com fraqueza muscular. Alterações ortopédicas como escoliose, anormalidades do coração, com distúrbios de condução elétrica (arritmias cardíacas), lesões cardíacas e diabetes ocorrem em 50% dos pacientes.
A AF é extremamente variável em suas características clínicas, e há pacientes com quadros bem mais sutis ou leves. A doença quando começa após os 25 anos de idade parece ser mais leve, ocorrendo em 14% dos pacientes com a doença. Pode ocorrer da doença começar após os 40 anos de idade, a doença de instalação muito tardia.
O diagnóstico é clínico, sendo que a suspeita clínica é a parte mais importante. Sendo a AF rara, seu diagnóstico depende também da exclusão de outras causas de ataxia. Assim, exames serão feitos para descartar outras doenças que cursem com ataxia, como exames de imagem (tomografia ou ressonância magnética) e exames de sangue. Em geral, os exames de imagem pouco ajudam, demonstrando na maior parte das vezes diminuição (atrofia) do cerebelo.
O diagnóstico correto é feito através de um teste genético, procurando-se pela mutação do gene que produz a proteína chamada de frataxina, que está defeituosa e pouco funcional nestes pacientes. O teste deve ser solicitado por médico especialista.
O tratamento da AF é suportivo, e não há cura para a doença (ainda!). O uso de fisioterapia para aliviar alguns dos sintomas motores pode ser útil quando bem indicado. As alterações ortopédicas podem necessitar de cirurgia, a depender do ortopedista que segue o paciente.
Recentemente, tentou-se o uso de uma medicação chamada de idebenona, um antioxidante, que parece diminuir ou estabilizar as alterações cardíacas que podem acompanhar a doença, e talvez possa auxiliar no tratamento da ataxia. No entanto, mais estudos são necessários para desvendar o papel desta medicação na AF.
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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista