quinta-feira, setembro 13, 2012

Pequeno dicionário de termos médicos - Anosmia

Anosmia é o termo usado para nos referirmos à perda ou diminuição grave da sensação de olfato. Outros termos são hiposmia (diminuição do olfato), cacosmia (odores desagradáveis produzidos por doença da mucosa nasal, geralmente) e hiperosmia (aumento da sensação de olfato, raramente descrita, mas que pode ocorrer de forma genética [rara], ambiental [uso de algumas drogas, como anfetaminas, em casos de uso de uma droga chamada de metotrexate - link], ou em alguns casos de enxaqueca)

Como foi visto no post anterior sobre olfação, os cheiros e odores são "sentidos" pelo nervo olfatório, localizado na mucosa nasal, e transmitidos ao cérebro onde o estímulo será identificado, analisado e interpretado como odor, agradável ou não.

Mas para chegar ao cérebro, tem de haver contato das moléculas suspensas no ar com as terminações nervosas do nervo. Observe novamente abaixo:

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/2/20/Olfactory_system.svg/340px-Olfactory_system.svg.png
As células coloridas no box à direita são as células da mucosa nasal que recebem os odores e trocam informações com as células localizadas na estrutura amarelada, o bulbo olfatório, que acaba levando as informações ao cérebro.

A hiposmia ou anosmia pode ocorrer em várias situações, algumas comuns, outras mais raras.

A causa mais comum é o resfriado comum ou a sinusite, que leva à inflamação da mucosa nasal, fazendo com que as moléculas do ar cheguem com mais dificuldade às terminações olfatórias que ficam soltas na mucosa. Como resultado, pouco estímulo há à mucosa olfatória, e percebe-se pouco cheiro. 

https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcR6o6NsPXywGElivXlr8nIRLIckVJy_TMAUl4ta9fXYRnHJDiqH3g
A destruição das terminações nervosas pode levar também à hiposmia ou anosmia. As terminações, antes de saírem para a mucosa nasal, atravessam uma placa óssea, a placa do etmoide. Observe abaixo o osso etmoide:

https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcT1Z-tK0taRaFHqkJCAnPMwKoAm7ZMndtCuIZBGg1YtUUsKKWUC
O osso etmoide é esse osso colorido de cor rosa na figura acima. As terminações olfativas passam através dessa placa. Observe abaixo:

http://ars.els-cdn.com/content/image/1-s2.0-S0074769606480049-gr9.jpg
Observe as terminações em amarelo entrando pela placa do etmoide na parte mais alta da figura acima. 

Logo, situações que levem a destruição óssea podem levar a perda ou diminuição de olfato, como traumas cranianos com fraturas ou tumores que cresçam na região, como meningiomas. Observe abaixo:

http://www.arquivosdeorl.org.br/conteudo/imagesFORL/13-03-17-fig01.jpg
A figura acima, de uma tomografia de crânio e face, demonstra uma massa grande localizada bem no centro da imagem, distorcendo as estruturas ao redor. A destruição das estruturas nasais pode bem causar alterações do olfato neste caso.

E uma causa recentemente descoberta como relacionada à perda do olfato é a doença de Parkinson, que pode levar a alterações do olfato anos antes dos sintomas motores. É interessante observar que muitas vezes o paciente não se queixa de sintomas, e a perda e olfato aparece em exames determinados para encontrá-los, geralmente exames de consultório usando canetas com cheiro ou papeis com cheiro, solicitando-se ao paciente que identifique os odores sentidos. A sensibilidade deste teste é tão grande que através dele, sabemos que quase todos os pacientes com doença de Parkinson apresentam alterações do olfato em algum momento da doença.

Mas não se preocupe. Lembre-se que a perda do olfato na doença de Parkinson é constante, enquanto que a maior parte das causas (inflamações e infecções nasais) dão alterações do olfato que vão e voltam, e estas são as causas mais comuns de anosmia/hiposmia, podendo inclusive dar cacosmia (quem com sinusite bacteriana aguda já não ficou com um cheiro de podre no nariz?).

Algumas epilepsias podem produzir sensações de cheiro, sem que realmente existam odores no meio. Isso ocorre por que estas crises acontecem em uma área do cérebro chamada de hipocampo, mais precisamente o uncus, relacionada ao sistema límbico (leia mais aqui), e que mantém contato íntimo com o córtex e as vias olfatórias. Geralmente os odores são desagradáveis, como cheiro de borracha queimada (segundo alguns pacientes), e logo vem uma crise epiléptica. A essas crises, chamamos de crises uncinadas.

Use estas informações como curiosidade, como mais algo do seu corpo que você acabou de saber. Não use estas informações para dar diagnósticos nem em si mesmo e muito menos nas outras pessoas. Lembre-se que, na presença de sintomas, deve-se consultar sempre o médico. Ele é o único que pode dar um diagnóstico e receitar um tratamento para seus sintomas. 

A relação estreita entre estresse e memória

Artigo tirado do site NeuroscienceNews.com (link) e traduzido livremente:


Estresse destrói as vias que mantém as memórias de curto prazo unidas

O estresse ha muito tempo tem sido considerado o inimigo da atenção, prejudicando a focalização da atenção e danificando substancialmente a memória operacional, a memória utilizada para armazenar informações novas e que serão utilizadas em curto prazo. É esta memória operacional que trabalha as informações recebidas diariamente, nos mantém ativos e produtivos. 
Um grupo de psicólogos da Universidade de Wisconsin-Madison observou neurônios individuais trabalhando, e demonstraram como o estresse pode danificar a mente, e como os neurônios de uma área do cérebro chamada de córtex pré-frontal ajudam a "lembrar" as informações. 
Veja o córtex pré-frontal abaixo:
http://neurosciencenews.com/neuroscience_images/prefrontal-cortex-public.jpg
A memória operacional é flexível e de curto prazo, e permite ao cérebro carregar uma grande quantidade de informações a mão a fim de realizar atividades simples e complexas. Sem ela, você esqueceria a primeira metade desta frase ao começar a ler a segunda parte. O córtex pré-frontal é vital para a memória operacional. Esta parte do cérebro não é importante para ouvir, ler e entender, falar, manter as memórias de longo prazo, como as de sua infância, ou mais recentes como o que você leu no jornal ontem. Mas sem ele, você seria incapaz de manter uma atividade ou modular bem suas emoções, você se distrairia facilmente e seria mais impulsivo.
Os neurônios desta região do cérebro armazenam informações por curtos períodos de tempo, podem apagar a informação se não mais necessária, e armazenar algo completamente novo. 
Por isso, por conta desta característica destas células, a informação nelas armazenada torna-se vulnerável ao estresse. Os neurônios necessitam auto-estimular-se a cada segundo para manter as inúmeras informações armazenadas, sob o risco de perdê-las. 
No estudo citado acima, uma carga de estresse, no caso um barulho alto, na presença de ratos de laboratório andando dentro de um labirinto desenhado para testar justamente a memória operacional, fez com que muitos neurônios sofressem interferência e esquecessem de se auto-estimular - ou seja, o que ele estava fazendo antes. 
Sob estresse, os neurônios ficam ainda mais ativos, mas sem reter a informação necessária para completar o trabalho, no caso acima terminar o labirinto. Ao invés, os neurônios acabam reagindo a outros estímulos, menos úteis. 
Os registros eletrográficos dos neurônios pré-frontais nos ratos do estudo demonstraram que estes neurônios são incapazes de reter informações-chave para manter ações encadeadas. Os neurônios, ao invés, estavam frenéticos, reagindo a distrações como barulhos e odores na sala. 
A literatura, de acordo com os autores, demonstra que o estresse desempenha um papel em mais da metade dos acidentes de trabalho, e muitas pessoas têm de trabalhar sob o que os autores considerariam uma grande carga de estresse. A distração que acaba ocorrendo o faz inicialmente a nível celular, simulando o que ocorre conosco a nível macroscópico. 
Ou seja, controlar o estresse é fundamental para manter sua memória ativa. 





Pequeno dicionário de termos médicos - O olfato

Este post relaciona-se e complementa/atualiza o post anterior sobre olfato - leia aqui.

O olfato é o sentido que nos permite conhecer e reconhecer as coisas pelo seu cheiro, odor. 

O olfato é determinado por neurônios localizados no bulbo olfatório, extensão do primeiro nervo craniano (o nervo olfatório) e que adentra a parte da frente do cérebro vindo do nariz (mais precisamente acima da mucosa nasal). Observe abaixo o nervo olfatório com o bulbo olfatório:

http://www.daviddarling.info/images/olfactory_nerve.jpg
O nervo está em amarelo. Observe que a parte alargada, o bulbo, possui filetes que se ligam a ele (na verdade, por ser este um nervo sensitivo, e não motor, estes filetes, as terminações olfatórias, entram no bulbo, ou seja, os nervos sensitivos saem da periferia [aqui, a cavidade nasal] e entram no cérebro, e os nervos motores saem do cérebro e vão para a periferia). Estas terminações possuem receptores (moléculas que ficam na superfície celular) e reconhecem outras moléculas, substâncias que criam um estímulo que será sentido como cheiro, levando informações destas moléculas ao cérebro, que interpreta a sensação como odor, cheiro.

Observe abaixo:

http://images.flatworldknowledge.com/stangor/stangor-fig04_020.jpg
Nesta figura, podemos ver à esquerda as moléculas de odor (odor molecules) saindo de uma rosa e adentrando a cavidade nasal, tocando as terminações nervosas do bulbo olfatório (olfactory bulb) que se conecta ao nervo olfatório (olfactory nerve). À direita vemos o bulbo olfatório em um esquema ultramicroscópico. No quadro abaixo à direita, o ar com moléculas que produzem odor aproxima-se de receptores nas células dos nervos, estimulando-os através de sinais elétricos, que são enviados a outros nervos e transmitidos ao cérebro, que irá reconhecê-los como odor e associá-los a outras sensações.

Interessante saber que o olfato é o sentido mais acurado em algumas espécies, como cães, onde possui funções de acasalamento (reconhecer uma fêmea no cio através do olfato), reconhecimento de território e de outros indivíduos da mesma espécie e de espécies diferentes, além de sentido de proteção e sobrevivência. Mas em nós, humanos, o olfato é muito mais do que somente uma função, digamos, instintiva.

No homem, o olfato proporciona prazer ao sentir um cheiro agradável. Ou nojo, ao sentir um cheiro desagradável, o que nos ajuda, inclusive, na auto-preservação (imagine uma pessoa sem olfato não conseguindo reconhecer se um alimento está podre ou não). Fora isso, o olfato relaciona-se a memórias e emoções, boas ou ruins, ao prazer na hora de alimentar-se e auxilia no romance, fora outras cositas más.

O conhecimento da associação do olfato com memórias não é novo, mas o porquê disso somente recentemente foi descoberto, e o conhecimento continua se expandindo.

O motivo é a interrelação entre as vias do olfato e uma via cerebral responsável pelas emoções, memória e pelo medo/angústia, o sistema límbico (leia sobre ele aqui). O sistema límbico é um conjunto de vias e núcleos cerebrais que tem como responsabilidade a memória dita explícita, a memória consciente, adquirida pela informação de si e do mundo, além das emoções tanto positivas como negativas. O sistema olfatório tem associação íntima com estas vias, e sinais produzidos e transmitidos via bulbo olfatório chegam ao córtex cerebral localizado logo acima de seu nariz, o córtex olfatório, e a outras vias mais próximas, como o córtex entorrinal e o hipocampo. Ali, associações entre sinapses acabam ocorrendo, levando à superficialização de memórias que, por circunstâncias, acabaram se associando a certos tipos de odores.

Você pode, por exemplo, sentir um cheiro de um perfume e lembrar de um amor de sua infância ou adolescência. Ou um odor qualquer pode fazê-lo reviver na cabeça, através de memórias e lembranças, situações que para você foram tristes ou desesperadoras. Como Marcel Proust cita em seu longo mas excelente "Em Busca do Tempo Perdido" (Link), o autor fala que o cheiro das madeleines (bolinhos franceses) molhadas no chá o faz lembrar de sua cidade e de sua infância, e assim inicia sua história (link).

Observe abaixo a relação entre o nervo olfatório e o sistema límbico:

http://www.yalescientific.org/wp-content/uploads/2011/05/fulllengths-olfaction-2.jpg
Ou seja, o olfato é um sentido muito mais valioso do que podemos pensar, e sua perda pode sr algo inestimável.

Aliás, falaremos dessa perda no próximo post, sobre a anosmia.