quinta-feira, dezembro 25, 2014

Narcolepsia

O nome narcolepsia vem do grego nárke = narco, estupor, sonolência + lepsis = lepsia, crise (fonte). A narcolepsia é uma doença caracterizada classicamente por desejo extremo e súbito de dormir. Mas há outras características da narcolepsia que talvez vocês são saibam.

Já há séculos que a sonolência excessiva (a pessoa que dorme muito durante o dia e à noite) tem sido observada. Dante Alighieri, grande mestre da literatura italiana e unificador da língua italiana do século XIII, possuía sonhos, sono excessivo e quedas que podem tersido causados por narcolepsia. Os sintomas de queda e perda do tônus, da força normal em repouso dos músculos, foram descritos cientificamente em 1877 e 1878 por dois médicos, Westphal e Fischer. 

O nome narcolepsia foi criado por Gerlineau em 1880 para descrever as crises de ataques de sono e fraqueza muscular após fortes emoções em um homem de 38 anos de idade.

Os episódios de perda de tônus, de queda e de perda da força muscular que ocorrem nos pacientes com narcolepsia após intensas emoções, ou cataplexia, foram descritos por Lowenfeld em 1902. Já a paralisia do sono, outro sintoma da narcolepsia e que relaciona-se a uma incapacidade de se mexer ao acordar juntamente com um aperto no peito, foi descrita por Kinnier Wilson em 1928. 

Em 1957, Yoss e Daly juntaram todos os sintomas em uma síndrome. Descreveram a narcolepsia como uma tétrade de halucinações (ao acordar ou ao despertar), paralisia do sono, sonolência excessiva e cataplexia. 

As bases fisiológicas da narcolepsia começaram a ser melhor caracterizadas em 1960, com o estudo do sono e das fases do sono. Nesse ano, Vogel relatou que uma fase normal do sono que, normalmente, iniciar-se-ia somente após 120 minutos do início do sono, mas que nos pacientes com narcolepsia já começava com o instalar do sono, o famoso sono REM, ou Rapid Eye Movements Sleep (Sono com Movimentos Rápidos dos Olhos), que é justamente a fase do sono onde o corpo fica paralisado, atônico, sem tônus. 

Em 1999, descobriu-se uma base biológica e autoimune para a narcolepsia e descobriu-se depois que os pacientes com narcolepsia tinham falta ou diminuição de uma substância chamada de hipocretina ou orexina em uma região do cérebro chamada de hipotálamo. 

A narcolepsia caracteriza-se por sonolência diurna excessiva, que é em geral o primeiro sintoma a ocorrer. A sonolência ocorre mesmo quando não há insônia noturna, o paciente dorme bem, e mesmo assim tem crises irresistíveis de sono. Esse conceito serve para fazer diagnóstico com a causa mais comum de sonolência diurna excessiva na população, a falta de sono durante a noite, quer por insônia, quer por turno noturno de trabalho.

A cataplexia, como quedas, perda de tônus de braços, pernas, língua, pescoço ou dificuldade para falar, após emoções boas ou más ou sustos, costuma ocorrer juntamente com a paralisia do sono e as alucinações do sono. 

A doença começa devagar, entre a segunda e terceira décadas de vida, e afeta tanto homens como mulheres. 

O paciente sente, durante o dia, crises irresistíveis de sono, especialmente em situações entediantes, podendo ser melhorados temporariamente por atividade física e mental. Crises de comportamentos bizarros com amnésia para estes fatos podem ocorrer. 

A cataplexia, que pode não ocorrer em todos os pacientes, pode durar segundos a minutos, com recuperação completa. Os olhos e a respiração não são afetados. Pode ocorrer de 1 ou 2 vezes por ano a várias vezes ao dia. 

As alucinações podem ocorrer ao adormecer ou ao despertar. Podem levar a medo intenso, pois podem simular presença de entes, pontos em locais do quarto que aumentam e diminuem ou outras visões. Em um livro muito interessante sobre alucinações e experiências alucinatórias outras, Oliver Sacks traça um perfil clínico e histórico dessas alucinações (leia mais aqui).

Já a paralisia do sono, descrita desde a Idade Média, relaciona-se a uma incapacidade de se mexer que ocorre ao acordar ou ao despertar, e que assusta muito o paciente.

A narcolepsia não vem só, e pode ocorrer com mais de um transtorno de sono. Insônia noturna e sono agitado podem ocorrer.  

Mais de 85% dos pacientes caucasianos e japoneses com narcolepsia têm alterações em proteínas que se relacionam à narcolepsia, o que sugere uma base genética. Mas há gêmeos descritos que não compartilham as mesmas alterações genéticas, o que sugere que há mais coisas necessárias para o desenvolvimento da doença, em especial fatores ambientais e lesões cerebrais. Aliás, lesões cerebrais na base do crânio podem levar um paciente antes saudável a desenvolver narcolepsia.

A doença é causada pela perda de neurônios hipotalâmicos que possuem um neurotransmissor chamado de hipocretina ou orexina, talvez por destruição autoimune genética ou adquirida.  

A narcolepsia é rara, afetando 0.026% a 0.047% da população da Europa. A doença pode começar antes dos 10 anos de idade, ou após os 50 anos de idade, mas em geral é mais comum entre os 20 e 30 anos.  

O diagnóstico depende do conhecimento médico (suspeitar da doença). Ou seja, uma história clínica bem feita é essencial. O exame neurológico em casos primários, sem causa definida ou genéticos, é normal. O teste de escolha para o diagnóstico é a Polissonografia, em que o paciente dorme monitorizado em um quarto de laboratório especializado. Com esse exame, o médico afasta outras possibilidades que podem se confundir com o diagnóstico de narcolepsia. Já o Teste de Latências Múltiplas do Sono, feito no dia seguinte à Polissonografia, demonstra a intrusão precoce do sono REM no sono.

O Teste de Manutenção da Vigília é outro meio de diagnóstico em que o paciente é solicitado a ficar acordado em períodos de 40 minutos. 

Recentemente, a dosagem de hipocretina/orexina no líquor de pacientes tem sido descrito como outro meio de diagnóstico da nercolepsia. 

Exames de imagem como tomografia e ressonância em pacientes com narcolepsia primária, sem causa, são normais. 

A narcolepsia não é uma doença que deva ser deixada de lado, mas deve ser investigada e tratada, pois pode ocasionar sérios riscos ao volante, no trabalho, e prejudicar o desempenho escolar e profissional, além de levar a depressão e ansiedade.  Como a doença é para a vida toda, e raramente os pacientes se curam, o tratamento deve ser feito com uso de medicações contínuas.

Há medicações utilizadas para o tratamento, e que devem ser administradas por neurologistas especialistas e conhecedores da doença e dos efeitos colaterais das medicações prescritas.

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Médico Neurologista