Essa situação muitas vezes é uma sinuca de bico, pois deixa tanto o médico como o paciente em situação difícil. Mas vamos tentar explicar de forma que todos entendamos, e do começo.
Crise epiléptica é uma descarga elétrica abrupta e contínua de um conjunto de neurônios no cérebro, causada por várias situações. Os neurônios, como já explicado em algumas partes deste blog, funcionam através de condução de corrente elétrica (que é tão pequena que só pode ser "vista" pelo eletroencefalograma se for amplificada). E temos, em geral, neurônios que possuem neurotransmissores excitatórios, que levam a ativação de outras células, e neurônios que possuem neurotransmissores inibitórios, que inibem a ativação celular. Isso é necessário para termos um equilíbrio elétrico no cérebro.
Em algumas situações, temos predomínio de neurônios excitatórios, ou temos defeitos neuronais que os levam a produzir descargas elétricas em excesso, sem controle, a maior parte destes defeitos de causa genética.
Após um AVC, por exemplo, ou um trauma craniano, pode haver formação de cicatrizes e perda neuronal, levando à agregação de neurônios excitatórios em determinada parte do cérebro sem a devida modulação por neurônios inibitórios, o que leva às crises. Em outras situações, lesões neuronais por uso crônico de álcool, drogas, lesões como infecções cerebrais (meningite ou encefalite), neurocisticercose (bicho da carne de porco) ou doenças genéticas, podem levar a crises epilépticas por descargas anormais no cérebro.
Mas algumas vezes o paciente pode ter uma crise isolada, causada ou por diminuição ou excesso de açúcar no sangue, ou por excesso de álcool ou drogas, ou por trauma craniano isolado sem lesões na tomografia ou ressonância, ou por febre em crianças abaixo de 5 anos ou em pacientes com lesões cerebrais, ou mesmo sem causa definida (idiopática). Quando a crise é única, isolada, sem outras após, damos a esta crise o nome de crise epiléptica única, e dependendo da causa, em geral não damos medicações antiepilépticas para estes pacientes. Mas é claro, isso depende da opinião do médico que assiste o paciente.
Quando crises se repetem, independente de causas, ou seja, quando as crises ocorrem de forma espontânea, damos o nome de epilepsia. E esses casos necessitam de medicações antiepilépticas.
Há várias medicações antiepilépticas no mercado, com suas indicações específicas, seus efeitos colaterais e suas dosagens específicas. O neurologista saberá dizer qual a melhor medicação para você, e em qual dose.
E estas medicações devem ser tomadas até quando? Isso depende de várias coisas. Depende da idade em que as crises começaram, do tipo de crise e de síndrome epiléptica (muitas síndromes têm nome e, sabendo-se classificar estas crises, sabe-se mais ou menos sua evolução na maior parte dos pacientes), depende de haver ou não lesão cerebral nos exames de imagem, depende de como está o eletroencefalograma quando o paciente está sem crises (interictal), etc... São tantas variáveis que somente um médico assistindo um paciente ao longo das consultas saberá concluir o melhor plano de tratamento para cada paciente. E deve-se lembrar a máxima que diz que "Cada caso é um caso".
Mas, e se, de repente, eu parar a medicação? Digamos, fui viajar e esqueci de pedir mais receita, ou de comprar a medicação. Ou faltei à consulta e estou sem medicação? Ou decidi parar mesmo, por que estou cansado de tomar remédio?
Aí a coisa muda e o caldo engrossa!
Uma orientação que damos aos pacientes é nunca parar a medicação de forma abrupta, súbita. A parada de forma súbita pode levar a mais crises, que podem se tornar incontroláveis, podendo somente ser controladas em pronto-socorro, ou levar a crises que ocorrem sem intervalo livre de crise entre elas, ou seja, uma crise atrás da outra, um quando de emergência a que chamamos de status epilepticus.
A parada da medicação deve ser lenta, programada, feita por médico experiente, e somente quando indicada. Mas você pode estar se perguntando neste exato momento - mas eu estou sem crises há um tempão. Qual o problema de parar a medicação?
Isso pode ser um engano seu. Você pode estar sem crise por que a medicação as está controlando, ou seja, está evitando as crises de vir. Lembre-se do que falei agora há pouco - há vários tipos de crises e de síndromes epilépticas, e uma não é igual à outra. E a presença de lesões cerebrais na ressonância ou tomografia de crânio e um eletroencefalograma como ondas epilépticas quando o paciente está sem crise (interictal) pode falar a favor da manutenção da medicação. Nestes casos, a parada da medicação pode levar à falta de controle das crises.
Só se deve parar a medicação antiepiléptica se o médico assim achar que deve, e nas condições expostas pelo médico. A parada deve ser gradual e lenta. Mas e se o remédio estiver dando efeitos colaterais? Aí, mesmo assim, o médico deve ser urgentemente avisado, e a retirada deve ser feita com apoio médico, para evitar mais problemas. Nunca retire a medicação sozinho sem avisar seu médico. Em alguns casos, fazemos a retirada com o paciente internado, para dar mais segurança ao paciente a sua família. E se for necessária a medicação, entra-se com outra mais tolerável pelo paciente.
O que eu peço a vocês, pacientes, é que nunca deixem faltar suas medicações, e nunca, mas nunca, deixem de tomar uma dose achando que não vai fazer falta ou dar problema. Os remédios têm meia-vida, ou seja, o tempo médio de disponibilidade de metade da dose deles no sangue. Muitas medicações têm meia-vidas de menos de 8 horas, o que significa que após 8 horas, não há mais medicação, ou há pouca concentração da mesma no sangue, e a próxima tomada pode demorar para fazer efeito. Daí para uma crise para quem estava há meses ou anos sem crises é um pulo.
E sempre conversem com seu médico sobre suas dúvidas em relação às medicações antiepilépticas. Ninguém melhor do que ele para os orientar.
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Médico Neurologista