sexta-feira, dezembro 04, 2015

A relação entre melatonina e o sistema imune... e com a esclerose múltipla

Artigo publicado no site Knowing Neurons, e traduzido livremente para o blog Neuroinformação.
Melatonina: Um velho hormônio
A melatonina é uma molécula antiga em termos evolutivos. Encontrada facilmente nos setores de suplementos alimentares e vitaminas das farmácias americanas e europeias (o autor aqui, aliás, usa e se dá muito bem com ela), esta substância é encontrada em muitos seres vivos, desde plantas a bactérias, algas, invertebrados e vertebrados, como o homem. A área cerebral que a produz é a pineal, uma glândula em forma de bola localizada atrás do terceiro ventrículo cerebral. 
A pineal secreta a melatonina diretamente na circulação sanguínea e no líquor que banha o cérebro, agindo em várias células através de múltiplas ações. Sua função primordial é servir como relógio e calendário do corpo, regulando tanto as atividades diárias (circadianas) como sazonais. Sua produção ocorre à noite, já que a luz inibe sua produção. O seu nome vem da junção de melas, ou escuro, e serotonina, a molécula a partir da qual a melatonina é produzida. 
Animais selvagens usam a melatonina para saber qual a estação do ano, já que a duração da melatonina produzida em cada noite aumenta com a chegada do inverno (quando, pelo menos no hemisfério norte e no extremo do hemisfério sul, o dia fica mais curto e a noite mais longa - solstício de inverno). A melatonina controla a maior parte das modificações sazonais do comportamento da espécie em questão, incluindo seus processo fisiológicos, como reprodução, metabolismo e função imunológica. O tratamento com melatonina exógena faz com que certas espécies de animais modifiquem, automaticamente, seu metabolismo para, digamos, modo inverno. 
Essa previsão das modificações de acordo com cada estação do ano são necessárias, caso contrário estes animais correm o risco de morrer, pela dificuldade de prever, e logo, adaptar-se às condições ambientais. Em algumas espécies de animais, o uso de implantes de melatonina pode fazer com que o sistema reprodutivo destes animais deixe de funcionar e quase desapareça, pelo simples fato da previsão do inverno. Além disso, grandes modificações no sistema imune podem ocorrer em resposta à secreção sazonal de melatonina. 
O ser humano possui muito poucos ritmos sazonais metabólicos, de modo que a maior parte da pesquisa em melatonina no homem se baseia no ritmo principal do corpo humano, a vigília e o sono, e seus efeitos metabólicos. Na verdade, com o advento da luminosidade noturna artificial, propiciada pelas lâmpadas e afins, muita pesquisa tem se concentrado na descoberta de efeitos deletérios de tal luminosidade sobre a secreção de melatonina. No homem, assim como em outros animais, a concentração de melatonina é maior no inverno que no verão pelos mesmos motivos. E essa variação é importante, pois algumas doenças, como a esclerose múltipla, demonstram padrões sazonais de severidade e prevalência. 
Recentemente, pesquisadores demonstraram um papel para a melatonina na mediação de surtos sazonais de esclerose múltipla. A esclerose múltipla é uma doença autoimune, onde há destruição da camada de mielina, que auxilia na transmissão de sinais nervosos e protege os neurônios. Sem a mielina, o sinal nervoso fica distorcido ou se perde no ambiente, levando a perda de função neuronal. Pessoas que vivem longe do equador, próximo aos pólos, possuem uma maior incidência de esclerose múltipla, e muito tem sido feito para elucidar o potencial papel protetor da vitamina D - cuja síntese depende do sol - sobre a esclerose múltipla, já que quem vive mais próximo aos pólos tende a ter menos exposição solar, sintetizando menos vitamina D, do que as pessoas quem vivem próximas ao equador. No entanto, a conta não fecha. Se a esclerose múltipla fosse dependente de vitamina D, então surtos ocorreriam muito mais nos períodos de inverno e outono, quando a exposição solar cai. E na verdade, é o contrário,m justamente. O maior número de surtos ocorre no verão e na primavera, quando a síntese de vitamina D e a exposição solar são maiores. Então, alguma outra variável sazonal deve contribuir para a taxa de surtos. 
Autores descobriram que as concentrações de melatonina são maiores no invero e no outono em comparação ao verão e primavera, de modo que a melatonina poderia influenciar a função imunológica. Ainda, os autores previram que altos níveis de melatonina no inverno alteram o sistema imunológico de modo a inibir os surtos de esclerose múltipla. De fato, a melatonina bloqueia a formação de um subgrupo de células T chamadas de Th17, que secreta uma substância inflamatória, a interleucina 17 (IL-17), que pode influenciar a severidade da doença. Pesquisas testaram se a melatonina poderia melhorar prognóstico em um modelo animal de esclerose múltipla, a encefalomielite autoimune (EAE). 
A melatonina foi eficaz na redução da severidade da doença inibindo o desenvolvimento das células Th17 e aumentando o número de células anti-inflamatórias (Tr1), levando a supressão imune. O bloqueio do receptor de melatonina nas células T levou ao bloqueio da eficácia da melatonina, ou seja, a melatonina age diretamente sobre as células imunológicas.
Esta pesquisa fornece evidência de que a melatonina interfere na sazonalidade dos surtos de esclerose múltipla, e que o uso de melatonina, ou substância semelhante, poderia ser eficaz no tratamento da esclerose múltipla ou de outras doenças autoimunes. Mas, de acordo com os autores, ainda é cedo para inferir benefícios à melatonina, já que as vias envolvidas no processo são muito complexas e com muito mais reguladores do que pensamos. Há necessidade de mais pesquisa sobre o tema. 

domingo, junho 07, 2015

A descoberta anatômica do século... até agora

Notícia tirada do site Huffington Post, traduzida e modificada para o blog Neuroinformação.

O sistema imunológico funciona através de órgãos de defesa (as glândulas linfáticas e o baço). Mas há um líquido, claro e denso, que fica entre as células após a passagem do sangue, a linfa, e que contém células de defesa, como os linfócitos e macrófagos,  cuja função é auxiliar na remoção de toxinas e combate a agentes nocivos, como microórganismos. A linfa é carreada por vasos pequenos, chamamos de vasos linfáticos. Esses vasos, que fazem parte do sistema linfático, conectam-se a todos os órgãos, e acredita-se que terminem na base do crânio, sem penetrar no cérebro. Ou seja, nunca foi provada a existência de vasos linfáticos no cérebro, de modo que acredita-se que a proteção cerebral se dê através das células próprias de defesa existentes no tecido cerebral, a micróglia, juntamente com a entrada de células vindas do sangue quando há algum processo inflamatório existente ou começando. Bem, acreditava-se.

Neurocientistas descobriram uma nunca antes conhecida comunicação direta entre o sistema imunológico e o cérebro, através de vasos linfáticos que penetram o cérebro, e que passaram despercebidos por séculos. A descoberta que pode mudar o modo como entendemos as doenças autoimunes cerebrais, dentre elas a esclerose múltipla (EM), foi feita na Universidade da Virgínia, nos EUA, e foi publicada na famosa revista Nature, mês passado. 

A descoberta foi feita em cérebros de camundongos, quando os pesquisadores observaram, olhando no microscópio, vasos linfáticos adjacentes às veias cerebrais. Parece que esses vasos estavam bem escondidos atrás de uma veia cerebral (as veias externas cerebrais são bem grandes e grossas), e imagem radiológica ou de ressonância dessas áreas sempre foi muito difícil de avaliar completamente. E acredita-se, pela anatomia comparada, que esses mesmos vasos existam em pessoas. 

A comprovação dessa tese pode mudar a maneira como entendemos doenças autoimunes cerebrais. No entanto, a descoberta é preliminar, e se verdadeira, abrirá novos caminhos para pesquisa tanto em fisiopatologia (como as doenças cmeçam e agem) e tratamento das doenças autoimunes e inflamatórias cerebrais (dentre elas a esclerose múltipla, o autismo e a doença de Alzheimer). 

Vamos esperar para ver. 

Abaixo, imagem tirada do artigo original mostrando um seio venoso (em azul escuro), e os vasos linfáticos (em verde), antes desconhecidos, correndo paralelamente ao seio venoso.

http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/images/nature14432-sf10.jpg



domingo, maio 31, 2015

Paralisia Supranuclear Progressiva (PSP)

PSP, ou também chamada de doença de Steele-Richardson-Olszewski, em relação aos três médicos americanos que a descreveram em 1964 (embora a primeira descrição tenha sido de exatamente 60 anos antes), é uma forma de parkinsonismo atípico.
 
Parkinsonismo é qualquer síndrome onde há lentidão de movimentos (bradicinesia) + rigidez articular + tremor de repouso, com ou sem instabilidade postural. Parkinsonismo atípico refere-se a doenças que cursam com parkinsonismo e outros sintomas e sinais neurológicos, sem causa definida, e que não respondem, ou respondem de forma temporária à medicação padrão-ouro usada no tratamento da doença de Parkinson, a levodopa.
 
Há 4 formas de parkinsonismo atípico: a PSP, a atrofia de múltiplos sistemas (AMS), a degeneração corticobasal (CBD) e a demência por corpos de Lewy, cada uma com sintomas e sinais diferentes, mas todas cursando com parkinsonismo.
 
A PSP evolui de forma lenta, e geralmente começa com rigidez e lentidão associada a quedas e instabilidade postural (quedas e desequilíbrio). Na doença de Parkinson, esses sintomas geralmente começam mais tardiamente, após7 a 10 anos em média, e respondem à fisioterapia.
 
Um dos sintomas mais importantes da PSP é a paralisia supranuclear, ou seja, a incapacidade de mexer os olhos verticalmente, para cima e para baixo, sem lesão dos nervos ou núcleos que inervam os músculos dos olhos, por isso supranuclear (acima dos núcleos). Geralmente, o paciente tem mais dificuldade de olhar para baixo, e para fazer isso, tem de abaixar a cabeça. Só que esse sintoma pode aparecer anos após o início dos sintomas, e pode passar despercebido. Também, o médico tem de suspeitar da doença e examinar os movimentos oculares.
 
A doença pode levar a disartria, ou seja, dificuldade para falar, e disfagia, ou seja, dificuldade para engolir com engasgos. Ambos esses sintomas devem ser abordados com tratamento fonoaudiólogo.
 
O sinal mais claro na ressonância magnética é a atrofia, ou diminuição, de uma área do cérebro chamada de mesencéfalo, que fica abaixo do cérebro, e que na ressonância produz o famoso sinal do pinguim ou do beija-flor (ou em inglês, the humming-bird sign). Esse sinal nem sempre aparece nas primeiras ressonâncias que o paciente faz.
 
 

Mielite transversa

Mielite refere-se a inflamação da medula espinhal (do grego, myelos). Transversa significa que toda a extensão transversal da medula foi acometida. Leia o post sobre medula espinhal, e conheça mais sobre sua medula, depois volte aqui. Veja que a medula espinhal tem a forma cilíndrica.
 
Imagine uma lâmina cortando a medula de trás para frente. Pois é, a mielite transversa não ocorre quando a medula é cortada, mas quando ela sofre inflamação como se tivesse sido cortada. E os sintomas são relacionados a perda de força e sensibilidade abaixo do nível da lesão.
 
Como assim?
 
Bem, a medula manda e recebe sinais para e de todo o corpo, inclusive braços e pernas, além do pescoço. Há níveis medulares classificados de acordo com as raízes nervosas que saem da medula, sendo que a primeira raiz, lá em cima no pescoço, é a primeira raiz cervical, ou C1. A última raiz é a quinta sacral, ou S5. Há oito raízes cervicais (C1 a C8), doze raízes torácicas (T1 a T12), cinco lombares (L1 a L5), e cinco sacrais (S1 a S5). Veja a figura abaixo:
 
 
 
As raízes de C4 ou C5 a T1 ou T2 são relacionadas aos braços, e as raízes de T12 a S1 relacionam-se às pernas. Isso quer dizer que uma lesão acima de C5 deixa o paciente sem os movimentos dos braços e pernas (tetraparético, quando há diminuição de força, ou tetraplégico, quando há perda completa de força). Já lesões abaixo de T2 e acima de T12 deixam a pessoa paraparética ou paraplégica, quando somente as pernas ficam fracas.
 
Olhe essa figura abaixo. Cada área de seu corpo relaciona-se a um segmento medular. Lesões da mielite transversa, ou qualquer outra lesão medular que lese completamente a medula, leva a perda de força, sensibilidade e alterações de função da bexiga e do reto (incontinência, quando não há possibilidade de segurar, ou retenção, quando o paciente não consegue liberar, de urinas e fezes).
 
 
E quais as causas mais comuns de mielite transversa?
 
A causa mais comum é a esclerose múltipla. Mas outras causas são infecções virais, inflamações de outras causas como doenças reumáticas, isquemias (diminuição de sangue na medula), e mesmo situações idiopáticas, sem causa definida.
 
 

Encefalopatia isquêmica crônica

Antes de começarmos a falar sobre esse assunto, temos que definir os termos.

Encefalopatia é qualquer doença do cérebro (do grego, enképhalos + pathos).

Isquêmica refere-se a isquemia, ou seja, diminuição ou perda de sangue em uma determinada área de um órgão. Isquemias podem ocorrer no coração (o infarto do miocárdio é uma forma de isquemia), nos rins, e no cérebro, entre outros órgãos.
 
Já crônica, claro, refere-se a algo que tem duração longa, que começou há muito tempo ou vem se arrastando há meses ou anos, opondo-se a algo agudo (que tem duração curta, ou que começou recentemente) ou subagudo (que refere-se a algo que tem semanas de duração).
 
A isquemia é causada por problemas de fluxo de sangue pelos vasos cerebrais, desde os mais grossos, localizados no pescoço (carótidas e vertebrais) até os mais finos, que se localizam lá dentro do cérebro. Lesões cerebrais causadas por problemas de diminuição de sangue em uma determinada área podem ser únicas (quando só há uma única lesão isquêmica cerebral), ou podem ser múltiplas (quando há várias lesões dispersas pelo tecido cerebral). a lesão isquêmica é também o que chamamos de derrame.
 
Lesões únicas ou múltiplas podem produzir disfunção cerebral, ou seja, problemas com o movimento de membros, fala, linguagem (fala e linguagem são coisas diferentes; fala refere-se a alteração da articulação das palavras, e linguagem refere-se à produção e entendimento das palavras), marcha (o ato de andar), coordenação, e podem produzir alterações cognitivas, como perda de memória, atenção, dificuldade com movimentos finos, dificuldade de realizar atividades motoras aprendidas mesmo com força e coordenação normais (o que chamamos de apraxia), dificuldade com linguagem, abstração (capacidade de resolver problemas de cabeça e tirar conclusões não concretas, como quando pedimos ao paciente que tente abstrair o significado de um ditado), capacidade de planejamento, manter atenção, raciocínio, e outras funções.
 
A encefalopatia isquêmica crônica refere-se justamente a estas incapacidades cognitivas, mentais. Há pacientes com múltiplos derrames cerebrais que andam, mexem-se, têm força, mas têm perda de memória, perdem-se mesmo em casa, têm dificuldade em planejar o próprio dia, têm dificuldade de manter a atenção e de entender linguagem ou falar.

A encefalopatia isquêmica crônica têm relação com demência vascular, a forma mais importante de demência secundária a lesões cerebrais, e que se confunde facilmente com a doença de Alzheimer?

Sim, têm! Múltiplos derrames ou um derrame localizado em local estratégico, como no lobo frontal ou no tálamo, podem produzir demência, com alterações neurológicas como perda de força, sensibilidade, coordenação e linguagem, e problemas cognitivos que acabam caracterizando um quadro demencial.

domingo, abril 19, 2015

Tratamento da fibromialgia

Antes de mais nada, deixo os pacientes e acompanhantes orientados de que o tratamento de qualquer doença somente deve ser feito por médico competente, e nunca, mas nunca, use qualquer medicação sem orientação médica. 

O tratamento da fibromialgia deve ser direcionado à diminuição da dor, melhora da fadiga, da insônia e dos problemas de memória associados com ela.

O tratamento inicial consiste em:
 
1. Educar o paciente a respeito do que é a doença , o que podemos fazer para amenizar as dores, orientações para uma boa noite de sono, e a importância do tratamento das comorbidades, ou seja, da depressão, ansiedade e da insônia. 

2.  Iniciar um programa de atividades físicas regulares, condicionamento aeróbico, alongamento e fortalecimento muscular, tudo após orientação cardiológica e ortopédica.

3. Uso de medicações, em especial de uma medicação só, para os sintomas que não melhoram com as medidas acima. 

Muitos pacientes permanecem com os sintomas mesmo após a instituição regular das medidas descritas acima, e nestes pacientes, pode-se usar uma medicação única em doses toleradas (claro, as doses começam baixas, e vão sendo gradualmente aumentadas à medida que os sintomas não apresentam melhora e os pacientes tolerem). Os pacientes em uso de medicações não devem parar as medidas descritas acima. 

Alguns pacientes necessitam de mais de uma medicação, e de avaliações de médicos de outras especialidades, como fisiatria, reumatologista e psiquiatria, e profissionais de outras áreas, como psicólogos e terapeitas ocupacionais. 

Várias são as medicações usadas no tratamento da fibromialgia, pertencentes a várias classes diferentes. Como cada classe age em um sistema diferente dentro do cérebro, o uso de mais de uma medicação visa a associar diferentes mecanismos de ação para conseguir melhores resultados.

Entre as medicações usadas, podemos citar:

1. Antidepressivos, como os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina e nortriptilina), os inibidores recaptação de serotonina (fluoxetina, paroxetina, citalopram) e os inibidores de recaptação dual de serotonina e noradrenalina (venlafaxina, duloxetina).

2. Anticonvulsivantes, como a pregabalina e a gabapentina.

E você pode perguntar: Mas o que tem um anticonvulsivante a ver com fibromialgia. Afinal de contas, eu nunca tive convulsão?

Bem, os anticonvulsivantes não servem só para tratar convulsões, mas têm vários mecanismos de ação, alguns ainda pouco conhecidos, e essas medicações podem agir em locais de produção de dor ou de hiperexcitabilidade cortical no cérebro, ajudando a controlar a dor. 

Entre as terapias não medicamentosas, a psicoterapia feita por psiquiatra ou psicólogo pode ser muito útil para aqueles pacientes com pouca melhora com medicações e atividade física. Por isso, se seu médico encaminhar você ao psiquiatra ou psicólogo, pode ser que isso seja uma maneira de melhorar ainda mais seu problema, e a sugestão do blog Neuroinformação é que você siga a orientação do seu médico e vá aos especialistas indicados. 

Uma outra coisa. Falamos no post anterior sobre fibromialgia que muitos pacientes podem ter doenças que simulam a fibromialgia, e muitas vezes o tratamento não dá certo por que o paciente não tem fibromialgia, mas outra doença que deve ser diagosticada, e tratada de forma diferente. Nestes casos, seu médico poerá pedir exame sou encaminhar você a outros especialistas que o ajudarão a fazer seu diagnóstico. 

Outra coisa. Nunca esqueça de tomar suas medicações, na hora certa! A falta de aderência ao tratamento pode ser uma das causas de falha no tratamento. Se você não acha que deve tomar tal medicação, ao invés de parar de tomar, discuta isso com o seu médico, que é a pessoa mais indicada para dizer se o remédio é bom para você, a dose certa, e quais as altenativas caso haja efeitos colaterais ou falta de melhora. E sempre discuta os efeitos colaterais com o médico antes de tomar a medicação, para que você não tenha surpresas. 

O uso de analgésicos e anti-inflamatórios na fibromialgia deve ser discutido com o médico que trata o paciente. Não acho que seja prudente discutir isso aqui, em ambiente virtual, pois estas são medicações de venda liberada no Brasil (com exceção dos analgésicos opióides como a codeína e o tramadol), e cujo uso indiscriminado pode levar a efeitos colaterais, por vezes graves. Só use essas medicações sob orientação médica.

E a acupuntura, funciona? Uma revisão sistemática de 2013 de acupuntura em fibromialgia, envolvendo 395 pacientes (um número razoável, apesar da alta frequência da doença), avaliando 9 estudos diferentes, demonstrou melhorana dor e na rigidez com a acupuntura em relação ao tratamento padrão, algo que não foi visto em outro estudo avaliando 100 pacientes menos. Também, parece que a melhora foi maior com o uso de eletroacupuntura. Os benefícios da acupuntura podem durar pouco (menos de 6 meses). 

Já a esstimulação magnética transcraniana, uma técnica recente mas já bem estudada, foi avaliada em dois estudos, um com 32 pacientes e outro com 20 pacientes, com melhora significativa na dor e na depressão, mas mais estudos são necessários, com mais pacientes, para termos certeza do real benefício dessa técnica.

Por último, o uso de vitamina D parece melhorar a dor com base em um único estudo com 30 mulheres com fibromialgia com níveis de baixos a moderados de vitamina D no sangue. Mas novamente, mais estudos com muito mais pacientes são necessários para sabermos se a vitamina D realmente é útil no tratamento da fibromialgia. 

domingo, abril 05, 2015

Síndrome do piriforme

Bem, em post anterior, você descobriu um músculo do seu corpo que, eu acredito, mais de 80% dos que visualizam a página não sabiam que existia, o músculo piriforme (link).

Pois hoje vamos falar de uma síndrome miofascial (síndrome em que há inflamação muscular com nódulos dolorosos) deste músculo, a síndrome do piriforme.

Leia o post sobre o músculo piriforme, acima, antes de ler este aqui (sério!).

A síndrome do piriforme é uma causa frequente de dor lombar com irradiação para a perna de um lado. Cerca de 30 a 45% das pessoas entre 18 e 55 anos de idade apresentam dor lombar em algum momento de suas vidas, e a síndrome do piriforme é uma destas causas, sendo 6 vezes mais comum em mulheres, e afetando, em média, 6% dos pacientes com dor lombar simulando dor ciática.

A síndrome foi descrita em 1928 (ou seja, é mais velha que quase tudo mundo aqui!), e muitos pacientes com dor lombar foram operados (de graça!), sendo que eles tinham uma condição não cirúrgica, a síndrome do piriforme. 

O principal sintoma da síndrome é dor, muitas vezes de localização imprecisa, mas mais frequentemente localiazada no quadril, no cóccix (aquele ossinho que fica lá no final da bunda), nas nádegas, na virilha ou mesmo, e simulando uma dor no nervo ciático, indo até o calcanhar. O que diferencia esta doença de uma hérnia de disco causando uma lesão do nervo ciático é uma história clínica bem feita e o exame local e neurológico. O grande problema é que, se você vir a figura do músculo no post sobre o músculo piriforme, você vai ver que o nervo ciático passa por dentro do músculo piriforme, sendo que a lesão do nervo, aqui, é mais química do que mecânica (é mais inflamação do que compressão do nervo pelo músculo), o que explica o motivo pelo qual a inflamação/contração dolorosa deste músculo pode causar uma dor semelhante à lesão do nervo ciático.

A síndrome do piriforme tem diversas causas, sendo as mais frequentes alterações posturais, inflamações devido a problemas na marcha (o piriforme auxilia a estabilizar a perna durante o andar), traumas à região glútea, ou espasmos do músculo.  Motoristas de caminhão, tenistas e pessoas que andam de bicicleta por longas distâncias estão em maior risco de ter a doença. 

Não se conhece exatamente os motivos pelos quais o músculo inflama, mas é possível que a liberação de substâncias inflamatórias e alterações das plaquetas, células do sangue que auxiliam na coagulação, façam parte da reação química da inflamação. 

Os sintomas da síndrome do piriforme são variados:

1. Dor crônica nas nádegas, especialmente quando se irradia para a perna e piora ao andar ou se agachar. Essa dor pode imitar uma dor por lesão do nervo ciático.
2. Dor no local ao defecar
3. Dor que se irradia para os lábios maiores da vagina em mulheres ou saco escrotal nos homens
4. Dor ao manter relações sexuais (na mulher)
5. Dor (nas nádegas ou lombar) ao se levantar da cama
6. Dor que piora quando a pessoa junta as coxas e roda a coxa para dentro
7. Dificuldade em sentar ou manter-se sentado por dor nas nádegas

No exame físico, algo que diferencia a síndrome do piriforme de uma compressão do ciático é a falta de déficits, ou seja, o paciente com síndrome do piriforme não tem formigamentos ou dormências no pé, a força está normal e os reflexos estão normais, e estes sinais podem estar alterados quando o nervo ciático está lesado. Isso é visto pelo neurologista na consulta. O paciente pode ter como sinal único dor e hipersensibilidade na região glútea, que pode ser reproduzida fletindo a coxa, aproximando uma coxa da outra, e rodando a coxa para dentro, quando alongamos (estiramos) o músculo piriforme.

Apesar da síndrome ser relativamente comum, ela é diagnóstico de exclusão, ou seja, temos de afastar as causas mais comuns de dor lombar antes de considerar a síndrome do piriforme. Há várias doenças que devem ser consideradas como possíveis diagnósticos em pacientes com uma dor lombar que se irradia para a perna ou para a virilha, e o neurologista experiente saberá examinar o paciente e pedir os exames necessários para confirmar o diagnóstico. 

Não há exames que façam o diagnóstico da síndrome do piriforme, apesar de que a ressonância magnética pode (eu disse pode) demonstrar inflamação e aumento do músculo. Na verdade, os exames servem para descartar outras causas, como uma hérnia de disco. 

O tratamento envolve aplicação de substâncias para diminuir a contração muscular, como a toxina botulínica, fisioterapia, uso de medicações a critério do médico que examina o paciente, e terapia ocupacional.

sábado, abril 04, 2015

Fibromialgia

Fibromialgia é uma doença muito comum, cujo sintoma predominante são dores difusas, crônicas, nos músculos e articulações, acompanhadas com frequência por fadiga, esquecimentos, depressão, ansiedade, e vários outros sintomas que se manifestam como dor ou hipersensibilidade no corpo. A causa é desconhecida. Não há evidência nenhuma de inflamação dos tecidos, músculos, ligamentos ou tendões, apesar dos sintomas, o que diferencia a fibromialgia das doenças reumáticas.

A fibromialgia é considerada uma doença funcional, ou seja, há dor sem haver evidência de lesão ou inflamação corporal. O paciente em geral está em bom estado geral, sem sinais de lesão em nenhum local, e o exame demonstra somente dor à palpação de várias inserções musculares e articulações, com exames como ultrassonografia, exames de laboratório e radiografias normais.

Estudos sugerem que a fibromialgia é uma desordem da regulação da dor no cérebro, e está dentro de um grupo mais amplo de doenças, as síndromes de sensibilização central. 

A fibromialgia é uma das causas mais comuns de dor musculoesquelética no mundo, especialmente em mulheres, sexo no qual a doença é muito mais comum (6 vezes mais comum do que em homens), e a faixa etária mais comumente afetada situa-se entre os 20 e 55 anos. No Brasil, 2 a 3 entre 100 pessoas sofrem da doença.

A doença se manifesta como dor difusa no corpo associada a fadiga, com testes de sangue normais. A fibromialgia pode se associar a outras doenças de cunho funcional, como a síndrome do intestino irritável e enxaqueca (esta outra síndrome de sensibilização central). Insônia é muito comum nestes pacientes, assim como esquecimentos frequentes. Depressão ou sintomas depressivos podem ocorrer nos pacientes. Alguns pacientes podem ter dormência e formigamento nos pés e mãos, sem quaisquer evidências de lesões de nervos ou músculos. 

As dores na fibromialgia podem ocorrer em pescoço, ombros, cotovelos, quadris, joelhos, parede torácica, mas podem começar no pescoço e nos ombros. Os pacientes referem que é como "se tudo doesse ao mesmo tempo", ou como se "eu tivesse sido atropelado por um caminhão". Inchaço de juntas pode ocorrer, mas ao exame não há sinais de inflamação.

A fadiga pode começar ao acordar, e o paciente pode se queixar de sono não restaurador, como se não tivese dormido. Atividades corriqueiras podem piorar a dor, assim como ficar parado sem fazer nada também. O sono nestes pacientes é superficial e pode ser entrecortado. 

Esquecimentos são frequentes, mas não do tipo que ocorre na doença de Alzheimer (um medo constante nestes pacientes, muitas vezes infundado). Aqui há mais um déficit de atenção e dificuldade de focalizar a atenção em tarefas, que causam as alterações de memória. 

Depressão e ansiedade são muito comuns, presentes em 30 a 50% dos pacientes no diagnóstico da fibromialgia. Depressão na fibromialgia é mais frequentes em mulheres jovens.

Dores de cabeça ocorrem em mais de 50% dos pacientes, e podem ser enxaqueca ou cefaleia tipo tensional. A presença de dor de cabeça relaciona-se com ansiedade, insônia, dificuldade de realizar atividades físicas e hipersensibilidade no couro cabeludo. 

Dores abdominais sem causa aparente, dores no peito sem causa definida, dores pélvicas ou na região da bexiga com exames normais, podem ser observadas. 

Alguns pacientes referem que mudanças de tempo podem piorar os sintomas, mas estudos têm ajudado pouco na elucidação desta piora com alterações do clima. 

O exam físico destes pacientes costuma ser normal, mas há dor e sensibilidade à palpação de juntas e áreas musculares, algo que pode variar de dia a dia, e mesmo no mesmo dia pode ser pior ou melhor.  O exame neurológico é geralmente normal.

Teste de sangue costumam ser normais, e quaisquer anormalidades em exames de sangue devem ser investigados de outra forma, já que várias doenças reumatológicas e ortopédicas podem ter sintomas parecidos com os da fibromialgia.  Da mesma forma. exames de ressonância magnética muscular e articular devem ser normais. 

O que pode estar alterado, mas que não é usado na clínica, somente em estudos clínicos, é a ressonância funcional cerebral, que demonstra o funcionamento das várias áreas cerebrais. Este exame sugere que há uma disfunção em mecanismos de controle de dor cerebral. 

O diagnóstico é clínico, já que não há exames que auxiliem no diagnóstico. Na verdade, a ausência de alterações nos exames sugere que a doença em questão é fibromialgia. Faz-se o diagnóstico tirando-se uma história completa do paciente, não somente de suas dores, mas do funcionamento do seu intestino e bexiga, sono, atividades físicas e atividades sociais/familiares. 

Vamos falar sobre o tratamento em post posterior.

quinta-feira, março 05, 2015

O músculo piriforme

Palpe sua nádega, próximo ao osso que fica bem no meio, e a separa em dois, o sacro. Aí, inserem-se vários músculos importantes, cujas funções são variadas. Dê uma olhada nesta figura, e você conhecerá um pouco mais de seu traseiro, anatomicamente falando:

http://vanjaradic.fi/wp-content/uploads/2014/01/hip-muscles.jpg
Muito prazer, essa é sua nádega vista por dentro. Temos músculos famosos, como os glúteos (que na verdade são três, o máximo, o médio e o mínimo), e músculos menos famosos, como o quadrado femoral, os gêmeos superior e inferior, e o... piriforme!

O piriforme tem esse nome por que, supostamente, tem a forma de uma pera (do latim, pirus ou pirum, ou pera, e formis, forma).

Observe o piriforme abaixo:

http://www.isischiropractic.co.uk/images/PiriformisAndPelvis2.jpg
Tente localizar, agora, o piriforme na primeira figura. 

E olhe quem passa abaixo do piriforme! Ele mesmo, o grande nervo ciático (que alguns chamam de nervo asiático, porque o som parece). 

Muito bem, e qual a função do piriforme?

O piriforme, pela sua inserção no maior osso do corpo, o fêmur, roda a perna externamente e abduz a perna. 

Que??? Fale em português, Oh, pá!

Vamos lá. O piriforme roda a perna externamente. Sente-se, e tente cruzar a perna. Fazendo isso, você está rodando a perda externamente. O piriforme ajuda nisso. 

Observe abaixo:

http://deansomerset.com/wp-content/uploads/2012/10/hip-rotation.png
 Na figura da esquerda, a perna está sendo rodada para dentro ou internamente, e na figura da direita, o contrário, ou seja, a perna está sendo rodada externamente, ou para fora.

E o piriforme abduz a perna. Fique em pé, permaneça na mesma posição, apoie-se em algo, e lateralize a perna para fora, qualquer uma delas. O ato de jogar a perna para o lado de fora é a abdução da perna. Observe abaixo:

http://www.danakenheadfitness.com/blog/wp-content/uploads/2012/12/hip-abduction_-_step_2.max_.v1.png
A garota acima está abduzindo a perna esquerda.

Bem, agora que você já conhece mais um músculo do seu corpo, iremos, no próximo post, falar da síndrome que afeta este pequeno e importante músculo, e que simula uma dor do ciático, ou ciatalgia, a síndrome do piriforme.




terça-feira, janeiro 27, 2015

Terapia nutricional no AVC

Este artigo foi escrito pela Dra Ana Perdigão, nutricionista funcional, e gentilmente cedido ao blog Neuroinformação.


Para entendermos como a nutrição pode ajudar na recuperação de pacientes vítimas de AVC (e/ou preveni-lo), primeiro é necessário, rapidamente, explicar o que é o AVC.

A sigla significa uma doença neurológica chamada Acidente Vascular Cerebral (popularmente conhecida como Derrame). Basicamente, é uma lesão ou dano cerebral que pode ser de origem isquêmica (AVCI), quando um vaso sanguíneo está obstruído em alguma região do cérebro, ou de origem hemorrágica (AVCH), quando um vaso sanguíneo se rompe e há um sangramento ao redor ou dentro do cérebro. Qualquer uma das formas de AVC, causa diminuição do funcionamento cerebral, podendo resultar em danos graves ao cérebro. O AVC é uma das doenças neurológicas mais comuns, e, curiosamente a maioria dos casos é simples de prevenir ou evitar. 

O AVC isquêmico é o mais frequente. Os seus fatores de risco são a ingestão de álcool, sedentarismo, hereditariedade, tabagismo, alterações nos níveis de colesterol, estresse, obesidade, diabetes, hipertensão e uso de alguns medicamentos (ex: anticoncepcionais).

E como a nutrição pode ajudar na prevenção do AVC e na recuperação do paciente após um AVC?

Sabemos que uma alimentação equilibrada, por si só, diminui o risco de diversas doenças ou alterações em nosso organismo. Isso porque os nutrientes presentes nos alimentos são responsáveis por inúmeras (muitas mesmo!) funções dentro do nosso corpo e "conversam" com nossos órgãos e com a nossa mente.

Quando uma pessoa é diagnosticada com AVC, existe todo um protocolo e tratamento específico para minimizar os danos cerebrais e, claro, salvar a vida daquela pessoa. Infelizmente, muitos pacientes possuem algumas sequelas (alterações funcionais permanentes) deixadas pela lesão cerebral, como paralisia, dificuldade para falar, para pensar corretamente, para engolir ou fazer qualquer atividade diária. 

Nesse sentido, a nutrição é de extrema importância, tanto para melhorar a recuperação do organismo após a lesão súbita quanto para prevenir novos episódios e melhorar a qualidade de vida do paciente. A desnutrição é bastante comum em pessoas que sofreram um AVC, pois muitas possuem dificuldade para se alimentar (mastigar e engolir) e para verbalizar/falar o que desejam comer (e, por isso se recusam ou comem pouco a comida que não gostam). Muitos pacientes também apresentam, simultaneamente ou isoladamente, episódios depressivos, alterando ou diminuindo ainda mais o apetite e sensação de fome. 

Além do cuidado de assegurar um bom aporte de nutrientes ao paciente, deve-se também atentar para a qualidade/sabor, textura e temperatura dos alimentos. Normalmente, a consistência dos alimentos é mais pastosa e em temperatura ambiente ou morna, já que pela dificuldade em se alimentar, a comida pode permanecer mais tempo na boca, e alimento muito gelado ou muito quente causa desconforto e incômodo.

Cada caso deve ser avaliado individualmente. Lembremos que o olfato, paladar, visão e tato estão intimamente ligados ao ato de comer.  Todos, de alguma forma, despertam o interesse em se alimentar e esses sentidos são interpretados pelo nosso cérebro, e este gera uma resposta para o ambiente. Por exemplo: comida com aspecto bonito nos agrada em sentar para comer ou aquele cheiro que nos deixa com água na boca. E com a lesão cerebral, os sentidos podem estar prejudicados. 

Por vezes, é necessário alimentar o paciente por sonda. E, em alguns casos, administração endovenosa (pela veia). De qualquer forma, quando possível, é prioridade fazer o paciente se alimentar por via oral, que é a maneira mais fisiológica para nos nutrirmos. A suplementação é, quase sempre, indicada e prescrita, visto que as necessidades de nutrientes aumentam nesses casos, e a recomendação varia para cada pessoa. Uma avaliação criteriosa, desde sinais e sintomas, medicações (que podem interferir na absorção de nutrientes) até o preparo de refeições, feito por um nutricionista, é essencial para o sucesso do tratamento. 

Por fim, a nutrição é peça chave para a prevenção nos casos de AVC. Como citado acima, os fatores de risco são modificáveis, na maior parte das vezes, com a melhora dos hábitos de vida.

Existem recursos terapêuticos nutricionais, aliados à terapia com medicamentos, capazes de ajudar pacientes que sofreram um AVC. Quanto antes forem aplicados, por profissional especializado, melhores serão os resultados.


Dra Ana Perdigão - nutricionista funcional
Website: www.draanaperdigao.blogspot.com
Facebok: /draanaperdigao

sábado, janeiro 03, 2015

Como é mesmo o efeito da toxina botulínica?

A toxina botulínica pode facilmente ser considerada uma das substâncias do século. Apesar de cara, tem sido cada vez mais utilizada no tratamento de vários tipos de doenças e condições. A neurologia é a especialidade onde a toxina encontrou mais indicações.

Mas como é que a toxina botulínica (BnT) age?

Antes de sabermos a ação da BnT, vamos conhecer um pouco sobre a placa motora, a região onde o nervo se une com o músculo. 

Os músculos (e as glândulas, como as que produzem a saliva) não funcionam sem o aporte dos nervos periféricos. Para que um músculo contraia (e uma glândula produza substâncias), é necessário que haja a comunicação entre o nervo e o músculo através da placa mioneural (ou, no caso das glândulas, a conexão entre estas e os nervos). 

O músculo possui receptores, substâncias que recebem e permitem a passagem de outras substâncias, localizadas em suas membranas. A substância mais importante para a contração muscular chama-se acetilcolina (ou ACh), um neurotransmissor. 

Observe abaixo:

https://humanphysiology2011.wikispaces.com/file/view/fig._7.26.jpg/217817416/643x453/fig._7.26.jpg
Esta imagem acima, linda por sinal, demonstra um desenho esquemático de um receptor de ACh na superfície do músculo. Quando a ACh liga-se ao músculo, há a entrada de sódio e a saída de potássio da célula, o que desencadeia um potencial de ação e inicia a contração muscular (se interessar, leia mais sobre isso aqui).

Mas de onde vem a ACh? Vem dos nervos que estão em contato com a superfície do músculo. A ACh é produzida em certos núcleos e trafega até as terminações destes nervos, onde ela é colocada em vesículas (pequenas bolinhas) em quantidades enormes (quanta, plural de quantum), e é liberada no espaço entre o nervo e o músculo (fenda sináptica).

Observe abaixo:

http://classconnection.s3.amazonaws.com/116/flashcards/1707116/png/ach_receptor1349230261545.png

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/57/1009_Motor_End_Plate_and_Innervation.jpg/330px-1009_Motor_End_Plate_and_Innervation.jpg


Não achei figura melhor para demonstrar isso do que essas aí em cima. 

As vesículas de ACh não vão, no entanto, para a membrana do nervo para serem liberedas de modo espontâneo, ou seguindo algum instinto mágico. Elas necessitam de outras substâncias que as ancorem e as puxem em direção à terminação do nervo para, finalmente, serem liberadas.

A essas moléculas chamamos de moléculas de ancoragem, e há várias delas. Observe abaixo:

http://www.ipsifar.rm.cnr.it/immagini/Sinaptyv%20vesicle2.JPG
Essas espirais coloridas que você vê acima são as representações esquemáticas de várias moléculas que puxam a vesícula de ACh em direção à fenda sináptica para liberação. Sem elas, a ACh fica parada, boiando dentro do terminal sináptico, e não sai para a fenda para se ligar aos receptores do músculo.

E aqui chegamos à nossa pergunta inicial. Como age a toxina botulínica?

Vamos ver a toxina mais de perto.

http://www.ebi.ac.uk/biomodels/ModelMonth/2010-08/fig1.png
Diga oi para a BnT. Ela possui duas cadeias, uma vele (light chain) e uma pesada (heavy chain), unidas por uma ponte de dois átomos de enxofre (S), ou ponte dissulfeto, extremamente frágil.

A BnT para funcionar precisa estar inteira. Por isso que ela tem de ser armazenada em geladeira e não pode ser muito balançada além do ideal para sua reconstituição em soro fisiológico quando preparada.

A cadeia pesada serve para abrir uma brecha dentro da terminação onde estão as vesículas de acetil colina. Quem age mesmo é a cadeia leve. E o que ela faz?? Justamente destroi as proteínas que puxam a ACh para se ligar à membrana. Ou seja, a BnT deixa as vesícular de ACh boiando dentro do terminal.

Observe abaixo:

http://www.studentpulse.com/article-images/uploaded/324_1.jpg
Na parte de cima da figura, a transmissão normal. Na parte de baixo, a transmissão com as proteínas de ancoragem destruídas pela BnT.

Há cerca de 7 sorotipos de BnT, de A até G. No Brasil usamos somente o tipo A. Nos EUA e Europa, usam-se os tipos A e B. E no Japão, pode ser utilizado o tipo F. Na figura abaixo, estão algumas das proteínas de ancoragem e as toxinas que agem sobre elas.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8b/Presynaptic_CNTs_targets.svg/2000px-Presynaptic_CNTs_targets.svg.png
Muito bem. Espero que tenham entendido. Qualquer dúvida, não hesitem em contactar-se por email (sekeff@hotmail.com), ou postar no blog no Facebook.

Até outro post.

sexta-feira, janeiro 02, 2015

Neuromielite óptica ou doença de Devic (ou NMO)




Como sempre, antes de mais nada, um pouco de história.

A neuromielite óptica (NMO), ou doença de Devic, foi descrita inicialmente por Thomas Albutt, neurologista britânico, em 1870. No entanto, Eugene Devic, um médico francês, que emprestou seu nome à doença. Albutt observou a coexistência de inflamação da medula espinhal (mielite) e alterações no nervo que sai do olho, o nervo óptico (neurite), mas foi Devic que sumarizou os casos conhecidos juntamente com seus próprios casos em um congresso de medicina em 1894. Ele chamou a doença de neuromielite óptica, mas a partir de 1907, o nome doença de Devic começou a ser usado. 

A  NMO é uma doença inflamatória do sistema nervoso, onde a lesão ocorre preferencialmente na medula e nos nervos ópticos. Os sintomas referentes aos dois lugares não precisam ocorrer ao mesmo tempo, e há pacientes onde a mielite (ou a neurite) é o sintoma de apresentação. Mas há a necessidade de que ambos ocorram para o diagnóstico. E é claro que para o diagnóstico, há a necessidade de afastarmos outras causas, já que múltiplas doenças dão sintomas semelhantes aos da NMO.

Neurite óptica (NO) ocorre como primeiro sintoma em cerca de 56 a 76% dos pacientes. Já a mielite ocorre como primeiro sintoma em 13 a 39%, e a ocorrência simultânea de ambos como primeiro sintoma em 4 a 11% dos casos. Pode ser que o intervalo entre a ocorrência de NO e a de mielite seja de dias a anos. 

Geralmente o início do quadro é súbito, abrupto, e pode haver em mais da metade dos casos sintomas de febre, dor de cabeça e dores musculares, assemelhando-se a um quadro gripal ou resfriado, ou mesmo diarreia, antes dos sintomas específicos começarem. Na verdade, há especulações de que infecções virais, ou mais raramente bacterianas, poderiam preceder a doença (sugerindo uma relação causal, no entanto não provada).

A neurite óptica assemelha-se à da esclerose múltipla (EM) (leia mais sobre ela aqui). Já a mielite pode levar a perda de sensibilidade e de força nas pernas (e também nos braços). Sintomas mais raros, como soluços ou falta de ar súbitos, sem doenças aparentes fora do sistema nervoso, podem ocorrer. 

A doença pode ocorrer em um único surto (monofásica) em 32% dos casos, ou pode vir em múltiplos surtos (recorrente). 

Desde 1914, a NMO era considerada uma doença diferente da EM. Mas a partir de 1937, a doença começou a ser considerada uma variante de EM. Até 1999 em diante, quando estudos mais aprofundados determinaram que as causas de ambas são diferentes. A disputa foi terminada em 2006, quando critérios de diagnósticos propostos pela conhecida Clínica Mayo, nos EUA, determinaram as características em exames de sangue, líquor, e em imagens de ressonância magnética da NMO. 

A NMO exije alterações de imagem na ressonância magnética na coluna cervical, sendo que estas imagens são diferentes das da EM. Na EM, as lesões são pequenas, e geralmente relacionam-se a um segmento medular, enquanto que na NMO, as lesões estendem-se por 3 ou mais segmentos da medula. Veja as duas figuras abaixo. A figura de cima demonstra uma ressonância de um paciente com NMO, e a de baixo a de um paciente com EM.

http://img.medscape.com/fullsize/migrated/446/182/sn446182.fig1.gif
https://www.bioscience.org/2004/v9/af/1251/fig4.jpg
A NMO pode dar alterações na ressonância de crãnio, algo que acreditava-se não ser verdadeiro, mas as imagens são diferentes e menos específicas que as da EM.

A causa da NMO não é conhecida. Sabe-se ser a doença autoimune (produzida pelo ataque produzido pelo próprio sistema imunológico do paciente). Vários exames de outras doenças imunológicas, como lúpus e síndrome de Sjögren, podem vir positivos na NMO, o que demonstra a sua etiologia autoimune. No entanto,  há um exame que tem sido associado com a NMO que é o anticorpo contra uma proteína, na verdade um canal de passagem de água, chamada de aquaporina-4 (o nome do anticorpo é anti-aquaporina-4, ou anti-NMO). 

A associação com infecções, como pelos vírus herpes, tuberculose, vírus Epstein-Barr e mesmo HIV tem sido observada. Mas não há, ainda, provas de que um agente específico cause a doença, e é provável que muitos agentes infecciosos em combinação produzam o gatilho que desencadeia a doença.

Já com relação a fatores genéticos, ainda não há evidente.

A NMO è mais comum em mulheres (80% dos casos), e ocorre em uma idade mais tardia do que em pacientes com EM, mas pode ocorrer desde a adolescência até a vida adulta idosa. Ocorre em todas as raças, e é muito comum em japoneses.

Várias doenças podem se parecer com a NMO, como a própria EM, e várias outras doenças autoimunes, e o médico que acompanha e trata o paciente deve ter isso em mente, e procurar através do exame clínico, da história clínica, e de exames, dar o diagnóstico correto. 

O diagnóstico é feito através da suspeita clínica, a presença do anticorpo contra a proteína aquaporina-4 (disponível no Brasil, e que infelizmente só é positivo em 73% dos casos de NMO, mas quando positivo detecta corretamente 91% dos casos), ressonância magnética e análise do líquor espinhal. Claro que exames de sangue pode ser solicitados, a fim de afastarmos outras doenças. 

O tratamento é feito com drogas (medicações) que visam controlar a imunidade e combater a doença. As medicações usadas na EM (interferons e copaxone) não funcionam aqui. O tratamento deve ser discutido individualmente com o médico que assiste o paciente.