Vamos tenta tornar o complexo simples.
Nosso cérebro, como todo o nosso corpo, funciona através de correntes elétricas minúsculas (cujas voltagens são medidas não em Volts, mas em miliVolts, que são 1 Volt dividido por 1000) produzidas por trocas de íons, átomos eletrificados. Os dois íons (átomos eletricamente carregados) relacionados à produção de energia elétrica na célula são os sódio (Na) e o potássio (K), que são íons positivos (cátions), ou seja, que necessitam de um elétron para alcançar a neutralidade elétrica. Outros dois íons são importantes, o cálcio (Ca) e o cloro (Cl). O cálcio é um íon positivo que necessita de dois elétrons para sua neutralidade, e o cloro é um íon negativo, ou um ânion, que necessita doar um elétron para alcançar a neutralidade elétrica.
Nas células, o potássio existe em maior quantidade do que o sódio, que abunda nos espaços entre as células (extracelulares). Da mesma forma, o cálcio e o cloro são mais importantes fora do que dentro da célula. Nas células, ocorrem alterações de trocas entre o sódio e o potássio que não chegam a produzir uma corrente elétrica (o sódio entra e o potássio sai da célula, mantendo assim o potencial, a diferença de carga entre o dentro e o fora da célula, que é de - 70 mV, ou seja, a célula é negativa em relação ao meio onde ela está). No entanto, quando estas trocas de íons são grandes o suficiente, há a produção de um potencial de ação, que é justamente a maneira como as células em várias regiões do corpo se comunicam e trocam substâncias entre si (leia mais sobre o potencial de ação aqui).
Um neurônio é uma célula ultraespecializada em conduzir estímulos elétricos (potencial de ação) através de suas ramificações (dendritos e axônios - leia mais sobre isso aqui). E há vários tipos de neurônios, que produzem e transmitem várias tipos de substâncias que agem em vários locais diferentes.
Como já falado em post sobre as sinapses neste blog, os neurônios se comunicam através destas pela abertura/fechamento e estimulação de proteínas localizadas nas membranas celulares, os receptores. Vários receptores existem, e cada um deles sofre alteração por contato e ligação com substâncias chamadas de neurotransmissores.
Da mesma forma, há centenas de neurotransmissores diferentes, mas os mais importantes são:
1. Dopamina
2. Acetilcolina
3. Serotonina
4. Noradrenalina
5. Substância P
6. Encefalinas
7. Ácido gama-aminobutírico (GABA)
8. Glutamato
9. Glicina
Há vários outros neurotransmissores. Alguns destes inibem a ação dos neurônios onde agem (neurotransmissores inibitórios, como a glicina e o GABA) e outros estimulam os neurônios (os neurotransmissores excitatórios, sendo o mais comum o glutamato).
Os neurônios GABAérgicos (que contêm GABA) são assim didaticamente chamados de inibitórios, e os que contêm glutamato (glutamatérgicos) de excitatórios.
Muito bem, entendendo até aqui? Vamos continuar.
Como falei antes, os neurônios comunicam-se através de impulsos elétricos, cuja duração, tamanho, sequência de estímulos, e outros fatores, determinam o tipo de informação que está sendo carreada. Os neurônios formam malhas neuronais, agrupamentos de células unidas através de sinpases, e cada neurônio pode fazer centenas a milhares de sinapses com outros neurônios próximos. E cada neurônio comunica-se através de um tipo de neurotransmissor, o que indica que em uma malha, há neurônios inibitórios, excitatórios e neurônios que modulam as descargas de outros neurônios.
Os neurônios não se comunicam de forma aleatória. Na verdade, as malhas neuronais possuem um fim, ou seja, a estimulação, ou inibição, de uma via inicial leva a ativação, ou inibição, de neurônios em várias camadas, cuja função é estimular, ou inibir, uma via neuronal final levando a uma ação que pode ser motora (levar um copo à boca, por exemplo), sensitiva (sentir um odor de uma flor, por exemplo), visual (correlacionar imagens com conhecimentos prévios, como exemplo), comportamental (o ato de dormir, como um bom exemplo), cognitiva (pensar, memorizar, raciocinar, e outros atos cognitivos) e outras ações.
Abaixo, uma malha neuronal ligando várias áreas cerebrais em prol de uma ação específica:
Entendendo até agora? Podemos manter o barco navegando? Vamos lá.
Além dos neurônios, outras células podem agir no meio celular eletrificado do cérebro. Estas células são as células gliais, mais especificamente os astrócitos, células que possuem várias funções, como suporte nutricional e de defesa neuronal, controle de entrada de substância no cérebro através da barreira hematoencefálica, controle da carga elétrica neuronal, e outras várias funções essenciais, e sem as quais não haveria funcionamento cerebral adequado.
Os níveis de cálcio, potássio e sódio dentro e fora dos neurônios, e dentro e fora das células gliais, é mantido às custas de mecanismos incrivelmente arranjados de forma a propiciar um equilíbrio elétrico celular e uma homeostase (equilíbrio) perfeita. Estes íons (átomos eletricamente carregados) são trocados de forma a manter a atividade neuronal oscilando (sim, a atividade neuronal não é estática, mesmo no sono, mas oscila entre estados ativado, despolarizado, e inativado, repolarizado a hiperpolarizado; leia sobre o potencial de ação, e você entenderá o que estou falando). A função elétrica das células da glia é manter a funcionalidade dos neurônios, através da modulação de sua excitabilidade (deixar o neurônio mais ou menos excitável).
Acima, um astrócito ligado a um neurônio.
Acima, a demonstração da atividade oscilatória cerebral.
Antes, até há alguns anos, pensava-se que as crises epilépticas eram causadas por um aumento das respostas excitatórias neuronais, e uma falta de neurônios inibitórios, uma visão bastante simplista da realidade.
Na realidade, o problema é bem diferente desta visão minimalista.
Pensemos o cérebro como um meio cheio de neurônios eletricamente carregados, trocando sódio, potássio, cálcio e cloro com o meio externo; células gliais, desesperadas tentanto diminuir as concentrações de cálcio e potássio do meio em que ficam os neurônios para evitar instabilidades elétricas; e os próprios íons, cálcio, potássio, sódio e cloro, sendo trocados de forma passiva e ativa.
Alterações nas concentrações de potássio, e possivelmente cálcio, dentro e fora da célula, desencadearia correntes de oscilações (que, em última análise, seriam as próprias crises) que se espalhariam pelo córtex de forma sincrônica, algo bastante comum em crises epilépticas, e este espraiamento ocorreria não através dos próprios neurônios, mas através das células de suporte, as células da glia, que tamponam, ou seja, acumulam em si os excessos de íons (especialmente o potássio) ao redor dos neurônios. Ou seja, a propagação de uma crise em um local (focal) para outro, e logo para todo o cérebro (generalização) não ocorreria, provavelmente, através de sinapses, mas através de junções elétricas entre as células da glia, as chamadas gap junctions, por onde o espraiamento elétrico é mais fácil e rápido.
Nesta linda figura acima, vê-se dois astróscitos unidos pelas gap junctions, fazendo suporte a duas sinapses entre três neurônios, e mantendo o equilíbrio de potássio (K+) no meio extra celular e dentro dos vasos (blood vessels).
A atividade epiléptica é tóxica para os neurônios, e esta leva à liberação de neurotransmissores excitatórios, principalmente o glutamato, levando a maior concentração de cálcio e mais ativação neuronal, alimentando um círculo vicioso que deverá ser parado, em última análise, pela função das células da glia, que tentarão "limpar o ambiente".
Mas como as células gliais entram neste estado de função alterada, podendo auxiliar no desencadear de crises epilépticas? A propagação e generalização das crises relacionapse com a desregulação do potássio extraneuronal. Já as crises em si podem ocorrer a partir da abertura da barreira hematoencefálica (a barreira formada pelos astrócitos, e que impediria a entrada de qualquer molécula ou substância no cérebro), o que levaria a uma cascata de eventos começando pela ativação dos astrócitos, alteração dos receptores de potássio nos astrócitos, dificultando as correntes de correção de potássio do meio extracelular, e prejuízo da contenção deste excesso de potássio, levando à formação de oscilações que se propagariam entre os neurônios e astrócitos ao redor, ou seja, a um foco epiléptico, que pode ou não se generalizar.
Este é o conhecimento atual simplificado, retirado do livro Oxford Textbook of Epilepsy and Epileptic Seizures, de Shorvon e colaboradores, publicado pela editora Oxford, em 2013.
Como já falado em post sobre as sinapses neste blog, os neurônios se comunicam através destas pela abertura/fechamento e estimulação de proteínas localizadas nas membranas celulares, os receptores. Vários receptores existem, e cada um deles sofre alteração por contato e ligação com substâncias chamadas de neurotransmissores.
Da mesma forma, há centenas de neurotransmissores diferentes, mas os mais importantes são:
1. Dopamina
2. Acetilcolina
3. Serotonina
4. Noradrenalina
5. Substância P
6. Encefalinas
7. Ácido gama-aminobutírico (GABA)
8. Glutamato
9. Glicina
Há vários outros neurotransmissores. Alguns destes inibem a ação dos neurônios onde agem (neurotransmissores inibitórios, como a glicina e o GABA) e outros estimulam os neurônios (os neurotransmissores excitatórios, sendo o mais comum o glutamato).
Os neurônios GABAérgicos (que contêm GABA) são assim didaticamente chamados de inibitórios, e os que contêm glutamato (glutamatérgicos) de excitatórios.
Muito bem, entendendo até aqui? Vamos continuar.
Como falei antes, os neurônios comunicam-se através de impulsos elétricos, cuja duração, tamanho, sequência de estímulos, e outros fatores, determinam o tipo de informação que está sendo carreada. Os neurônios formam malhas neuronais, agrupamentos de células unidas através de sinpases, e cada neurônio pode fazer centenas a milhares de sinapses com outros neurônios próximos. E cada neurônio comunica-se através de um tipo de neurotransmissor, o que indica que em uma malha, há neurônios inibitórios, excitatórios e neurônios que modulam as descargas de outros neurônios.
Os neurônios não se comunicam de forma aleatória. Na verdade, as malhas neuronais possuem um fim, ou seja, a estimulação, ou inibição, de uma via inicial leva a ativação, ou inibição, de neurônios em várias camadas, cuja função é estimular, ou inibir, uma via neuronal final levando a uma ação que pode ser motora (levar um copo à boca, por exemplo), sensitiva (sentir um odor de uma flor, por exemplo), visual (correlacionar imagens com conhecimentos prévios, como exemplo), comportamental (o ato de dormir, como um bom exemplo), cognitiva (pensar, memorizar, raciocinar, e outros atos cognitivos) e outras ações.
Abaixo, uma malha neuronal ligando várias áreas cerebrais em prol de uma ação específica:
http://www.neuroscience.cam.ac.uk/uploadedFiles/mg03_phpGBaO4B.JPG |
Além dos neurônios, outras células podem agir no meio celular eletrificado do cérebro. Estas células são as células gliais, mais especificamente os astrócitos, células que possuem várias funções, como suporte nutricional e de defesa neuronal, controle de entrada de substância no cérebro através da barreira hematoencefálica, controle da carga elétrica neuronal, e outras várias funções essenciais, e sem as quais não haveria funcionamento cerebral adequado.
Os níveis de cálcio, potássio e sódio dentro e fora dos neurônios, e dentro e fora das células gliais, é mantido às custas de mecanismos incrivelmente arranjados de forma a propiciar um equilíbrio elétrico celular e uma homeostase (equilíbrio) perfeita. Estes íons (átomos eletricamente carregados) são trocados de forma a manter a atividade neuronal oscilando (sim, a atividade neuronal não é estática, mesmo no sono, mas oscila entre estados ativado, despolarizado, e inativado, repolarizado a hiperpolarizado; leia sobre o potencial de ação, e você entenderá o que estou falando). A função elétrica das células da glia é manter a funcionalidade dos neurônios, através da modulação de sua excitabilidade (deixar o neurônio mais ou menos excitável).
http://cnx.org/content/m47417/latest/Figure_33_02_13.jpg |
http://esciencenews.com/files/images/201009203716190.jpg |
Acima, a demonstração da atividade oscilatória cerebral.
Antes, até há alguns anos, pensava-se que as crises epilépticas eram causadas por um aumento das respostas excitatórias neuronais, e uma falta de neurônios inibitórios, uma visão bastante simplista da realidade.
Na realidade, o problema é bem diferente desta visão minimalista.
Pensemos o cérebro como um meio cheio de neurônios eletricamente carregados, trocando sódio, potássio, cálcio e cloro com o meio externo; células gliais, desesperadas tentanto diminuir as concentrações de cálcio e potássio do meio em que ficam os neurônios para evitar instabilidades elétricas; e os próprios íons, cálcio, potássio, sódio e cloro, sendo trocados de forma passiva e ativa.
Alterações nas concentrações de potássio, e possivelmente cálcio, dentro e fora da célula, desencadearia correntes de oscilações (que, em última análise, seriam as próprias crises) que se espalhariam pelo córtex de forma sincrônica, algo bastante comum em crises epilépticas, e este espraiamento ocorreria não através dos próprios neurônios, mas através das células de suporte, as células da glia, que tamponam, ou seja, acumulam em si os excessos de íons (especialmente o potássio) ao redor dos neurônios. Ou seja, a propagação de uma crise em um local (focal) para outro, e logo para todo o cérebro (generalização) não ocorreria, provavelmente, através de sinapses, mas através de junções elétricas entre as células da glia, as chamadas gap junctions, por onde o espraiamento elétrico é mais fácil e rápido.
http://www.biochemj.org/csb/007/Fig7_astrocyte_structurea.jpg |
A atividade epiléptica é tóxica para os neurônios, e esta leva à liberação de neurotransmissores excitatórios, principalmente o glutamato, levando a maior concentração de cálcio e mais ativação neuronal, alimentando um círculo vicioso que deverá ser parado, em última análise, pela função das células da glia, que tentarão "limpar o ambiente".
Mas como as células gliais entram neste estado de função alterada, podendo auxiliar no desencadear de crises epilépticas? A propagação e generalização das crises relacionapse com a desregulação do potássio extraneuronal. Já as crises em si podem ocorrer a partir da abertura da barreira hematoencefálica (a barreira formada pelos astrócitos, e que impediria a entrada de qualquer molécula ou substância no cérebro), o que levaria a uma cascata de eventos começando pela ativação dos astrócitos, alteração dos receptores de potássio nos astrócitos, dificultando as correntes de correção de potássio do meio extracelular, e prejuízo da contenção deste excesso de potássio, levando à formação de oscilações que se propagariam entre os neurônios e astrócitos ao redor, ou seja, a um foco epiléptico, que pode ou não se generalizar.
Este é o conhecimento atual simplificado, retirado do livro Oxford Textbook of Epilepsy and Epileptic Seizures, de Shorvon e colaboradores, publicado pela editora Oxford, em 2013.
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Médico Neurologista