sexta-feira, junho 24, 2011

Um lado do meu rosto está pulando ou tremendo - o que é isso?

Este título insólito refere-se a uma condição neurológica bastante conhecida e benigna, chamada de espasmo hemifacial. Espasmo por que há contrações, involuntárias (contra a vontade) e hemifacial por que acomete somente um lado do rosto. Esta é uma condição bastante comum em pessoas mais velhas, acima de 50 anos de idade, e geralmente se relaciona a um nervo já discutido neste blog (Vide aqui), o nervo facial.

Vamos dar uma olhada um pouco mais atrás, de onde o nervo facial sai do tronco cerebral para ir até o seu rosto:



Esta figura foi tirada daqui: http://www.samsunghospital.com/upload/editor/Image/img01(5).jpg

Aí em cima, você vê o seu tronco cerebral, a parte mais baixa do cérebro vista pela frente. Você vê estas estruturas vermelhas? São as artérias. E as estruturas amarelas são os nervos cranianos, os nervos que saem do tronco cerebral e vão para várias regiões do seu rosto, cabeça, pesçoco e mesmo órgãos internos do tórax e abdome. Procure entre as estruturas amarelas a que se relaciona com o algarismo romano VII (equivalente, claro, ao número 7) - este é o nervo facial. Observe que há um cordão vermelho passando por ele. Este cordão é uma artéria, a artéria cerebelar ântero-inferior (Veja aqui) ou AICA. Esta artéria e todas as outras artérias do cérebro em pessoas idosas, especialmente em hipertensos, podem ficar tortuosas, cheias de esses e voltas, e nestas voltas, a artéria pode entrar em contato com o nervo facial, como na figura acima.

Na maior parte dos casos de espasmo hemifacial, o que ocorre é justamente este contato do nervo com a AICA. Em outros casos, há espasmo por lesão do nervo pós-paralisia facial (chama-se a isso de transmissão efática. Trocando em miúdos, o nervo é uma malha de cordões elétricos encapados, sendo que um cordão não entra em contato com o outro. Em uma lesão como ocorre com a paralisia facial periférica, pode ser que a capa destes cordões se degenere, e os fios acabem por entrar em contato uns com os outros. Ou seja, ocorre um curto-circuito dentro do próprio cordão elétrico, e a isso chama-se de transmissão efática).

Outras causas de espasmo hemifacial, especialmente se atípico, ou seja, diferente do que é usualmente visto, podemos ter outras causas, como tumores cerebrais (mas são causas raras). Usualmente, o espasmo começa na páplebra inferior, leve, ocasional, e devagar vai se expandindo para toda a hemiface e ficando mais frequente.

E se o espasmo ocorrer em uma pessoa jovem, o que pode ser? Podemos ter nestes casos não só as causas mais comuns já descritas acima, como a artéria em contato com o nervo, ou mesmo tumores, mas também um surto de esclerose múltipla. Por isso que a investigação de um espasmo hemifacial, especialmente se de início recente, deve envolver uma ressonância do crânio, e mesmo uma ressonância dos vasos do crânio à procura de sinais de contato da AICA com o nervo facial.

E qual o tratamento desta condição? Neste caso, pode-se optar pela toxina botulínica (famoso Botox), injeção feita nos músculos que se contraem, a cada 3 ou 4 meses, e que funciona em quase 100% dos pacientes. Falaremos mais sobre isso em posts posteriores.