Postagem escrita pela estudante de medicina de Lisboa, Portugal, (futura neurologista e nossa primeira convidada internacional) Ana Rita Medeiros, e cedida gentilmente ao blog Neuroinformação (com modificações devido aos aspectos estilísticos e ortográficos da língua portuguesa original)
A toxina botulínica
(BnT) ou mais comumente
conhecida como Botox (sua
formulação comercial mais antiga) também tem aplicações além
das rugas e marcas de expressão. De
fato, há tempos discute-se o uso da BnT
para o tratamento, juntamente com a fisioterapia, de casos de paralisia
cerebral.
Em primeiro
lugar, será necessário explicar o que é a
BnT. A BnT é um complexo
proteico puro obtido a
partir de uma bactéria, o Clostridium botulinum, a bactéria causadora da doença conhecida como
botulismo. Esta bactéria
produz 7 formas da toxina (de A a
G) mas apenas
uma é usada como
tratamento no Brasil, a toxina botulínica tipo A (BnTA) (o sorotipo BnTB é utilizado nos
EUA e alguns países europeus). A BnT bloqueia a liberação de acetilcolina, um neurotransmissor que age, também, ao nível dos músculos, prevenindo que o músculo
receba a mensagem
vinda do nervo, e logo, impedindo
que o músculo contraia de forma adequada. O músculo, então, e mesmo em estado relaxado, não recebe ordem para se contrair o que, a nível da
pele e em pequenas
doses, permite suavizar
as rugas de expressão pelas quais o Botox
é tão conhecido.
Contudo, existe
ainda uma outra vertente de aplicação
que tem sido estudada, a da paralisia
cerebral. A paralisia cerebral é uma das doenças mais incapacitantes na infância,
e que se caracteriza por ser uma
lesão estática (que não progride com a idade) do cérebro em
desenvolvimento, o que leva a incapacidades a nível da postura do corpo, tronco, membros e movimento. Tal como dito anteriormente, é uma lesão não progressiva, ou seja, assim que ocorre a lesão, esta não sofre evolução.
Um dos maiores
problemas relacionados com esta
lesão é a espasticidade, o aumento involuntário, espontâneo,
do tônus muscular, sendo que o músculo fica tenso, imobilizado em uma posição
fixa, e cuja tentativa de mobilização leva a dor.
A espasticidade
pode vir isolada ou estar associada
a outras formas de movimentos anormais, como distonias ou ataxia
(incoordenação). A espasticidade caracteriza-se
por aumento do tônus muscular
com aumentos os reflexos testados com o martelinho (hiperreflexia). Além disso, um doente com espasticidade apresenta uma postura anormal por contração
dos músculos da coluna com deformidades musculoesqueléticas, dor, alterações e limitações no movimento e possível
incontinência de esfíncteres
(dificuldade de segurar as fezes e/ou a urina). Nas crianças,
a espasticidade causa também uma limitação no desenvolvimento e crescimento muscular.
Os primeiros estudos que demonstraram uma relação
da BnT com o tratamento
da paralisia cerebral datam de
1994 (Cosgrove et al, Koman et
al). Como já foi dito acima,
a BnT inibe a ligação da acetilcolina com os receptores no músculo, daí impedindo a transmissão nervosa e aliviando
a contração muscular
mantida no paciente
com paralisia cerebral, permitindo, a curto prazo, o movimento e a longo prazo, o crescimento, evitando o desenvolvimento de deformidades e
permitindo um melhor tratamento com as técnicas de fisioterapia.
Os estudos que têm surgido nestes últimos anos conduzem
a um aconselhamento do uso da BnT em uma idade precoce, com preferência entre os 2 e 6 anos e principalmente a nível dos membros inferiores.
Além dos benefícios acima referidos, a toxina botulínica também impede crises dolorosas em pacientes com contrações
dos adutores das coxas (os adutores das coxas são os músculos que auxiliam a
fechar as pernas, juntando uma coxa na outra, e pacientes com paralisia
cerebral apresentam com muita frequência contração involuntária destes músculos
com dor, incapacidade de abrir as pernas, dificuldade de andar, e nos pacientes
mais graves, dificuldades com a limpeza e higiene da região íntima), adia a necessidade de cirurgia ortopédica, diminui espasmos e permite
uma movimentação mais facilitada, assim como impede assimetrias entres os membros.
O tratamento com o uso de BnT deve ainda ter sua dose ajustada ao peso do paciente e ter objetivos
bem definidos, principalmente na escolha de quais os
grupos musculares de interesse
para a aplicação, daí a
necessidade de se iniciar
precocemente o procedimento, já que o paciente se beneficiará de um melhor prognóstico,
especialmente se o uso da BnT for combinado com um intenso tratamento fisioterápico.
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Médico Neurologista