segunda-feira, junho 17, 2013

Síndrome de West

Antes de falarmos de síndrome de West, temos de definir o que são espasmos infantis. 

Espasmos infantis são contrações súbitas de membros e tronco, com flexão ou extensão do pescoço, de crianças em geral abaixo de 1 ano de idade, e que relacionam-se a crises epilépticas e alterações no eletroencefalograma, podendo, ou não, levar a epilepsia no futuro e atraso no desenvolvimento motor e mental. Várias são as causas dos espasmos infantis, como:

1.  Alterações do desenvolvimento do cérebro (as famosas malformações cerebrais); 
2. Doenças do desenvolvimento da pele e do sistema nervoso (não sei se vocês sabem, mas o sistema nervoso e a pele desenvolvem-se do mesmo tecido, e são embriologicamente (ou seja, desde o desenvolvimento do embrião e feto) ligados), doenças a que chamamos de facomatoses ou síndromes neurocutâneas, as mais relacionadas a espasmos infantis sendo a esclerose tuberosa e a síndrome de Sturge-Weber (poderemos falar mais dessas síndromes após);
3. Anóxia cerebral, ou seja, falta de oxigênio ao feto antes ou durante o parto;
4. Doenças genéticas, e aqui há várias delas (poderemos falar mais disso em posts posteriores)
5. Sem causa definida, ou criptogênicas, em cerca de 10 a 40% dos casos.


A síndrome de West é uma forma de espasmos infantis. Síndrome é todo conjunto de sinais e sintomas que podem fazer parte de várias doenças diferentes. Ou seja, a síndrome de West não é uma doença, mas pode ocorrer no curso de várias doenças, inclusive as mencionadas acima. O nome síndrome de West refere-se à tríade de:

a.  Espasmos infantis;

b.  Encefalopatia (ou seja, doença do cérebro e de sua camada mais externa, o córtex), com retardo do desenvolvimento neuromotor;

c.  Hipsarritmia (do grego hypsos, “altura” e arrhythmia, “falta de ritmo”, uma alteração no eletroencefalograma entre as crises, ou seja, interictal, com ondas grandes e lentas misturadas com ondas menores e mais rápidas, formando um padrão quase anárquico, caótico – veja abaixo).

http://pediatrics.georgetown.edu/images/guhpeds/visualdiagnosis/vdwk51_1.png



Acima, um padrão típico de West, com hipsarritmia. 

Este vídeo do Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=TcSegvM0qOk) mostra uma criança com contrações tônicas do corpo, em extensão dos braços e tronco, demonstrando espasmos infantis, típicos da síndrome de West.


Os espasmos infantis foram descritos pela primeira vez por William James West em 1841, na famosa revista Lancet (a mais antiga revista de medicina do mundo), em seu próprio filho de 4 meses de idade. Em 1952, Gibbs e Gibbs descreveram o padrão único da síndrome de West no eletroencefalograma, a hipsarritmia. O termo síndrome de West para a já comentada tríade de espasmos infantis, encefalopatia e hipsarritmia foi usado pela primeira vez pelo famoso epileptologista francês Henri Gastaut, em 1960.


Os espasmos infantis não são uma doença, mas uma síndrome que pode ocorrer em várias doenças diferentes. Sessenta a 70% dos casos há doenças cerebrais evidentes; em cerca de 10 a 40% dos casos, não há causa específica, e a estes casos chamamos de espasmos infantis criptogênicos (ou seja, há uma causa, mas ela não é conhecida). Cerca de 50% das crianças com espasmos infantis (incluindo a síndrome de West) desenvolvem uma forma de síndrome epiléptica chamada de síndrome de Lennox-Gastaut, uma forma de encefalopatia epiléptica da qual falaremos em post posterior.  

Os espasmos infantis iniciam-se no primeiro ano de vida, em geral entre os 4 e 6 meses de vida, apesar de raros casos ocorrerem após o primeiro ano de vida. Como visto no vídeo acima, há contrações súbitas, simétricas, bilaterais e breves dos membros e do tronco, podendo ou haver flexão e/ou extensão do corpo e membros. A síndrome de West caracteriza-se mais pelos espasmos em flexão. Desvios verticais dos olhos, alterações respiratórias ou raramente mudanças na frequência cardíaca são achados ocasionais dos espasmos.

Se os espasmos são assimétricos, ou seja, um lado contrai de forma diferente que o outro, ou somente um lado contrai enquanto o outro não sugere uma lesão cerebral localizada, geralmente do lado contrário ao lado do corpo que contrai. Os espasmos ocorrem mais ao acordar ou ao pegar no sono, podendo ocorrer em agrupamentos separados por espaços de tempo menores que 1 minuto. A intensidade dos espasmos aumenta, e depois diminui gradativamente. Pode haver alguns a centenas ao dia. Ruídos intensos ou estimulação tátil podem desencadeá-los. Outros tipos de crises epilépticas podem ocorrer, como abalos clônicos (abalos musculares contínuos dos membros) ou crises focais (contrações ou abalos de um membro isoladamente). Crises tônicas, onde há uma contração sustentada sem abalos do corpo, podem ocorrer.

Além da hipsarritmia, típica dos períodos entre as crises, outras alterações do eletroencefalograma podem ocorrer. 

A incidência da doença, ou seja, o número de casos novos por total de habitantes, é de cerca de 2 a 3,5 por 10,000 nascidos vivos. Ocorre em todas as etnias, sendo 1,5 mais comum em garotos do que em garotas. 

O diagnóstico dos espasmos é clínico, observando-se a criança e tirando-se uma história bem feita da doença e fazendo-se um exame neuropediátrico completo. Na dúvida, o uso do vídeo-eletroencefalograma, onde há a filmagem dos movimentos e o registro dos traçados do eletroencefalograma por 1 a vários dias, pode ser útil. Alguns pacientes filmam a criança e mostram o filme ao médico, o que pode ajudar sobremaneira o diagnóstico das crises (fica a dica). 

Exames devem ser feitos para se procurar a causa dos espasmos. Quais exames solicitar fica a cargo do neuropediatra que assiste o paciente, assim como o tratamento, que aliás e complexo, envolve várias medicações, e deve inicialmente ser voltado para o tratamento da doença que está causando os espasmos, além do tratamentos dos espasmos e das alterações do eletroencefalograma.

O tratamento deve ser individualizado para cada paciente, e não será discutido neste post.