sexta-feira, agosto 29, 2014

Pequeno Dicionário de Termos Médicos - Enxaqueca basilar

O nome enxaqueca basilar, de acordo com a nova classificação da Sociedade Internacional de Cefaleia, mudou para Enxaqueca ou Migrânea com Aura do Tronco Cerebral (MATC).

O tronco cerebral é uma estrutura composta de vários núcleos e vários agrupamentos de fibras que conectam o cérebro ao cerebelo, à medula e ao resto do corpo, e possui funções relacionadas à visão, equilíbrio, funcionamento da face, sensibilidade da face, fala, deglutição (o ato de engolir), além do controle da respiração e da consciência. A artéria basilar é uma artéria que provem da união das artérias vertebrais, e constitui-se na artéria mais importante que irriga o tronco cerebral (daí o nome antigo "Enxaqueca Basilar"). 

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Acima, você vê a artéria basilar com uma seta azul.

A MATC foi primeiramente descrita por Bickerstaff em 1961, e por muito tempo, essa forma de enxaqueca foi conhecida como enxaqueca de Bickerstaff. Aretaeus da Capadócia, médico da Grécia antiga, que viveu no século I depois de Cristo, escreveu o que, para Bickerstaff, foi o primeiro relato da MATC:

Se a escuridão possuir os olhos, e se a cabeça girar em tontura, e se os ouvidos soarem como os sons de rios produzindo um grande barulho, ou como o vento quando ecoa por entre as velas, ou como o bater de canos, ou como o chacoalhar de carruagens, nós chamamos a afecção escotoma (ou vertigem). O modo de vertigem é um peso na cabeça, flashes de luz nos olhos, juntamente com escuridão, ignorância de si mesmo e daqueles ao redor de si, e se a doença progredir em aumento, os membros afundam-se e o paciente cai ao chão; há náuseas e vômitos de fleugma ou de matéria biliar negra ou amarela (Araeteus, em tradução livre por mim).

No entanto, foi o famoso médico inglês William Richard Gowers quem descreveu o primeiro caso de MATC em 1907, em uma garota de 18 anos de idade, na qual perda visual bilateral com fosfenas, pontos brilhantes de luz, e escotomas, pontos enegrecidos, apareciam no campo visual; posteriormente, apareciam vertigem e sensações anormais nos membros (disestesias) que duravam 10 minutos. Ela, então, ficava inconsciente por 15 minutos, e os sintomas regrediam logo após, com o aparecimento de uma dor de cabeça intensa que durava 2 horas.

O termo "Enxaqueca Basilar" foi criado em 2004, e seu nome foi novamente modificado 9 anos depois, como visto no início deste post. 

Os sintomas que os pacientes com MATC apresentam podem aparecer entre os 10 e 20 anos de idade ou entre os 20 e 30 anos de idade. Antes e após isso é raro, mas há relatos da doença em crianças. A MATC pode ocorrer com outras formas mais comuns de enxaqueca. 

Fatores que desencadeiam as crises podem ser percebidos por mais da metade dos pacientes. Emoções, estresse, menstruação, mudanças climáticas (não me perguntem o porquê disso!), traumas cranianos, certos tipos de alimentos e uso de anticoncepcionais têm sido relatados nos artigos científicos. 

A aura, como sempre, dura de 5 a 60 minutos, mas pode se estender por 3 dias. A aura mais comum são os sintomas visuais, descrito em post anterior. Entre as auras, há perda de campo visual, fosfenas, escotomas, alucinações (ver como se algo estivesse maior (macropsia) ou menor (micropsia)), visão dupla (a famosa diplopia), vertigem, tontura, ataxia (desequilíbrio), zumbido, disartria (dificuldade em articular as palavras), dormência e formigamento nos membros, desmaios, e mesmo coma. 

Crises epilépticas podem ocorrer em raros casos e complicar o diagnóstico. Episódios de derrame (AVC), especialmente em casos não tratados, podem ocorrer. A dor de cabeça costuma ser na região de trás da cabeça (occipital), vir com náuseas e vômitos, com luz e barulho incomodando (foto e fonofobia, respectivamente). Em menos de 5% dos casos, a aura pode vir sem dor de cabeça.

A doença é considerada uma variante de enxaqueca, mas há quem considere essa uma doença a parte. Há associação com vários genes, mas ainda não há um gene responsável pela doença descrito. 

Dez porcento dos pacientes com enxaqueca com aura em uma população dinamarquesa tinham MATC (ou seja, mais comum do que vemos na prática). 

Quando estamos diante do primeiro episódio de MATC, nós médicos nos preocupamos em descartar alguma lesão cerebral antes de fechar o diagnóstico de enxaqueca. Muitos pacientes acabam por passar por testes como tomografias, ressonâncias e eletroencefalogramas atrás de derrames ou quadros epilépticos antes de fecharmos o diagnóstico de MATC. 

A doença parece melhorar com o avançar da idade do paciente, ou seja, após os 30 anos de idade. O prognóstico é bom. E o tratamento deve se voltado para o uso de medicações que visem diminuir a intensidade e a frequência das dores (os profiláticos), já discutidos em post anterior neste blog. 

Alimentação regular, descobrir o que desencadeia as crises, sono regular e nas horas certas, evitar estresse através de técnicas de relaxamento, parecem auxiliar no tratamento. 

Os famosos triptanos (sumatriptano, rizatriptano, naratriptano) usados no tratamento das crises de enxaqueca devem ser evitados, por provavelmente aumentar o riscos de derrames nestes pacientes (essa informação, apesar de ainda não totalmente provada, ainda consta em bula) (cheque aqui). Da mesma forma, os ergotamínicos. Ou seja, se você tem enxaqueca basilar (MATC), não use nenhum analgésico sem indicação médica.

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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista