Mostrando postagens com marcador Sono. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sono. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, dezembro 04, 2015

A relação entre melatonina e o sistema imune... e com a esclerose múltipla

Artigo publicado no site Knowing Neurons, e traduzido livremente para o blog Neuroinformação.
Melatonina: Um velho hormônio
A melatonina é uma molécula antiga em termos evolutivos. Encontrada facilmente nos setores de suplementos alimentares e vitaminas das farmácias americanas e europeias (o autor aqui, aliás, usa e se dá muito bem com ela), esta substância é encontrada em muitos seres vivos, desde plantas a bactérias, algas, invertebrados e vertebrados, como o homem. A área cerebral que a produz é a pineal, uma glândula em forma de bola localizada atrás do terceiro ventrículo cerebral. 
A pineal secreta a melatonina diretamente na circulação sanguínea e no líquor que banha o cérebro, agindo em várias células através de múltiplas ações. Sua função primordial é servir como relógio e calendário do corpo, regulando tanto as atividades diárias (circadianas) como sazonais. Sua produção ocorre à noite, já que a luz inibe sua produção. O seu nome vem da junção de melas, ou escuro, e serotonina, a molécula a partir da qual a melatonina é produzida. 
Animais selvagens usam a melatonina para saber qual a estação do ano, já que a duração da melatonina produzida em cada noite aumenta com a chegada do inverno (quando, pelo menos no hemisfério norte e no extremo do hemisfério sul, o dia fica mais curto e a noite mais longa - solstício de inverno). A melatonina controla a maior parte das modificações sazonais do comportamento da espécie em questão, incluindo seus processo fisiológicos, como reprodução, metabolismo e função imunológica. O tratamento com melatonina exógena faz com que certas espécies de animais modifiquem, automaticamente, seu metabolismo para, digamos, modo inverno. 
Essa previsão das modificações de acordo com cada estação do ano são necessárias, caso contrário estes animais correm o risco de morrer, pela dificuldade de prever, e logo, adaptar-se às condições ambientais. Em algumas espécies de animais, o uso de implantes de melatonina pode fazer com que o sistema reprodutivo destes animais deixe de funcionar e quase desapareça, pelo simples fato da previsão do inverno. Além disso, grandes modificações no sistema imune podem ocorrer em resposta à secreção sazonal de melatonina. 
O ser humano possui muito poucos ritmos sazonais metabólicos, de modo que a maior parte da pesquisa em melatonina no homem se baseia no ritmo principal do corpo humano, a vigília e o sono, e seus efeitos metabólicos. Na verdade, com o advento da luminosidade noturna artificial, propiciada pelas lâmpadas e afins, muita pesquisa tem se concentrado na descoberta de efeitos deletérios de tal luminosidade sobre a secreção de melatonina. No homem, assim como em outros animais, a concentração de melatonina é maior no inverno que no verão pelos mesmos motivos. E essa variação é importante, pois algumas doenças, como a esclerose múltipla, demonstram padrões sazonais de severidade e prevalência. 
Recentemente, pesquisadores demonstraram um papel para a melatonina na mediação de surtos sazonais de esclerose múltipla. A esclerose múltipla é uma doença autoimune, onde há destruição da camada de mielina, que auxilia na transmissão de sinais nervosos e protege os neurônios. Sem a mielina, o sinal nervoso fica distorcido ou se perde no ambiente, levando a perda de função neuronal. Pessoas que vivem longe do equador, próximo aos pólos, possuem uma maior incidência de esclerose múltipla, e muito tem sido feito para elucidar o potencial papel protetor da vitamina D - cuja síntese depende do sol - sobre a esclerose múltipla, já que quem vive mais próximo aos pólos tende a ter menos exposição solar, sintetizando menos vitamina D, do que as pessoas quem vivem próximas ao equador. No entanto, a conta não fecha. Se a esclerose múltipla fosse dependente de vitamina D, então surtos ocorreriam muito mais nos períodos de inverno e outono, quando a exposição solar cai. E na verdade, é o contrário,m justamente. O maior número de surtos ocorre no verão e na primavera, quando a síntese de vitamina D e a exposição solar são maiores. Então, alguma outra variável sazonal deve contribuir para a taxa de surtos. 
Autores descobriram que as concentrações de melatonina são maiores no invero e no outono em comparação ao verão e primavera, de modo que a melatonina poderia influenciar a função imunológica. Ainda, os autores previram que altos níveis de melatonina no inverno alteram o sistema imunológico de modo a inibir os surtos de esclerose múltipla. De fato, a melatonina bloqueia a formação de um subgrupo de células T chamadas de Th17, que secreta uma substância inflamatória, a interleucina 17 (IL-17), que pode influenciar a severidade da doença. Pesquisas testaram se a melatonina poderia melhorar prognóstico em um modelo animal de esclerose múltipla, a encefalomielite autoimune (EAE). 
A melatonina foi eficaz na redução da severidade da doença inibindo o desenvolvimento das células Th17 e aumentando o número de células anti-inflamatórias (Tr1), levando a supressão imune. O bloqueio do receptor de melatonina nas células T levou ao bloqueio da eficácia da melatonina, ou seja, a melatonina age diretamente sobre as células imunológicas.
Esta pesquisa fornece evidência de que a melatonina interfere na sazonalidade dos surtos de esclerose múltipla, e que o uso de melatonina, ou substância semelhante, poderia ser eficaz no tratamento da esclerose múltipla ou de outras doenças autoimunes. Mas, de acordo com os autores, ainda é cedo para inferir benefícios à melatonina, já que as vias envolvidas no processo são muito complexas e com muito mais reguladores do que pensamos. Há necessidade de mais pesquisa sobre o tema. 

quinta-feira, dezembro 25, 2014

Narcolepsia

O nome narcolepsia vem do grego nárke = narco, estupor, sonolência + lepsis = lepsia, crise (fonte). A narcolepsia é uma doença caracterizada classicamente por desejo extremo e súbito de dormir. Mas há outras características da narcolepsia que talvez vocês são saibam.

Já há séculos que a sonolência excessiva (a pessoa que dorme muito durante o dia e à noite) tem sido observada. Dante Alighieri, grande mestre da literatura italiana e unificador da língua italiana do século XIII, possuía sonhos, sono excessivo e quedas que podem tersido causados por narcolepsia. Os sintomas de queda e perda do tônus, da força normal em repouso dos músculos, foram descritos cientificamente em 1877 e 1878 por dois médicos, Westphal e Fischer. 

O nome narcolepsia foi criado por Gerlineau em 1880 para descrever as crises de ataques de sono e fraqueza muscular após fortes emoções em um homem de 38 anos de idade.

Os episódios de perda de tônus, de queda e de perda da força muscular que ocorrem nos pacientes com narcolepsia após intensas emoções, ou cataplexia, foram descritos por Lowenfeld em 1902. Já a paralisia do sono, outro sintoma da narcolepsia e que relaciona-se a uma incapacidade de se mexer ao acordar juntamente com um aperto no peito, foi descrita por Kinnier Wilson em 1928. 

Em 1957, Yoss e Daly juntaram todos os sintomas em uma síndrome. Descreveram a narcolepsia como uma tétrade de halucinações (ao acordar ou ao despertar), paralisia do sono, sonolência excessiva e cataplexia. 

As bases fisiológicas da narcolepsia começaram a ser melhor caracterizadas em 1960, com o estudo do sono e das fases do sono. Nesse ano, Vogel relatou que uma fase normal do sono que, normalmente, iniciar-se-ia somente após 120 minutos do início do sono, mas que nos pacientes com narcolepsia já começava com o instalar do sono, o famoso sono REM, ou Rapid Eye Movements Sleep (Sono com Movimentos Rápidos dos Olhos), que é justamente a fase do sono onde o corpo fica paralisado, atônico, sem tônus. 

Em 1999, descobriu-se uma base biológica e autoimune para a narcolepsia e descobriu-se depois que os pacientes com narcolepsia tinham falta ou diminuição de uma substância chamada de hipocretina ou orexina em uma região do cérebro chamada de hipotálamo. 

A narcolepsia caracteriza-se por sonolência diurna excessiva, que é em geral o primeiro sintoma a ocorrer. A sonolência ocorre mesmo quando não há insônia noturna, o paciente dorme bem, e mesmo assim tem crises irresistíveis de sono. Esse conceito serve para fazer diagnóstico com a causa mais comum de sonolência diurna excessiva na população, a falta de sono durante a noite, quer por insônia, quer por turno noturno de trabalho.

A cataplexia, como quedas, perda de tônus de braços, pernas, língua, pescoço ou dificuldade para falar, após emoções boas ou más ou sustos, costuma ocorrer juntamente com a paralisia do sono e as alucinações do sono. 

A doença começa devagar, entre a segunda e terceira décadas de vida, e afeta tanto homens como mulheres. 

O paciente sente, durante o dia, crises irresistíveis de sono, especialmente em situações entediantes, podendo ser melhorados temporariamente por atividade física e mental. Crises de comportamentos bizarros com amnésia para estes fatos podem ocorrer. 

A cataplexia, que pode não ocorrer em todos os pacientes, pode durar segundos a minutos, com recuperação completa. Os olhos e a respiração não são afetados. Pode ocorrer de 1 ou 2 vezes por ano a várias vezes ao dia. 

As alucinações podem ocorrer ao adormecer ou ao despertar. Podem levar a medo intenso, pois podem simular presença de entes, pontos em locais do quarto que aumentam e diminuem ou outras visões. Em um livro muito interessante sobre alucinações e experiências alucinatórias outras, Oliver Sacks traça um perfil clínico e histórico dessas alucinações (leia mais aqui).

Já a paralisia do sono, descrita desde a Idade Média, relaciona-se a uma incapacidade de se mexer que ocorre ao acordar ou ao despertar, e que assusta muito o paciente.

A narcolepsia não vem só, e pode ocorrer com mais de um transtorno de sono. Insônia noturna e sono agitado podem ocorrer.  

Mais de 85% dos pacientes caucasianos e japoneses com narcolepsia têm alterações em proteínas que se relacionam à narcolepsia, o que sugere uma base genética. Mas há gêmeos descritos que não compartilham as mesmas alterações genéticas, o que sugere que há mais coisas necessárias para o desenvolvimento da doença, em especial fatores ambientais e lesões cerebrais. Aliás, lesões cerebrais na base do crânio podem levar um paciente antes saudável a desenvolver narcolepsia.

A doença é causada pela perda de neurônios hipotalâmicos que possuem um neurotransmissor chamado de hipocretina ou orexina, talvez por destruição autoimune genética ou adquirida.  

A narcolepsia é rara, afetando 0.026% a 0.047% da população da Europa. A doença pode começar antes dos 10 anos de idade, ou após os 50 anos de idade, mas em geral é mais comum entre os 20 e 30 anos.  

O diagnóstico depende do conhecimento médico (suspeitar da doença). Ou seja, uma história clínica bem feita é essencial. O exame neurológico em casos primários, sem causa definida ou genéticos, é normal. O teste de escolha para o diagnóstico é a Polissonografia, em que o paciente dorme monitorizado em um quarto de laboratório especializado. Com esse exame, o médico afasta outras possibilidades que podem se confundir com o diagnóstico de narcolepsia. Já o Teste de Latências Múltiplas do Sono, feito no dia seguinte à Polissonografia, demonstra a intrusão precoce do sono REM no sono.

O Teste de Manutenção da Vigília é outro meio de diagnóstico em que o paciente é solicitado a ficar acordado em períodos de 40 minutos. 

Recentemente, a dosagem de hipocretina/orexina no líquor de pacientes tem sido descrito como outro meio de diagnóstico da nercolepsia. 

Exames de imagem como tomografia e ressonância em pacientes com narcolepsia primária, sem causa, são normais. 

A narcolepsia não é uma doença que deva ser deixada de lado, mas deve ser investigada e tratada, pois pode ocasionar sérios riscos ao volante, no trabalho, e prejudicar o desempenho escolar e profissional, além de levar a depressão e ansiedade.  Como a doença é para a vida toda, e raramente os pacientes se curam, o tratamento deve ser feito com uso de medicações contínuas.

Há medicações utilizadas para o tratamento, e que devem ser administradas por neurologistas especialistas e conhecedores da doença e dos efeitos colaterais das medicações prescritas.

sexta-feira, setembro 19, 2014

O Poder do Sono

Artigo traduzido e adaptado de reportagem da revista Time Magazine, de 11 de setembro de 2014.

Quando deitamos, achamos que estamos desligando nossos cérebros, como desligamos nossos iPad's e computadores. Mas, ledo engano. É no momento que começa o sono, que o cérebro começa a trabalhar de um modo diferente de quando acordados. Ao invés da assincronia típica da vigília, os neurônios começam a trabalhar em sincronia, gerando pulsos elétricos que varrem todo o cérebro. Todas as informações armazenadas, aprendidas e recebidas durante o dia são analisadas nesse período, de um modo estonteante demais para entendermos. O cérebro ainda, durante o sono, checa o equilíbrio hormonal e de suas enzimas/proteínas, além de jogar fora todas as toxinas e detritos derivados do seu metabolismo diário.

O sono restaura a juventude cerebral. Se todos nós dormíssemos sete a oito horas todas as noites, teríamos melhorias importantes na nossa concentração, memória, na nossa capacidade de planejamento, além de que manteríamos nossos sistemas metabólicos aquecidos para queimar a gordura e regular o peso. Isso quer dizer que dormir bem evita perda de memória, ajuda a evitar o diabetes, a fadiga, a depressão, a ansiedade, e mesmo a doença de Alzheimer, a osteoporose e o câncer.

Mas conseguir essas horas de sono é que é dose. E as medicações que usamos para produzir sono não conseguem de modo algum duplicar os benefícios produzidos pelo sono normal. 

Cerca de 70 milhões de pessoas nos EUA somente não têm uma boa noite de sono regularmente (imaginem no mundo). E há uma tendência científica de considerar o sono uma prioridade na vida humana, bem diferente do que se acreditava antes. 

A falta de sono leva a sonolêncai durante o dia, o que pode parecer leve, se a sonolência for leve. Só que não!! Quase 40% dos adultos dos EUA cochilaram durante o dia em agosto, e 5% desdes o fizeram enquanto dirigiam automóveis. Insônia ou sono entrecortado aumenta as chances de doença em trabalhadores, e ainda piora a concentração (você, que é jovem, tem tido problema de memória ultimamente? Será que não é seu sono? Venho falando isso desde que o blog foi lançado, há 3 anos e meio).

E o pior, estes hábitos ruins de sono estão passando para as gerações posteriores. Nos EUA, 45% dos adolescentes não dormem as necessárias 9 horas por noite, e 1/4 destes chega a dormir em sala de aula pelo menos uma vez por semana. Daí, a Academia Americana de Pediatria sugerir começar as aulas dos ensinos secundário e colegial mais tarde, para permitir que os alunos durmam mais e melhor (imaginem isso aqui!).

O sono é o único momento em que o cérebro consegue "parar um pouco e pensar", por assim dizer. E se o sono não for adequado, o cérebro pode sucumbir em seus própriso produtos tóxicos, como radicais livres. Ou seja, dormir pouco leva você a viver pouco, ou viver com pouca saúde. Não adianta querer pular o sono para estudar, trabalhar ou baladar. Uma hora, o corpo e o cérebro vão cobrar isso de você.

E mais ainda, caso você ainda não esteja convencido. Sem o número necessários de horas de sono por noite, as células cerebrais acabam morrendo, vítimas de seus próprios produtos do metabolismo do dia-a-dia, entre eles os radicais livres, Ou seja, sem sono, você perde neurônios, para sempre!

Além do mais, sem sono, o cérebro não consegue trabalhar bem no dia seguinte, não consolida as memórias e não aprende direito. Consequência? Falta de memória, cansaço, fadiga e estresse. Um cérebro jovem sem sono pode, e eu disse pode, assemelhar-se ao de uma pessoa idosa. Que tal?

Outra coisa, a insônia nem sempre é consequência de estresses do dia-a-dia, mas pode ser causada por problemas pontuais da hora de dormir, como checar o celular, o smartphone, o Facebook, todas as horas, inclusive de noite. Encher nossos dias de atividades aumenta nosso estresse e diminui nossas horas de sono. E pior ainda, se enchermos nossas crianças de atividades sem tempo para dormir. Dormir com a TV no quarto é um ultraje, pois a TV vai funcionar como um atrativo, diminuindo o sono. A falta de sono aliada ao estresse aumenta a liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. Além disso, as luzes artificiais que vêm das telas dos computadores e celulares atrapalha nosso relógio biológico. Ou seja, com tudo isso, acaba que nossos corpos não sabem mais, naturalmente, quando ir para a cama. 

Estudos recentes em modelos murinos (ratos) têm demonstrado que as células de suporte dos neurônios, as células gliais, viram uma bomba gigante quando o corpo dorme, diminuindo a atividade elétrica neuronal para 1/3 da frequência de pico. Isso faz com que os neurônios "diminuam de volume", fazendo com que o líquido que banha o cérebro, o líquor, banhe mais ainda o cérebro, levando lixo tóxico para fora do cérebro (o cérebro não contem vasos linfáticos, que são os "lixeiros" naturais do corpo; por isso, há a necessidade de outros meior para tirar esse lixo tóxico que é acumulado durante o dia). 

A falta de sono faz com que esse sistema seja menos eficiente, e com que mais lixo se acumule no cérebro. 

Estudos sugerem que, talvez, compensar as horas de sono perdidas com mais horas de sono em outros dias, como nos fins de semana, pode ajudar, mas não acaba com todos os danos qu a falta de sono acarreta. Mas essa prática ainda não pode ser recomendada, e portanto o Blog Neuroinformação não recomenda que isso seja feito. 

Se você depende de medicamentos para dormir, mesmo sabendo que o sono por eles produzido não é, nem de longe, igual ao sono natural, é melhor dormir do que não dormir. E portanto, caso haja necessidade médica do uso de tais medicações, elas devem ser tomadas conforme prescrição. 

Uma sugestão é expor-se o máximo possível à luz natural (luz do sol) durante o dia (o que, muitas vezes, é impossível pois vivemos em um mundo cheio de paredes e tetos), e diminuir ao máximo as luzes vindas de dentro de nossas casas, como das telas de computador e das TV's. E dormir sem nada, sem TV, iPad, iPod, iPhone, ou o que seja. 

Evitar cochilos durante o dia (se possível), e exercitar-se durante o dia para ficarmos cansados o suficiente durante a noite pode ser uma maneira de mantermos uma boa noite de sono. Criar um ritual de sono pode fazer com que sintamos necessidade dele, ao invés de considerá-lo uma obrigação, o que leva a estresse novamente. Um livro (um paciente meu conseguia dormir após ler algumas páginas da lista telefônica - não aconselho ninguém a fazer isso), um banho quente antes de deitar, ou outros modos de nos deixar sonolentos pode ajudar a conseguirmos uma boa noite de sono. Claro que em um ambiente calmo, escuro e sem preocupações. 

Evitar o sono é privar-nos a nós mesmos dos medicamentos endógenos mais importantes. 

Durma bem, portanto.

quinta-feira, julho 31, 2014

A formação reticular ativadora ascendente

O encéfalo (conjunto do cérebro e das estruturas dentro do crânio que se ligam a ele) é um órgão bastante complexo, como já visto em vários posts deste blog. E não é somente o pensamento que o cérebro produz, mas todas as formas de sensações e movimentos são moduladas e filtradas no cérebro, para que possamos realizar nossas ações sempre de forma harmônica e correta.

Há várias estruturas dentro do encéfalo, e o cérebro é somente uma delas. Entre as outras, temos o cerebelo e o tronco cerebral. O tronco cerebral é um tubo formado por três partes (mesencéfalo, ponte e bulbo) que conecta o cérebro à medula espinhal e ao cerebelo.

Veja abaixo a figura do cérebro, cerebelo e tronco cerebral:

http://www.sobiologia.com.br/figuras/Corpo/cerebro.jpg
Muito bem. O tronco cerebral é formado por vários conjuntos de neurônios e seus axônios, formando fibras que se conectam a outras fibras próximas e distantes, e axônios mais longos que vão para o cérebro, medula e cerebelo. Dentro do tronco cerebral, há dezenas de núcleos diferentes, todos apertados em um tubo estreito. Sua importância está no fato de o tronco ter os núcleos responsáveis pela movimentação dos olhos, pela movimentação da face, pela movimentação da língua, ombros e pescoço, pela sensibilidade da face, pela capacidade de falar e engolir, pela capacidade de respirar, andar, manter o equilíbrio, e mais importante ainda, pela consciência. 

Sim, a consciência é produto do córtex cerebral, mas este precisa ser ativado para funcionar, e a ativação provem de núcleos dentro do tronco cerebral, que perfazem o que chamamos de formação reticular ativadora ascendente (ou FRAA). 

Sem essa ligação entre o córtex cerebral e o tronco, não conseguiremos permanecer acordados. Por isso que uma lesão extensa do tronco cerebral, como por exemplo por um derrame, pode levar o paciente ao coma. 

http://www.sistemanervoso.com/images/anatomia/slfr_i_01.jpg
Essa FRAA começa mais ou menos na transição entre o bulbo e a ponte, e sobe até o cérebro, como pode ser visto acima. Lesões da ponte, do mesencéfalo logo acima, ou do tálamo, que já fica dentro do cérebro, podem levar ao coma.

A FRAA relaciona-se com um mecanismo que existe dentro do tronco, também, e que é responsável pelo sono. Isso mesmo, o sono começa no tronco cerebral e se espalha para o córtex como uma onda de inativação cortical. O sono pode ser iniciado em núcleos na ponte e no bulbo, relacionados à FRAA. 

Então, descobrimos que há um conjunto de neurônios que modula nosso sono e nosso despertar, encontrando-se dentro de uma estrutura importante do cérebro chamada de tronco cerebral.


terça-feira, abril 08, 2014

Insônia e risco de derrame - mais evidências

Notícia tirada do site Medscape Neurology (link) e traduzida livremente para o Blog Neuroinformação. 

Insônia ligada a aumento do risco de AVC (derrame)


Mais evidências de que insônia aumenta o risco de AVC vêm de resultados de um grande estudo populacional publicado na importante revista Stroke, neste mês de abril (link).

Pesquisadores revisaram os registros médicso da população de Taiwan e compararam os índices de AVC durante 4 anos em 21438 pacientes com diagnóstico de insônia e 64314 pessoas sem insônia, sem diferenças entre sexo e idade entre os dois grupos.

Os resultados mostraram que no geral, pessoas insones tiveram 85% mais chance de ter um derrame. Esse risco diminuiu para 54% após o ajuste estatístico de alguns fatores. O efeito parecia maior em pessoas jovens, com pessoas insones entre 18 e 34 anosd e idade tendo um risco 8 vezes maior de um derrame que pessoas da mesma variação etária sem insônia. 

O autor do estudo afirma que a insônia não deve ser encarada como algo benigno, e sem maiores riscos à saúde. Pessoas, especialmente jovens, com insônia crônica devem procurar auxílio médico para checar seus riscos de AVC, e realizar tratamento quando apropriado. Também, o autor demonstra a importância de checar na história clínica dos pacientes que adentram os consultórios a história de insônia, especialmente em indivíduos mais jovens (geralmente considerados menos propensos à insônia). 

Este estudo segue a linha de vários outros estudos que demonstram a importância de hábitos saudáveis de sono. 

Durante o estudo de 4 anos, 583 participantes com insônia e 962 sem insônia foram admitidos com derrame em Taiwan. Insônia relacionou-se a qualquer tipo de derrame, isquêmico (falta de sangue em determinada área do cérebro) ou hemorrágico (extravasamento de sangue para dentro do cérebro). 

Mais, a associação entre insônia e AVC diminui com a idade, sendo mais frequente essa associação em pessoas mais jovens, geralmente com menos fatores de risco como pressão alta e diabetes. (N.T.:O que temos observado, no entanto, é um aumento da incidência de derrame em pessoas abaixo dos 40 anos de idade, especialmente por maus hábitos de vida, como fumo, uso em excesso de álcool, sedentarismo, má alimentação e obesidade).

Aqueles pacientes com insônia por mais de 6 meses tiveram os maiores riscos de derrame. Claro que outros fatores associaram-se ao aumento no risco de derrame, como idade avançada, diabetes, pressão alta, fibrilação atrial (leia sobre o que é fibrilação atrial aqui), e baixo nível sócio-econômico. 

O porquê da associação entre insônia e derrame não é completamente entendido, mas evidências demonstram que a insônia pode alterar a saúde cardiovascular através de inflamação dos vasos, prejuízo da tolerância à glicose (risco de diabetes), e aumento da pressão arterial. Falta de atividade física, uso de álcool, dieta desregrada, fumo, e estresse podem piorar esta relação. 

Ou seja, temos de diagnosticar e tratar a insônia, especialmente em indivíduos jovens. 

sexta-feira, agosto 23, 2013

Sonambulismo

Sonambulismo é um transtorno do sono caracterizado como uma parassonia, ou seja, eventos físicos ou experiências que ocorrem durante o sono ou logo ao despertar. Há várias formas de parassonias, sendo um sonambulismo uma delas. 

Casos de sonambulismo já eram de conhecimento de Hipócrates, pai da medicina, na Grécia do século V antes de Cristo e pelo filósofo naturalista Aristóteles no século IV antes de Cristo. O médico latino Galeno, no século III da era cristã (cujo pensamento dominou a medicina medieval) escreveu sobre uma experiência própria de sonambulismo. Na literatura, Lady MacBeth, da obra MacBeth de Shakespeare, anda e fala durante o sono. 

O entendimento do sonambulismo como um fenômeno físico veio somente em meados do século XX, quando descobriu-se as fases Não REM (NREM) e REM (Rapid Eye Movements, ou Movimentos Rápidos dos Olhos) do sono. Nas últimas duas décadas, tem-se descoberto mais sobre a fisiopatologia do sonambulismo e sobre seu tratamento. Na nova classificação dos transtornos do sono de 2005, o sonambulismo é definido como um transtorno do despertar, pelas suas características ao exame de eletroencefalograma. 

O sonambulismo caracteriza-se pelo caminhar durante o sono, com dificuldade de se acordar o paciente, confusão mental após o despertar de um episódio de sonambulismo, amnésia (perda de memória) para o evento, comportamentos de rotina que ocorrem em momentos inapropriados durante o sono (sair de casa de madrugada enquanto dormindo, vestir-se para ir trabalhar durante o sono), comportamentos inapropriados ou sem sentido (ocorrendo durante o sono), ou mesmo comportamento perigoso (como sair à rua enquanto se dorme). 

O sonambulismo geralmente se inicia nas primeiras horas da noite. O paciente pode andar sem problema através da casa, ultrapassado obstáculos, e os seus olhos podem estar abertos (o que pode ser inclusive assustador a quem o assiste). Um paciente com sonambulismo pode apresentar este episódio uma vez a cada alguns anos a várias noites seguidas. Um adulto sonâmbulo foi uma criança sonâmbula, já que estes problemas são mais comuns em crianças. Os episódios podem durar de minutos a horas. 

Pacientes portadores de sonambulismo podem apresentar outras doenças, como síndrome da apneia do sono e sono fragmentado (sono entrecortado) por vários fatores. Em geral, é mais comum entre os 4 e 12 anos de idade, e a maior parte resolve completamente com o adiantar da idade. Há história familiar em uma boa parte dos casos, e gêmeos monozigóticos (verdadeiros) têm mais chance de compartilhar o traço que gêmeos dizigóticos. 

Mas raramente o sonambulismo pode aparecer em adultos, em geral naqueles portadores de doenças que fragmentam o sono (como a apneia do sono) e no uso de algumas medicações. Uma parte dos pacientes adultos mantêm relação com a síndrome das pernas inquietas (leia mais sobre isso aqui).

O grande problema que os familiares encontram no paciente que apresenta sonambulismo é como impedi-lo de se machucar. A primeira coisa que se deve fazer é levar o paciente ao neurologista, para que, através de uma história clínica, descubra-se se há algum fator que precipite as crises de sonambulismo, ou alguma condição clínica ou medicação em uso que esteja causado o problema. Caso haja, este precipitante (ou precipitantes) deve ser eliminado. 

Trancar a casa, guardar a chave do carro, e outras medidas para evitar que o paciente cause danos a outros ou a si próprio podem ser tomadas, mas a ajuda de um profissional (neurologista) é sempre indicada. 

O diagnóstico é clínico, através da história contada pelos familiares/amigos. O entendimento completo do sono do paciente, sua hora de dormir e de acordar, como é seu sono (em bloco ou fragmentado), quantas vezes o paciente acorda de noite, se há episódios de insônia, se há uso de medicações ou se há outras doenças ou condições associadas, como apneia do sono ou pernas inquietas, são informações vitais ao bom entendimento e ao tratamento da condição. O relato de familiares ou do cônjuge deve ser tomado, pois é muito importante já que o próprio paciente não consegue retratar todo o episódio. 

O uso de exames pode ser indicado pelo médico que atende o paciente, como a polissonografia. 

O curso da condição é em geral benigno, sendo os episódios temporários. Em crianças, tipicamente os eventos somem ao final da adolescência. 

Em relação ao tratamento, deve ser discutido com um neurologista em consulta. Mas adianto que uma boa noite de sono, em local escuro e calmo, espontâneo e em bloco, é um bom começo para um bom tratamento. 

quarta-feira, novembro 28, 2012

Novidades sobre a insônia

Insônia é uma síndrome, sendo causada por várias condições. Define-se a insônia não somente como a incapacidade de dormir, mas também o sono entrecortado, mal dormido ou não reparador. Em qualquer situação, a insônia causa prejuízos que ultrapassam os danos econômicos e laborais, mas causa também sérios problemas na saúde como um todo, podendo mesmo levar a depressão e ansiedade.

Sendo uma síndrome, não há um tratamento padrão para todos os pacientes com insônia, e a forma de tratar depende da causa, seja ela psíquica (depressão, psicopatias, transtornos de ansiedade), tabagismo, estresse, doenças clínicas, estado confusional agudo, ou mesmo a insônia primária, sem causa definida. 

Neste sentido, acaba de sair um estudo publicado hoje na mais famosa revista de neurologia do mundo, a Neurology, sobre uma nova medicação para tratamento da insônia. O site encontra-se aqui para os interessados em ler o original, e que sabem inglês.

O nome da nova droga é suvorexant (isso mesmo!), um bloqueador de um grupo de substâncias produzidas no hipotálamo chamadas de orexinas, ou hipocretinas, que regulam a vigília e a saciedade. Em tempo, é a diminuição na produção de orexina por lesão provavelmente imune-mediada (autoimune) que leva à rara doença chamada narcolepsia, onde há um excesso anormal de sono com alterações de tônus muscular. 

O uso desta droga aumentou o tempo em que pessoas passaram dormindo durante a noite, de acordo com o estudo que envolveu 254 pessoas de 18 a 64 anos de idade em boa forma física e mental, mas que possuíam insônia primária, ou seja, sem causa definida. 

O estudo durou 8 semanas, e foi controlado com placebo (a necessidade de um placebo nestes estudos deve-se à necessidade de comparar a droga em estudo a uma substância inócua, sem efeito, o placebo [placebo não é uma substância específica, mas qualquer medida ou substância sem efeito clínico], que geralmente é administrado em comprimidos iguais aos da medicação em estudo para que nem o participante nem o pesquisador saibam quem está tomando o quê - ou seja, o que se chama de estudo duplo-cego - isso aumenta o poder estatístico do estudo, e é uma exigência para estudos deste porte no mundo todo).

Os autores sugerem que este estudo pode demonstrar que esta droga pode ajudar pacientes com insônia. Dizem os autores que não houve efeitos colaterais significativos, o que é uma boa notícia. 

Mais estudos estão sendo conduzidos para conhecer todo o perfil da droga e os pacientes mais adequados a fazer uso dela, e ainda não há previsão de chegada no mercado brasileiro. 

Bem, pelo menos mais uma boa notícia para quem sofre de insônia. Agora, é esperar para ver. 







segunda-feira, agosto 06, 2012

O sono e o seu cérebro

Notícia tirada do site da revista Superinteressante:

A falta ou privação de sono leva às suas consequências, como perda de reflexos, cansaço, perda de memória, lentidão de pensamento e muitas vezes confusão mental. O que ocorre é um aumento na atividade cerebral, mas de forma prejudicial.

Um estudo feito na Universidade de Milão, Itália, e publicado em uma revista de alto impacto, a Cerebral Cortex, demonstra que o cérebro vai ficando mais ativo, mais sensível a estímulos e mais alerta à medida que o tempo de insônia aumenta.

O estudo, que utilizou voluntários humanos que ficaram sem dormir por 8, 12 e 32 horas, usou uma técnica recentemente introduzida na prática clínica, a estimulação magnética transcraniana, para estudar o comportamento dos neurônios. O estímulo magnético, elétrico, nos neurônios privados de sono demonstrou que as células respondiam de forma agitada às descargas elétricas, com picos mais fortes e imediatos.

Isso tem relação com a epilepsia, doença onde há aumento das descargas neuronais de forma anormal, patológica. Há muito tempo que se sabe que epilépticos ficam mais propensos a crises convulsivas se forem privados de sono, mesmo sob tratamento medicamentoso.

Já pacientes que apresentam depressão severa, segundo o artigo, por terem atividade cerebral abaixo do normal, podem ter ligeira e temporária melhora do desempenho cognitivo se ficarem sem dormir (não faça isso a menos que o seu médico o aconselhe a tal).

O porquê disso deve-se, provavelmente, ao fato de que na vigília, os neurônios estão sempre em atividade, formando novas ligações neuronais, as sinapses. Quanto mais tempo passamos sem dormir, ou seja, acordados, mais sinapses são formadas. Mas muitas destas sinapses são irrelevantes, e acabam por serem destruídas. O sono, entre tantas funções, parece ajudar a passar uma borracha nas sinapses desnecessárias e a lapidar as necessárias, impedindo, entre outras coisas, sobrecargas neuronais. É por isso que é difícil aprender ou memorizar coisas novas quando estamos sonolentos, pois para isso formamos novas sinapses, que devem ser consolidadas durante o sono. E se o sono não vem, daí... você já sabe.

sexta-feira, agosto 03, 2012

Efeitos da privação do sono

Artigo adaptado da página do Facebook Meddy Bear

A privação ou falta de sono pode levar a várias consequências ao organismo, algumas mais sérias, outras resolvidas apenas por uma boa noite de sono. Mas a privação crônica, como pode ocorrer na apneia obstrutiva do sono (já discutida neste blog), pode levar a consequências mais graves e para a vida toda, como obesidade, diabetes, doenças do coração, dores pelo corpo e problemas endocrinológicos. 

O que quero dizer é que devemos evitar privação de sono crônica. E como?

1. Evitando consumo de álcool e outras drogas, que perturbam o ciclo sono-vigília;
2. Diminuindo ou parando de fumar, pois o fumo pode levar a insônia;
3. Praticando atividade física regular e mantendo uma dieta saudável;
4. Indo dormir cedo e indo acordar cedo (claro que um final de semana, ou um dia ou outro não vão fazer mal);
5. Evitando a obesidade, que pode levar a apneia do sono
6. Tratando as doenças que causam insônia, como hipotireoidismo, apneia do sono, problemas respiratórios, como asma, e outras;
7. Se acaso houver algum distúrbio psíquico, como ansiedade ou depressão, ou transtorno bipolar, que levam a insônia, procurar auxílio psiquiátrico apropriado para que estes problemas sejam resolvidos e a insônia aliviada;
8. Cuidando-se mais e indo ao médico regularmente (lembre-se que o médico é sempre uma visita importante para aquele que tem saúde, com o objetivo de mantê-la).

E lá vai uma figura que pode auxiliar você a entender as consequências da falta de sono, que também está em inglês (é, eu só pego coisa em inglês... mas serve também para forçar seu cérebro e mantê-lo em atividade :))):

https://fbcdn-sphotos-e-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash4/318856_252317788220836_190211853_n.jpg



segunda-feira, maio 28, 2012

Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)

Este termo tem populado os meios de comunicação recentemente. E não é para menos. Constitui-se em uma das doenças mais comuns e mais devastadoras que afetam o sono de milhares de brasileiros e de pessoas do mundo todo. 

A apneia obstrutiva do sono (SAOS) refere-se a episódios frequentes de apneia (parada da respiração) que ocorrem durante o sono, muitas vezes ocorrendo dezenas ou centenas de vezes, causando despertares momentâneos e que nem chegam à consciência do paciente (o paciente pode nem perceber que acorda várias vezes), levando a sono fragmentado, cortado, não contínuo. O ronco, que pode ser constante ou episódico, podendo ser leve, moderado ou intenso, constitui-se um dos sintomas da SAOS, sendo o que mais perturba quem dorme com o paciente. E sabe qual é a consequência mais imediata da síndrome? Sonolência excessiva diurna! Aliás, a SAOS é talvez a maior causa de sonolência excessiva diurna no mundo. Fora isso, se não tratada, a apneia do sono pode levar a hipertensão arterial e síndrome metabólica, com obesidade e diabetes, e todas as consequências conhecidas.

Mas o que é isso?

Observe a figura abaixo:

http://portalotorrino.site.med.br/fmfiles/index.asp/::XPRO::/pontos%20de%20obstru%E7%E3o%20SAOS.JPG
Esta figura mostra seu nariz, sua boca e sua faringe cortadas em um plano vertical mostrando a passagem do ar através da base da língua e entrando na laringe. Agora, observe esta mesma figura em uma pessoa deitada durante o sono, quando os músculos tornam-se mais moles, ou seja, ficam atônicos (ou sem tônus, sem resistência), e o palato mole (a parte posterior do céu da boca, que é basicamente músculo) acaba por cair por cima da passagem aérea:

http://apneadelsueno.respironics.es/media/what_is_osa.gif
À esquerda, temos uma visão do palato normal no sono, permitindo a passagem de ar tanto para dentro como para fora das vias aéreas inferiores, e à direita, um paciente com queda do palato, com dificuldade à passagem de ar pelo palato e pela base da língua que estão caídos. Neste segundo caso, quando o ar passa pelo palato, há a vibração dos tecidos produzindo o famoso ronco, que os familiares de pacientes com apneia do sono tanto odeiam.

https://encrypted-tbn2.google.com/images?q=tbn:ANd9GcTD3ExyAeRJFrCRVJzBO2ymGnn_dsDDJ5uQArUkwHuldnvNX766gA
Esta figura mostra mais objetivamente o que falamos acima.

http://files.fonoemfoco.webnode.com.br/200000211-6b3166c2b4/Ronco.jpg
Fora o ronco, que é o sintoma mais leve da doença, há as crises de apneia. Mas o que são apneias?

Apneia é a parada da respiração, que pode ser demorada ou breve, muito breve. Pacientes com SAOS acabam por ter vários episódios de apneias por noite, que podem vir acompanhados de engasgos, assustando quem dorme ao seu lado. Fora isso, estes vários episódios podem ser acompanhados de despertares que de tão pequenos, nem chegam à consciência, ou seja, a pessoa não se dá conta deles. E um paciente com SAOS pode ter estes despertares, a que chamamos de microdespertares por que são inconscientes, centenas de vezes durante a noite (isso mesmo!), de modo que o sono fica entrecortado, interrompido, e a pessoa não dorme direito.

Fora isso, as apneias levam a queda da concentração de oxigênio no sangue, a saturação de oxihemoglobina, e isto leva a períodos de queda de oxigênio no sangue.

Toda esta combinação de sintomas leva a um sono superficial, interrompido, ruim, de baixa eficiência, com vários despertares, queda da oxigenação do sangue, e ainda problemas com o parceiro ao seu lado, muitas vezes obrigando-o a dormir em quarto separado.

Quais as causas da SAOS?

A mais comum é a obesidade, mas problemas da estrutura da boca ou da faringe, que podem ser congênitos (quando se nasce com o problema), a famosa adenoide (tonsila faríngea), ou problemas nasais podem causar a doença, o que explica sua ocorrência mesmo em pessoas magras.

Quais as consequências da SAOS?

1. Sonolência diurna excessiva, causada por sono de má qualidade. Como falado antes, a SAOS é a causa mais comum de sonolência diurna excessiva no mundo ocidental, e responde por vários episódios de sonecas no trabalho, fora de hora em casa, dirigindo (o que pode ser perigoso, pois daí pode-se bater o carro e causar acidentes), e mesmo comendo ou conversando com outras pessoas.

2. Fora a sonolência, a SAOS tem ligações íntimas com o aparecimento de hipertensão arterial e diabetes, constituindo-se em causa importante de problemas cardiovasculares.

E o que fazer? Há tratamento?

Sim! Se você ronca, tem sonolência diurna excessiva, e é obeso, procure um neurologista. O exame que detecta esta doença é a polissonografia, que demonstra seu sono, a arquitetura dele (fases do sono [sono não REM e sono REM], duração das fases, latência das fases [tempo de início de cada fase], concentração de oxigênio sanguíneo, etc...). Observe abaixo:

https://encrypted-tbn2.google.com/images?q=tbn:ANd9GcTK2w2CAwffF1o-uizuU5BvJMJVUveTLcv1SzwWteKx__AFsl9-
Esta figura demonstra um sono normal (a arquitetura do sono). Observe que são traços verticais e horizontais que sobem e descem. O sono não REM (REM significa Rapid Eye Movements) tem 4 fases, da mais superficial a mais profunda. Após o sono não REM, vem o sono REM, onde há os famosos movimentos rápidos dos olhos (REM em inglês), mas também há a perda de tônus muscular (os músculos ficam paralisados) e onde há os sonhos. O sono REM é demonstrado no gráfico acima como a linha horizontal mais espessa, mais escura. Observe que o paciente em 7 horas acordou somente 2 vezes, o que é normal.

Agora observe abaixo:

http://i32.photobucket.com/albums/d9/kehorner/SleepStudy.jpg
Na parte de cima do gráfico acima, nota-se o gráfico da arquitetura de sono de um paciente com SAOS. W significa vigília (Wake), R significa sono REM, e N1, N2 e N3 são as fases do sono não REM. Note que o paciente acordou várias vezes, mas várias mesmo, ficando acordado por bastante tempo em algumas vezes, demorou para chegar ao sono REM, e aprofundou o sono algumas vezes mas não o suficiente para dormir direito. Na maior parte das vezes, ou ele ficou acordado, ou chegou somente até o estágio N2. Esse pode ser o seu exame, se você tem SAOS.

Após o diagnóstico, será feito um esquema de tratamento, que pode envolver vários especialistas, como otorrinolaringologistas, nutricionistas, cardiologistas e mesmo cirurgiões buco-maxilo-faciais.

Um tratamento utilizado em casos mais severos é o CPAP, uma máscara que é acoplada a um aparelho e injeta ar nas vias aéreas para mantê-las abertas e diminuir o ronco. Há vários tipos de aparelhos e máscaras, mas aqui vai um (pode-se achar vários destes facilmente no Google):

https://encrypted-tbn0.google.com/images?q=tbn:ANd9GcR9KfXeBYlzX88UhWK8yZ5Y8s6EPHNZ9hB666MboBAOepa7T1fs
O que o aparelho faz é o que está ilustrado abaixo:

https://encrypted-tbn2.google.com/images?q=tbn:ANd9GcS2W77s59zF5fa6oo4TDIylnoD92_PQXFChUGxrwaLHkzmrWxmikg
O que o aparelho faz é o que mostra a figura mais embaixo: ele abre a via aérea, impedindo que a passagem de ar se feche durante a respiração.

O CPAP funciona através de pressão sobre as vias aéreas superiores, e esta pressão varia de uma pessoa para outra, devendo ser medida durante um exame de polissonografia. Ou seja, para indicar este aparelho, há a necessidade de se procurar um neurologista ou um médico especialista em sono.

E lembre-se, se você é obeso e/ou sedentário, consulte-se com um cardiologista antes de praticar quaisquer atividades físicas. Faça uma dieta equilibrada, emagreça, e pode ser que você seus problemas de sonolência e ronco estejam com seus dias contados. 


segunda-feira, janeiro 09, 2012

Insônia

Quer coisa mais desagradável do que não conseguir dormir à noite? Ficar rolando na cama, vendo invejosamente os outros dormindo, ou andar perambulando pela casa por falta de sono. E quem nunca teve uma noite dessas?

Mas afinal de contas, por que não conseguimos dormir? Acredito que a primeira pergunta a ser feita é - Por que dormimos? Qual a função do sono?

Vamos aos fatos:

Vários animais apresentam padrões de sono, não exatamente igual ao nosso. De moscas a macacos, todos dormem. Observe seu cachorro, ou seu gato. Apesar de um sono entrecortado, ocasionalmente o animalzinho parece caído, irresponsivo, e às vezes até com pequenos abalos das patinhas, como se estivesse sonhando... ou será que estão sonhando? Sabe-se lá! Mas o certo é que dormem.

Há várias teorias sobre o porquê do sono, mas a mais direta é, certamente, para recuperar nossa energia. Mas você sabia que recém-nascidos dormem muito, mas muito mais do que adultos jovens, e que idosos podem dormir menos? Por que uma criança dorme mais do que um adolescente? Por que o sono parece ter uma função de aprendizado, auxiliando-nos a consolidar as memórias do dia-a-dia. Por isso, não dormir bem implica ter memória "fraca". Outra teoria sugere que o sono serve como uma maneira de o cérebro se organizar depois de um dia atarefado e árduo, assim como jogar o lixo fora e consolidar aquilo que é importante. Independente da teoria, há várias funções para o sono, e não conhecemos todas, talvez não saibamos nada ainda.

Se você lê inglês, dê uma passadinha nesse site. Interessante suas ponderações. De qualquer modo, o sono é importante para todos nós, e não há quem fique acordado e não se sinta cansado, exausto ou com perda de memória.

E como o sono se forma, digo, quimicamente? Onde ele começa?

O sono parece iniciar-se em uma estrutura do cérebro chamada de tronco cerebral, onde há vários núcleos contendo várias substâncias que desencadeiam respostas que levam em última análise à inativação temporária, ao desligamento por assim dizer da consciência, ou seja, que levam ao sono. 

A substância inicial aqui é uma proteína liberada quando sob a falta de luz, chamada de melatonina. O desencadear de uma série complexa de reações envolvendo outros transmissores como serotonina, histamina, acetilcolina, noradrenalina e dopamina leva ao sono. Isso explica por que certas medicações, como alguns anti-alérgicos que agem sobre a histamina, levam ao sono. As várias substâncias envolvidas que também agem em outros sistemas atesta o fato de o sono ser facilmente perturbado por agentes externos ou medicações/doenças/drogas. E a insônia pode ocorrer em situações assim, como certas doenças como doença de Alzheimer ou doença de Parkinson, uso de medicações ou substâncias como alguns antidepressivos ou café, e ao uso de drogas, como a cocaína.

E quanto à insônia? 

Pare respondermos a esta pergunta, primeiro vamos classificar a insônia quanto ao tempo de duração em:

1. Transitória - Aquela que dura até 7 dias. As causas geralmente são estresse, problemas familiares ou financeiros, perda de parentes ou medo de algo.

2. De curta duração - Dura de 7 a 21 dias, e as causas são as mesmas da temporária.

3. Intermitente - Aquela que ocorre de tempos ou tempos, como por exemplo, uma pessoa que tem insônia a cada final de fechamento das contas de sua empresa, ou aquela que tem insônia sempre que o filho viaja a cada 2 meses. 

3. Crônica - Duração acima de 3 semanas. É essa a insônia mais séria, que leva as pessoas a ficarem noites e noites sem pregar o olho. Suas causas variam desde estresse continuado, depressão, abuso de substâncias como fumo ou álcool, transtornos de ansiedade ou psicoses, problemas familiares ou pessoais crônicos, ou maus hábitos de sono, como o excesso de café, dormir em local com ruídos ou com luminosidade, ou mesmo o roncar do parceiro ao lado.

Em termos de causa, podemos classificar a insônia em primária e secundária.

A insônia primária é aquela cuja causa não pode ser estabelecida, ou seja, não se acha causa para a insônia. Geralmente há uma história de 1 mês ou mais de dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou acordar cansado, a que chamamos de sono não reparador. A insônia pode levar a sérios problemas de saúde ou psíquicos. 

A insônia primária, sem causa, pode ser subdividida em:

Insônia psicofisiológica, quando em uma pessoa com o sono antes normal, a exposição a períodos prolongados de estresse ou ansiedade acaba por levar a alguns dias de dificuldade para dormir. Após passar toda essa tensão, a insônia persiste, pois o sono associa-se a tensão e frustração. Não é isso o que ocorre na maior parte das pessoas, pois quando o estressor diminui, o sono volta ao normal. Mas essa insônia dita comportamental pode acabar por se desenvolver em algumas pessoas predispostas. 

Insônia idiopática, aquela sem causa alguma, e que pode se iniciar na infância ou adolescência, talvez relacionada a algum problema no controle neurológico do ciclo sono-vigília.

Má percepção de sono, quando há a sensação de insônia, mas a pessoa realmente dorme, e pode dormir bem.
Já a insônia secundária é a que apresenta causa específica. Aqui temos a insônia causada por problemas psíquicos como ansiedade, depressão, estresse emocional contínuo, ou outros transtornos como transtorno bipolar ou esquizofrenia. Outras causas de insônia são síndromes dolorosas, fadiga crônica, problemas cardíacos que impeçam a pessoa de dormir direito, problemas pulmonares, síndrome das pernas inquietas (discutida em outro tópico deste blog), refluxo gastroesofágico, asma noturna, apneia do sono, doença de Parkinson, doença de Alzheimer. O uso de certas medicações pode levar a insônia, e o uso de álcool, fumo e drogas também.

E qual a causa mais comum de insônia? Tirando-se a insônia primária, que é a mais comum, as causas mais frequentes são os problemas psíquicos, como ansiedade, tensão, estresse e depressão.

Como diagnosticar a insônia? Vá a um neurologista, médico capaz de dar o diagnóstico da causa e tratar a insônia. Assim que os sintomas começarem, é prudente procurar um médico para saber sua causa a fim de tentar evitar sua cronificação.

E como tratar a insônia? Quanto aos medicamentos, não discorrerei sobre eles, e deixarei a cargo de um neurologista detalhá-los para você. Já aquela insônia que vem de vez em quando, ou aquela que está durando algum tempo, podemos tomar algumas medidas chamadas conjuntamente de higiene do sono:

1. Dormir sempre em local confortável, sem luz ou barulho de qualquer tipo (pode ser difícil, mas não custa tentar).
2. Evitar comer alimentos gordurosos ou em grande quantidade antes de dormir, e evitar ir para a cama com fome. Fazer uma refeição leve algumas horas antes de dormir, como 2 horas, por exemplo, pode ajudar. Se você tem refluxo, essa medida tem de ser levada ainda mais a sério.
3. Evitar o consumo de álcool, chá mate, chá preto e de café à noite.
4. Evitar atividade física extenuante até umas 4 horas antes de deitar.
5. Cama foi feita para dormir, não para ler e nem assistir TV (arranque a TV do quarto se você sofre de insônia), e nem para comer nela. 
6. Dormir sempre no mesmo horário.
7. Relaxe antes de deitar, faça alongamentos ou exercícios relaxantes.
8. Fumar causa insônia - Lembre-se disso!
9. Deixe os problemas fora da cama. Querer resolver o saldo bancário negativo ou o que você vai fazer com os parentes que estão vindo do interior enquanto dorme é certeza de insônia. 

E procure seu médico.