Artigo publicado no site Knowing Neurons, e traduzido livremente para o blog Neuroinformação.
Melatonina: Um velho hormônio
A melatonina é uma molécula antiga em termos evolutivos. Encontrada facilmente nos setores de suplementos alimentares e vitaminas das farmácias americanas e europeias (o autor aqui, aliás, usa e se dá muito bem com ela), esta substância é encontrada em muitos seres vivos, desde plantas a bactérias, algas, invertebrados e vertebrados, como o homem. A área cerebral que a produz é a pineal, uma glândula em forma de bola localizada atrás do terceiro ventrículo cerebral.
A pineal secreta a melatonina diretamente na circulação sanguínea e no líquor que banha o cérebro, agindo em várias células através de múltiplas ações. Sua função primordial é servir como relógio e calendário do corpo, regulando tanto as atividades diárias (circadianas) como sazonais. Sua produção ocorre à noite, já que a luz inibe sua produção. O seu nome vem da junção de melas, ou escuro, e serotonina, a molécula a partir da qual a melatonina é produzida.
Animais selvagens usam a melatonina para saber qual a estação do ano, já que a duração da melatonina produzida em cada noite aumenta com a chegada do inverno (quando, pelo menos no hemisfério norte e no extremo do hemisfério sul, o dia fica mais curto e a noite mais longa - solstício de inverno). A melatonina controla a maior parte das modificações sazonais do comportamento da espécie em questão, incluindo seus processo fisiológicos, como reprodução, metabolismo e função imunológica. O tratamento com melatonina exógena faz com que certas espécies de animais modifiquem, automaticamente, seu metabolismo para, digamos, modo inverno.
Essa previsão das modificações de acordo com cada estação do ano são necessárias, caso contrário estes animais correm o risco de morrer, pela dificuldade de prever, e logo, adaptar-se às condições ambientais. Em algumas espécies de animais, o uso de implantes de melatonina pode fazer com que o sistema reprodutivo destes animais deixe de funcionar e quase desapareça, pelo simples fato da previsão do inverno. Além disso, grandes modificações no sistema imune podem ocorrer em resposta à secreção sazonal de melatonina.
O ser humano possui muito poucos ritmos sazonais metabólicos, de modo que a maior parte da pesquisa em melatonina no homem se baseia no ritmo principal do corpo humano, a vigília e o sono, e seus efeitos metabólicos. Na verdade, com o advento da luminosidade noturna artificial, propiciada pelas lâmpadas e afins, muita pesquisa tem se concentrado na descoberta de efeitos deletérios de tal luminosidade sobre a secreção de melatonina. No homem, assim como em outros animais, a concentração de melatonina é maior no inverno que no verão pelos mesmos motivos. E essa variação é importante, pois algumas doenças, como a esclerose múltipla, demonstram padrões sazonais de severidade e prevalência.
Recentemente, pesquisadores demonstraram um papel para a melatonina na mediação de surtos sazonais de esclerose múltipla. A esclerose múltipla é uma doença autoimune, onde há destruição da camada de mielina, que auxilia na transmissão de sinais nervosos e protege os neurônios. Sem a mielina, o sinal nervoso fica distorcido ou se perde no ambiente, levando a perda de função neuronal. Pessoas que vivem longe do equador, próximo aos pólos, possuem uma maior incidência de esclerose múltipla, e muito tem sido feito para elucidar o potencial papel protetor da vitamina D - cuja síntese depende do sol - sobre a esclerose múltipla, já que quem vive mais próximo aos pólos tende a ter menos exposição solar, sintetizando menos vitamina D, do que as pessoas quem vivem próximas ao equador. No entanto, a conta não fecha. Se a esclerose múltipla fosse dependente de vitamina D, então surtos ocorreriam muito mais nos períodos de inverno e outono, quando a exposição solar cai. E na verdade, é o contrário,m justamente. O maior número de surtos ocorre no verão e na primavera, quando a síntese de vitamina D e a exposição solar são maiores. Então, alguma outra variável sazonal deve contribuir para a taxa de surtos.
Autores descobriram que as concentrações de melatonina são maiores no invero e no outono em comparação ao verão e primavera, de modo que a melatonina poderia influenciar a função imunológica. Ainda, os autores previram que altos níveis de melatonina no inverno alteram o sistema imunológico de modo a inibir os surtos de esclerose múltipla. De fato, a melatonina bloqueia a formação de um subgrupo de células T chamadas de Th17, que secreta uma substância inflamatória, a interleucina 17 (IL-17), que pode influenciar a severidade da doença. Pesquisas testaram se a melatonina poderia melhorar prognóstico em um modelo animal de esclerose múltipla, a encefalomielite autoimune (EAE).
A melatonina foi eficaz na redução da severidade da doença inibindo o desenvolvimento das células Th17 e aumentando o número de células anti-inflamatórias (Tr1), levando a supressão imune. O bloqueio do receptor de melatonina nas células T levou ao bloqueio da eficácia da melatonina, ou seja, a melatonina age diretamente sobre as células imunológicas.
Esta pesquisa fornece evidência de que a melatonina interfere na sazonalidade dos surtos de esclerose múltipla, e que o uso de melatonina, ou substância semelhante, poderia ser eficaz no tratamento da esclerose múltipla ou de outras doenças autoimunes. Mas, de acordo com os autores, ainda é cedo para inferir benefícios à melatonina, já que as vias envolvidas no processo são muito complexas e com muito mais reguladores do que pensamos. Há necessidade de mais pesquisa sobre o tema.
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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista