sábado, dezembro 17, 2011

Encefalite herpética

Antes de explicarmos o que é isso, vamos explicar o que é encefalite. Encéfalo é o nome que se dá ao conjunto cérebro + cerebelo + tronco cerebral. Observe abaixo o encéfalo:


 http://www.iesabastos.org/archivos/daniel_tomas/1bachillerato/nervioso/encefalo.jpg


Lá vai outra imagem, desta vez uma imagem real de um encéfalo de verdade:


http://www.akisrx.com/articoli/encefalo/encefa2.jpg
Seu encéfalo é assim mesmo.


Muito bem, o sufixo ite em medicina significa inflamação ou infecção. Logo, encefalite é um quadro de inflamação/infecção do encéfalo. Suas causas são as mais variadas, desde infecções virais e bacterianas até doenças auto-imunes (causadas pelo sistema imunológico da própria pessoa) e doenças inflamatórias relacionadas a várias formas de câncer, comi a encefalite límbica. Mas essa é outra história. E encefalite é diferente de meningite, que é a infecção das meninges, as camadas de cobertura do cérebro, e que podem levar a encefalite se a inflamação chegar na estrutura do cérebro.


Mas o que é a encefalite herpética? É justamente a infecção cerebral pelo vírus do herpes, geralmente o vírus do herpes simples tipo 1, o mesmo que causa aquelas bolhinhas chatas na boca. Mas não se desespere, essa doença é rara, e não há necessidade de ter herpes labial para se ter a encefalite. Muitos pacientes nunca apresentaram as lesões de lábio, e apresentam a doença cerebral. Isso por que o vírus do herpes simples tipo 1 é altamente prevalente no mundo. A incidência anual, ou seja, o número de casos novos por ano de encefalite herpética, nos Estados Unidos é de 2 em cada 1 milhão de pessoas por ano. Viu como é rara?


A doença pode ocorrer em qualquer pessoas, mas as mais afetadas são as de meia-idade (acima de 50 anos de idade). Há casos descritos em crianças.


A encefalite pode levar a confusão, febre e crises convulsivas numa pessoa antes normal. Na verdade, isso caracteriza uma encefalite, ou seja, crises convulsivas e confusão mental. Geralmente a instalação da doença é em questão de dias. Se isso ocorrer com alguém de sua família, você deve ir imediatemente a um médico, de preferência um pronto-socorro. A doença, apesar de rara, é grave, e deve ser tratada com antivirais pela veia, com o paciente internado.


O diagnóstico é feito pela história e exame do paciente, tomografia e/ou ressonância magnética, líquor da espinha e eletroencefalograma, sendo que é a união dos achados de cada exame que dão o diagnóstico. Como quase qualquer vírus pode dar encefalite, e aqui no Brasil o herpes é o mais comum, o diagnóstico de qual vírus causou o problema deve ser feito com uma técnica chamada de PCR (Polymerase Chain Reaction) pelo líquor da espinha, onde tenta-se achar partículas que identifiquem o vírus no líquor.


Outros vírus, como Epstein-Barr (o que produz a mononucleose infecciosa), caxumba, sarampo, rubéola, citomegalovírus, podem dar encefalite também, mas são ainda mais raros.


E aqui vai uma foto do herpes vírus tipo 1:


https://encrypted-tbn3.google.com/images?q=tbn:ANd9GcS0__cJDlYvNE_OgrnqyoADNTiVK1MxffKgoZXB99z9cnYjG35xcg


Uma imagem de ressonância magnética de uma encefalite herpética:


 http://img.medscape.com/pi/emed/ckb/neurology/1134815-1164631-1165183-2005979.png 
Essa é uma imagem de ressonância, como dito acima. As estruturas arrendondadas lá em cima na imagem são os olhos. Observe o lado esquerdo da figura, que corresponde ao lado direito do paciente. Olhe que logo abaixo do olho, há uma imagem esbranquiçada que se estende da parte do cérebro logo atrás do olho, o polo temporal, até mais ou menos o meio do cérebro. Nessa sequência chamada de FLAIR (FLuid-Attenuated Inversion Recovery), que vê tudo o que for inflamação e aumento de água como branco, essa imagem esbranquiçada é a encefalite, ou seja, a inflamação cerebral, causada pelo herpes vírus.


E a encefalite tem cura? Se tratada corretamente, sim, na maior parte das vezes, podendo ocasionalmente ocorrer sequelas, como crises convulsivas (epilepsia), perda de memória, alterações de comportamente ou quadros psiquiátricos. Mas esta informação eu deixo para um médico experiente, em consulta, detalhar melhor.

O que é a síndrome de Brown-Séquard?

Mais um nome estranho, você pode dizer. Mas esta é uma das síndromes medulares mais importantes, e seria interessante você ler o tópico anterior antes de ler este.

Na medula, várias fibras sobem e descem, indo de um lugar para outro, vindo e indo para todas as partes do corpo, e vindo e indo para o cérebro. Mas nem tudo é linear. As fibras se cruzam em algum momento, ou na medula ou quando chegam no cérebro, e o que era direita vira esquerda, e vice-versa. Há um tópico explicando isto neste blog.

Há três tratos (grupamentos de fibras) muito importantes na medula:

1. O trato corticospinhal, que é quem permite a movimentação do corpo, vindo do cérebro, cruzando no tronco cerebral de um lado para outro, e indo dos nervos para os músculos;

2. O trato espinotalâmico lateral, que vem da pele do corpo todo, entra na medula nos vários níveis, já cruza ali mesmo ao entrar ou logo após, ainda dentro da medula, de um lado para outro, e vai direto para o cérebro;

3. Tratos do funículo posterior, que trazem informações sobre vibração e posição do corpo, entram na medula em vários níveis, sobem e cruzam no tronco cerebral para o outro lado, indo depois ao cérebro.

Observe abaixo:

Este é o trato corticospinal (o mais importante é o lateral, aqui o mais grosso de todos, e que vai cruzar lá em cima, já no tronco cerebral):

http://media.web.britannica.com/eb-media/42/55942-004-864AA8DF.jpg 

Este é o trato espinotalâmico, que cruza quase que imediatamente ao adentrar a medula:

http://grants.hhp.uh.edu/clayne/6397/Unit5_files/Unit5.4.jpg 

E este é o trato do funículo posterior, que assim como o trato corticospinhal, cruza lá em cima, no tronco cerebral:

http://grants.hhp.uh.edu/clayne/6397/Unit5_files/Unit5.3.jpg 

Muito bem, então temos dois tratos que sobem toda a extensão da medula no mesmo lado e cruzam já no cérebro, e um trato que cruza logo ao entrar na medula. Entendido? Perfeito!

E se nós lesássemos somente um lado da medula, ou seja, uma hemissecção medular? Como na figura abaixo:

http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcS8gkc3jtCzM_6kOnBlqP2v9jatq5alLhfKSFxwvMto1BJLVxmehg 
Teríamos então, abaixo do nível da lesão:

1. Perda de força do mesmo lado da lesão - O trato corticospinhal só vai cruzar lá em cima
2. Perda de sensibilidade profunda, ou seja, vibratória e de posição, do mesmo lado da lesão - Os tratos posteriores cruzam somente lá em cima também.
3. Perda de sensibilidade geral (dor, temperatura e tato) do lado contrário à lesão - O trato espinotalâmico cruza logo ao entrar na medula, e portanto, ao se corta um lado da medula, corta-se o trato que vem do outro lado.

Esta é a síndrome de Brown-Séquard, em homenagem ao médico que a descreveu, Charles-Édouard Brown-Séquard:


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAWpj48x7oV5JcogC-J8koGBZNhknWTe3ZurTvYfgC4RSUPGmMaP8gT0gbGLNoe9rXgjNHN7raTcWDHwl8_7RmS4W8soi2qFA-drAbMswltkRa2GBMKMbruqGR2ocSlAdwcuCAgDkoBmw/s1600/Charles-%25C3%2589douard_Brown-S%25C3%25A9quard.jpg