segunda-feira, dezembro 19, 2011

O que é a doença de Wilson?




O cobre é um elemento químico classificado como um metal, de extrema utilidade no corpo como outros metais como o ferro, o cobalto, o selênio e o zinco. O cobre funciona como um cofator, ou seja, uma substância essencial para o funcionamento de outra substância, geralmente uma enzima, proteína que auxilia (catalisa) em reações químicas no corpo.

O cobre entra no corpo através do trato digestivo. Alimentos ricos em cobre são as ostras, fígado de vaca e de cordeiro, castanha do Pará, cacau (e logo, o chocolate), pimenta preta, lagostas, nozes, semente de girassol, azeitonas verdes, abacates, cereais de trigo, e caramelo derivado da queima do açúcar (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Copper).

O cobre necessita ser removido quando em excesso, devido a riscos de lesão celular do fígado e acúmulo de cobre em vários órgãos, entre eles o cérebro, se as concentrações de cobre se elevarem serm controle. A proteína que transporta o cobre para ser removido chama-se ceruloplasmina. E é a partir daí que nossa história começa.

Algumas pessoas nascem com mutações justamente na enzima que faz o transporte do cobre para a ceruloplasmina, a ATP7B. Mais de 300 mutações já foram descritas. A doença que causa isso chama-se doença de Wilson, em homenagem a Samuel Alexander Kinnier Wilson, médico britânico que descreveu a doença em 1912, 25 anos antes de sua morte em 1937.


http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/56/Samuel_Alexander_Kinnier_Wilson.jpg/220px-Samuel_Alexander_Kinnier_Wilson.jpg

Este é o Dr. S. A. Kinnier Wilson.

A doença de Wilson, portanto, leva ao acúmulo de cobre em várias parte do corpo, como o fígado, o cérebro e a córnea. Os rins e o coração também podem ser afetados. 

Na córnea, o depósito de cobre leva à formação de um anel chamado de anel de Kayser-Fleischer, em homenagem aos médicos que o descreveram. Observa-se um anel amarronzado ou esverdeado na parte externa, periférica, da córnea.

Observe abaixo:

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/00/Kayser-Fleischer_ring.jpg
Um outro sinal, mais raro, mas diagnóstico é a catarata em girassol, presente no cristalino ou lente do olho.

Observe abaixo:
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyGgc2iawWTSP9OJeRoKjFVuYcIJFSIeywzH6ThH4Zh31OlTocWxCtxYcWX3t5BNsSRoIbuFeshAL3lnhiyr_fcILmkSnYY_mqhMgMh601nZG_cQOL8bPCFFGdxsuXSci92z_x7zek9dcu/?imgmax=800

Os sinais da doença geralmente se manifestam na infância, adolescência ou no início da vida adulta, e podem evoluir de forma rápida. Logo, um diagnóstico rápido e preciso evita complicações mais importantes. Mas quando o diagnóstico é feito, já podem ter se desenvolvido sequelas neurológicas que podem resolver somente parcialmente. Noutros casos, com o tratamento os sinais neurológicos desaparecem parcial ou completamente.

A doença pode se manifestar também como quadros psiquiátricos, com alucinações, deterioração mental (demência rapidamente progressiva, como nós neurologista podemos chamar), alterações de comportamente, agressividade e psicose. Depressão e ansiedade podem ocorrer.

Problemas de fígado são frequentes, sendo a complicação mais grave a cirrose, ou seja, a degeneração do fígado. Casos raros (menos de 5% dos casos de uma doença já considerada rara) podem abrir o quadro com falência do fígado de forma aguda, e mesmo morte precoce. Os problemas do fígado podem ser tratados com as medicações usadas na quelação do cobre, ou seja, retirada do cobre da circulação. 

Mas o que nos interessa aqui são as complicações neurológicas. Pacientes podem desenvolver tremores, movimentos como distonia (veja neste blog tópico sobre distonias), parkinsonismo (tremor de repouso, lentidão e rigidez) e outros movimentos mais raros, como coreias (veja neste blog também tópico sobre coreia). Epilepsia pode ocorrer em alguns pacientes. Os sinais, como já falado, podem desaparecer com o tratamento, especialmente se iniciado de forma precoce, ou pode, permanecer residualmente como sequelas, que podem ser maiores ou menores.

O diagnóstico é feito, inicialmente, com a suspeita clínica, que se constrói com história, exame neurológico, e conhecimento da doença. O achado do anel de Kayser-Fleischer em criança, adolescente ou adulto jovem com um quadro hepático (do fígado), psiquiátrico ou neurológico rapidamente progressivo é virtualmente patognomônicio, ou seja, quase dá o diagnóstico em 100% dos pacientes. Exames como medida da ceruloplasmina sérica, que estará baixa, e do cobre urinário em amostra de urina de 24 horas, que estará alto, devem ser feitos. Ressonância magnética do crânio, na vigência de suspeita forte da doença, mostra sinais característicos.

http://ts3.mm.bing.net/images/thumbnail.aspx?q=1517037828314&id=726e0ed3ac2c1df4a8cf58e267773cf6

Esta imagem de ressonância mostra vários focos de aumento de sinal (áreas esbranquiçadas) no cérebro, e que, com um pouco de imaginação, na figura de cima à direita, desenha a face de um panda, daí o nome de "sinal do panda gigante".

Essa imagem fica melhor nessa foto:
http://www.nature.com/nrneurol/journal/v2/n9/images/ncpneuro0291-f5.jpg
Agora até que parece um panda, mesmo.

A face clássica de um paciente com doença de Wilson, mostrando o sinal chamado de "risus sardonicus" ou riso sardônico. Dá para ver também o anel de Kayser-Fleischer e anormalidades na ressonância de crânio (imagens esbranquiçadas no centro do cérebro):

http://ts2.mm.bing.net/images/thumbnail.aspx?q=1441169682313&id=db0d649136c8f53f3125c3637fa18688

Este vídeo, tirado do youtube (e portanto, público), mostra um paciente estrangeiro (acredito que indiano), com um tremor típico da doença de Wilson, o tremor em bater de asas (wing-beating tremor):


                                                                                                                                                                                                                        
E quanto ao tratamento? Sim, há tratamento, mas depende, como disse, de um diagnóstico rápido e preciso. Pode-se fazer o tratamento com drogas como a D-penicilamina, o sulfato ou estearato de zinco, e o trientine. Mas doses, modo de usar, quando usar, e complicações do tratamento fogem ao escopo deste blog, que pretende ser somente informativo, nunca ferramente de diagnóstico ou tratamento. Logo, fale com o seu médico sobre isso.

Evitar alimentos ricos em cobre, como os citados acima, é interessante, e deve ser discutido com o médico assistente também.

Por último, para pacientes com sequelas, fisioterapia, terapia ocupacional e fisiatria são acompanhantes úteis na melhora do paciente e retorno ao convívio familiar e social. Apoio psicológico pode ser útil.

Para pacientes com sialorreia, ou seja, acúmulo de baba por déficit na deglutição, o uso de medicações, ou mais apropriadamente, o uso de toxina botulínica (Botox, mais conhecido para os leigos) pode ser indicado.