sábado, maio 18, 2013

História da Neurologia

O blog inicia uma nova seção, História da Neurologia. 

Acredito que para conhecer mais uma área do conhecimento  precisamos conhecer a história de sua evolução. E conhecer a história da neurologia é não somente instrutivo mas maravilhoso e empolgante. E isso se deve a vários fatores:

1. O cérebro sempre foi um órgão considerado diferente dos demais, não somente por sua estrutura celular e seu aspecto únicos, mas pela produção da consciência, nosso aspecto virtual e o que nos faz humanos. E na antiguidade, acreditava-se que a consciência e alma residiam no fígado e no coração, enquanto Aristóteles, famoso filósofo e naturalista grego, considerada o cérebro um local para resfriamento do sangue vindo do coração e onde o espírito circulava livremente (leia mais sobre isso aqui), opinião que foi rebatida pelo famoso médico latino Galeno, no século II AD. Mas na verdade, o conhecimento do cérebro somente começou a ocorrer no Renascimento, lá pelos idos do século XVI, ou seja, bem recentemente. 

2. O cérebro foi sendo estudado aos poucos, e, como todas as outras áreas do conhecimento, sempre com ideias antes consideradas corretas sendo refutadas por opiniões mais recentes. Diferente de um coração, que prontamente quando aberto demonstra sua estrutura e funções, ou um rim, do mesmo modo que o coração, o cérebro não é tão intuitivo assim, e seu denso arranjo celular não permite interpretações maiores a olho nu. O estudo do cérebro, assim, desenvolveu-se no seu começo de forma experimental, com opiniões mais arcaicas, antigas, sendo trazidas à luz de interpretações aparentes dos fenômenos neurais e de consciência, não necessariamente condizendo com a realidade. Como o passar do tempo e o avanço no conhecimento e na tecnologia, meios de avaliação da função cerebral acabaram por se desenvolver, permitindo-nos visualizar o cérebro funcionando, e desmistificando certas ideias a respeito de sua função. No entanto, ainda muitas concepções provavelmente errôneas existem, e que não nos é possível resolvê-las com a tecnologia que dispomos hoje.

3. Várias doenças neurológicas, até recentemente como o século passado, era consideradas desordens psiquiátricas, do comportamento, e não uma doença orgânica com alterações de neurotransmissores e estruturas cerebrais. Um exemplo disso são as distonias, consideradas doenças comportamentais até, pelo menos, a década de 60 do século passado, quando estudos fisiológicos e de imagem demonstraram que a distonia é uma doença com substrato orgânico. Ou seja, há ainda muito a descobrir, e o elo perdido ainda é longe de ser alcançado. E o estudo dessa lenta mudança de paradigma nos demonstra como a ciência tem avançado ao longo das décadas mais recentes. 

4. O estudo da neurologia combinou-se, por um longo tempo, com o da psiquiatria, até sua separação em meados do século XIX. É interessante ler a respeito das aulas de neurologia das terças no La Salpétrière, comandadas pelo pai da neurologia, Jean-Martin Charcot, ler sobre seus discípulos, e sobre como estes modificaram a visão da neurologia, cada qual em suas respectivas subáreas de atuação. E ainda hoje podemos observar uma certa similaridade entre as duas disciplinas, com doenças neurológicas produzindo transtornos psiquiátricos, e doenças psiquiátricas possuindo bases neurológicas e alterações de volume, estrutura e funções cerebrais. E isso se deve unicamente ao fato de que a consciência, o comportamento, as emoções e outras tantas funções do ego provêm do cérebro.

5. A neurociência, subespecialidade mais nova da neurologia, abre portar para entendermos mais sobre nós mesmos, nosso comportamento, nosso afeto e emoções, nosso meio de pensar e nossos modos de agir, e nos ajuda a conectar as lesões estruturais com a anormalidades "da alma". E isso, este estudo, não acabou, ainda está engatinhando, e isso é maravilhoso, pois estamos somente no começo de uma estrada enorme, cheia de caminhos, e de destinos. O cérebro ainda é a última fronteira, mas para desvencilharmos esse paraíso perdido à nossa frente, precisamos olhar para trás, e lembar daqueles que começaram o seu estudo, não somente para que os honremos com epônimos (epônimos são nomes de doenças, órgãos e procedimentos dados em homenagem à(s) pessoa(s) que os descreveu(ram), ou as pessoas que portaram tais doenças, ou cidades nas quais a doença foi descoberta ou o procedimento desenvolvido), mas também para que escolhamos seguir os caminhos mais novos derivados destas trilhas mais antigas que estão atrás de nós. 

Ou seja, este blog não pode seguir falando do cérebro e suas doenças sem antes saber como elas foram descobertas e como a neurologia se desenvolveu como ciência. 

E assim, começamos mais uma seção. 


Estimulação magnética transcraniana e dor


Sabemos que a estimulação magnética transcraniana (TMS) parece agir através da modulação, ou seja do equilíbrio de descargas neuronais, produzida através de um campo magnético sobre a superfície cerebral. 

O uso da técnica tem encontrado sucesso no manejo da dor crônica, inclusive da própria enxaqueca, conforme vários autores em vários artigos publicados. No entanto, o mecanismo de melhora ainda não é conhecido. O alívio pode ser parcial e temporário, e pode haver efeito não somente na dor em si, mas também no componente emocional. A ação sobre o sistema límbico (que possui um post aqui neste blog - leia mais sobre ele aqui) pode ajudar a diminuir a dor através da inibição da dor em regiões mais baixas do cérebro.

Dor neuropática (leia mais sobre isso aqui), enxaqueca, fibromialgia, e mesmo dor de órgãos profundos, como dor da pancreatite, ao que chamamos de dor visceral, podem melhorar com tratamentos contínuos de TMS, já que os efeitos são eficazes mas temporários. 

A área de estimulação localiza-se na região do cérebro responsável pela motricidade e sensibilidade, o córtex sensitivo-motor (veja abaixo).

Córtex sensitivo-motor demonstrado em cores acima

No entanto, outras áreas cerebrais podem ser estimuladas. 

Não consegui encontrar artigos sobre esta técnica no tratamento da síndrome da cauda equina, o que não significa que não pode ser útil. Entretanto, há vários artigos sobre o uso da TMS para o tratamento da enxaqueca e outras síndromes de dores craniofaciais, algo que será discutido em post à parte.

Na fibromialgia, doença que se manifesta por dor em vários pontos-gatilho no corpo, com alto índice de incapacidade por dor generalizada, a técnica de TMS pode encontrar utilidade. Como parece que algo está de errado no cérebro na fibromialgia, "regulá-lo" não parece uma má ideia. 

Um estudo publicado na Pain Practice de fevereiro de 2013 por Marlow, Bonilha e Short (referência) revisou a literatura atua atrás de evidências do uso da TMS no tratamento da fibromialgia. O estudo demonstrou que a técnica de TMS sobre o córtex motor primário (área vermelha na figura acima) e no córtex motor préfrontal dorsolateral (área verde na figura acima) alcançou reduções na dor semelhantes às alcançadas pelos tratamentos medicamentosos usados hoje, com menos efeitos colaterais, como dores transitórias de cabeça e desconforto no couro cabeludo, que foram toleráveis. Devido aos custos do tratamento, os autores sugerem o uso da técnica no tratamento da dor quando não há alívio dos sintomas com as terapias usuais, com antidepressivos tricíclicos e outras classes de antidepressivos, ou relaxantes musculares. 

No âmbito da dor, como no caso da depressão, há papel garantido da TMS no tratamento dos pacientes. Resta-nos conhecer mais sobre técnica para usá-la de forma mais adequada e conseguir todo o potencial que nela existe.