quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Toxina botulínica e enxaqueca

Enxaqueca, ou migrânea, é uma forma de dor de cabeça com características típicas e causas em estudo. Pode ser dividida, de acordo com sua frequência, em episódica e crônica. Episódica quando ocorre menos de 15 dias por mês, geralmente 1 a 2 vezes por semana, independentemente da sua intensidade. Crônica quando ocorre mais de 15 dias por mês. 

A enxaqueca tem como características ser intensa, podendo ser de um lado só (unilateral) ou de ambos os lados, com piora sob a luz (fotofobia), ruídos (fonofobia) ou odores (osmofobia), náuseas e vômitos. Imagens coloridas, pontos e brilhos, ou traços em força de fortes (espectro de fortificação) podem ser vistos antes ou durante a dor. 

Mas a enxaqueca crônica, por razões aina não bem elucidadas, pode perder estas características e ficar como uma cefaleia tipo tensional, moderada, na cabeça toda, com luz ou barulho incomodando, e sem ou com pouca náusea. Ocasionalmente, ocorre a dor intensa típica da enxaqueca. 

Nesta dor crônica, que ocorre mais que 15 dias por mês, às vezes diariamente, o tratamento pode ajudar ou não. Saber qual tratamento usar fica na dependência do médico que trata o paciente. Há várias medicações e técnicas não medicamentosas, como acupuntura e biofeedback. Mas um novo tratamento apareceu de alguns anos para cá, a toxina botulínica.

O uso de Botox para enxaqueca crônica vem sendo cada vez mais difundido entre os médicos e pacientes. Por enquanto, somente a toxina botulínica da marca Botox (Onabotulinotoxina A) está indicada para o tratamento da enxaqueca, com pontos de aplicação e doses bem estabelecidas (vide aqui, aqui e aqui). Novidades, no entanto, podem ainda surgir.

Mas, e por que? Como a toxina funciona? Não se sabe ao certo, mas estudos indicam que esta substância, por suas propriedades de agir sobre as sinapses que contêm acetilcolina, uma substância chamada de neurotransmissor (leia mais aqui), pode agir sobre terminações nervosas não musculares, quer dizer, sem necessidade de ação sobre músculos (leia mais aqui), mas sobre junções de nervos com nervos, e bloquear ou modular a dor, isto é, torná-la mais tolerável. 

Apesar do modo de ação não ser completamente conhecido, estudos demonstraram um esquema de aplicação da toxina, que é feito com injeção subcutânea, que pode levar a melhora das dores.

Após a aplicação, a dor não melhora imediatamente, mas em questão de dias a semanas, e geralmente vai melhorando à medida que sucessivas aplicações vão sendo feitas. São necessárias, segundo estudos, duas a três aplicações para se observar alguma melhora, e as aplicações não devem ter menos de 3 meses entre uma e outra pata evitar formação (teoricamente) de anticorpos e perda do efeito a médio e longo prazo. Para os conhecedores da língua inglesa, este site e este artigo podem ajudá-los a entender melhor este assunto.

Se você tem enxaqueca crônica, discuta esse tratamento com seu médico. O seu médico saberá dizer melhor qual a indicação, as doses e pontos de aplicação para você. 


A toxina botulínica recupera força após um AVC?

Faço esta pergunta por que é muito comum alguns pacientes com sequelas de AVC procurarem seus médicos querendo aplicar toxina botulínica (BnT). Vamos explicar aqui.

Em um breve resumo, dependendo da localização e extensão das lesões após um AVC, o paciente pode ficar com o membro endurecido (espástico), ou parcial ou completamente flácido, paralisado. Quando ocorre a espasticidade, o uso de BnT, como explicado no post anterior, pode auxiliar o paciente a recuperar parte de sua funcionalidade, desde que esteja já em um programa de fisioterapia motora e reabilitação. A toxina pode auxiliar o paciente a melhorar a amplitude de abertura do braço na articulação do ombro, do antebraço na articulação do cotovelo, do punho e dos dedos. Pode ainda auxiliar na melhora da marcha e das posturas errôneas do pé pós-AVC, como o pé para dentro e para baixo (o que chamamos de equinovaro), desde que não aja ainda problemas ortopédicos que tenha de ser operados, por que aí a BnT não irá adiantar de nada. E isso somente seu médico pode dizer.

Mas nos pacientes com paralisia de um membro ou de um lado do corpo, sem espasticidade, sem contração involuntária, a BnT de nada irá servir. O tratamento com BnT serve para enfraquecer os músculos, torná-los mais flexíveis e menos tensos, auxiliar o paciente na recuperação da funcionalidade através do enfraquecimento dos músculos anormalmente tensos pós-AVC. Quando não há tensão em excesso, ou seja, quando há na verdade paralisia, não há a necessidade da aplicação de BnT, e esta medicação, por sua propriedade paralisante, pode na verdade piorar o problema. 

Alguns pacientes apresentam mistos, ou seja, uma parte paralisada e uma parte endurecida. Aí a aplicação ou não dependerá de uma avaliação do médico que assiste o paciente. É ele que determinará se a aplicação poderá ser feita, onde será feita e se será benéfica. 

Logo, se você ou seu parente/amigo sofreu um AVC, e você quer saber se há a necessidade de aplicação de BnT para auxiliar na recuperação, procure seu médico e converse sobre isso com ele. Pode ser que o uso de BnT seja uma forma de aliviar o sofrimento e propiciar mais funcionalidade. Mas, também, pode ser que não. 

O uso de toxina botulínica após um AVC

O AVC leva a destruição de células neurais, os neurônios, em várias áreas cerebrais, e isso pode levar a perda da capacidade de mexer uma parte do corpo, um membro ou um lado inteiro do corpo. Observe abaixo:

http://www.comawakening.com/spasticity_before.jpg
Observe a postura do hemicorpo direito deste paciente, que sofreu recentemente um AVC. Observe o braço para dentro, fletido e rodado para dentro, e a mão fechada com os dedos escondidos na palma da mão, além da perna rodada para dentro, o pé para dentro e o dedão para cima. Esta postura pós-AVC, classicamente chamada de postura de Wernicke-Mann, demonstra uma das sequelas mais importantes do AVC, e de várias outras doenças como tumores cerebrais, traumas cranianos e esclerose múltipla, a espasticidade.

Um membro é chamado de espático quando fica rígido, com pouca mobilidade, como se houvesse um elástico muito forte segurando o membro no local. A mobilização ou a tentativa de mobilizar o membro faz com que haja muita resistência deste, além de dor, muitas vezes intensa, e retorno do membro à postura espástica após a sua liberação.

A espasticidade, além de disfuncional, é esteticamente ruim. Fora isso, o membro espástico fica tenso, a mão acaba por não funcionar, mesmo havendo força residual pós-AVC, e a marcha fica comprometida.

Observe abaixo:


Este vídeo, tirado do Youtube, mostra uma marcha espástica do lado direito. Observe o braço direito do paciente, semelhante ao braço da foto acima. 

Há várias formas de tratamento desta sequela, que pode se desenvolver ao longo de dias ou semanas após um AVC. Entre as terapias mais importantes, citam-se:

1. A fisioterapia, obrigatória nestes pacientes para manter o membro flexível e evitar contraturas, encurtamento de tendões e lesões de articulações, que acabam necessitando de cirurgia para correção.

2. Uso de fenol, um tipo de álcool que lesa temporariamente os nervos, levando a fraqueza dos músculos inervados por estes nervos e melhora temporária da espasticidade, por meses, mas suficiente para que um trabalho de fisioterapia seja implementado. 

3. O uso de toxina botulínica (BnT). Esta medicação, purificada a partir da toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, causadora do botulismo, age na junção entre o nervo e o músculo, levando a enfraquecimento temporário do músculo injetado. A ação inicia-se em cerca de 5 a 7 dias, e dura cerca de 2 a 4 meses, variando conforme a dose, locais de aplicação e peso/constituição do paciente. A BnT deve ser aplicada somente por médico experiente, e sua aplicação é feita diretamente no músculo acometido pela espasticidade.

O uso de BnT é considerado tratamento de escolha para espasticidade, pois auxilia na reabilitação do paciente através do enfraquecimento do músculo espástico, permitindo ao fisioterapeuta trabalhar os músculos  acometidos pelo AVC e a articulação doente, evitando-se contraturas e encurtamento dos tendões dos músculos. Na verdade, após a aplicação da BnT, deve-se iniciar imediatamente o tratamento fisioterápico. Caso a fisioterapia ainda não tenha se iniciado, o paciente (ou os familiares) deve começar a tentar mexer a articulação logo após a aplicação da BnT nos músculos acometidos, de forma lenta, gradual e indolor, pois isso permite, segundo estudos demonstram, a melhor difusão da toxina pela placa neural e melhor entrada da substância nos locais de ação.

Não adianta nada para um paciente com espasticidade aplicar BnT e não trabalhar o membro acometido com fisioterapia. Somente as duas ações em conjunto poderão levar a um resultado melhor e a um melhor prognóstico. Para quem quer ler mais, este artigo é uma ótima sugestão. Este outro artigo também pode ser interessante de ler. Ambos são brasileiros, e produzidos por fisioterapeutas.

Para quem quer saber mais sobre BnT, vá a estes links neste mesmo blog:

1
2

4. Medicações - Várias medicações podem ser usadas no tratamento da espasticidade, como o baclofen, quer seja pela boca ou por bomba de infusão dentro do líquido espinhal (bomba de infusão intratecal), o diazepam, e outras medicações, que podem ser usadas isoladamente ou em associação. Mas sua ação pode não ser completa, pode levar a efeitos colaterais, e deve ser complementada com outros tratamentos.

5. Uso de órteses - Instrumentos como canaletas e gessos que auxiliam a perna/pé ou o braço/mão a ficarem em uma melhor posição, evitando as contraturas e diminuindo as doses. Veja abaixo:

http://img.medscape.com/fullsize/migrated/editorial/journalcme/2008/14829/zorowitz.fig13.gif

http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRuAID0NjqHj71u_zWgRM31BK1zRj1ibQv-YfanADF6TCLMKG9a





Tratamento crônico do AVC e tratamento dos fatores de risco

Após a fase aguda de um AVC isquêmico, começa a fase de reabilitação e controle dos fatores de risco. Quando falamos em controle dos fatores de risco, falamos sobre:

1. Medir a pressão arterial e mantê-la controlada sempre, com dieta com pouco ou nenhum sal, consumo  regular de frutas, verduras e legumes, prática regular de atividade física, consumo de alimentos considerados cardio-protetores e cérebro-protetores em baixas quantidades, como azeite de oliva extra virgem, castanhas, chocolate amargo, e uso correto e regular das medicações para pressão alta prescritas pelo seu médico;

2. Medir e controlar a glicemia, através das mesmas ações acima, mais nenhum ou baixo consumo de açúcar, baixo consumo de alimentos calóricos, prevenção e tratamento da obesidade e uso das medicações de forma correta e regular;

3. Controlar o colesterol, com as medidas acima e o uso regular de quaisquer medicações que seu médico prescrever;

4. Parar de fumar e moderar ou parar o uso de álcool. O uso comedido de álcool, em especial na forma de vinho tinto seco, 1 cálice por dia, pode auxiliar, a depender da orientação de seu médico, no seu tratamento. Lembre-se que o álcool é uma droga, e como tal pode trazer sérias consequências se usado de forma desmedida. Fora isso, pelos seus efeitos hepáticos (no fígado), o álcool pode alterar o metabolismo e a respostas a várias medicações, e há certas medicações que não combinam com álcool.

5. Realizar exames de sangue periodicamente para verificar como estão os parâmetros metabólicos, como glicemia e colesterol, e verificar periodicamente como estão os rins e o coração. Há exames que o seu médico pode solicitar a você periodicamente para verificar isso. 

6. Manter uma dieta sempre bem equilibrada, e nunca abusar de alimentos que sejam calóricos, doces, gordurosos ou salgados. 

7. Seguir todas as recomendações do seu médico.

Fora isso, o paciente que apresenta alguma sequela, quer seja motora, sensitiva, da fala ou da linguagem, da visão ou da marcha, dispõem de alternativas para tentar melhorar os déficits e tentar retornar à vida ativa. 

Aqui, demonstra-se a grande e imprescindível necessidade dos seguintes profissionais:

1. Fisioterapeuta - A fisioterapia motora e respiratória auxilia na melhora progressiva da função dos membros acometidos por um AVC, auxilia na recapacitação do paciente a andar quando há déficit de marcha, e consequentemente no seu retorno à sociedade e à sua vida familiar e laboral. A fisioterapia ainda ajuda a mobilizar o paciente e evitar aquelas feridas que se formam quando a pessoa permanece muito tempo em uma mesma posição, as escaras de decúbito. A fisioterapia respiratória ajuda a manter o volume inspiratório, a capacidade de soltar o ar, expirar, e a soltar quaisquer secreções que fiquem nas vias aéreas, portanto evitando o acúmulo de secreções e pneumonias de repetição.

2. Fonoaudiólogo - A fonoaudiologia auxilia o paciente a voltar a falar, emitir sons inteligíveis e a voltar a se expressar. Há várias técnicas para isso, e a função deste profissional, dada a necessidade única da linguagem e da fala na sociedade, é imprescindível. Fora isso, a capacidade de engolir, a deglutição, que pode estar alterada após um AVC, pode ser trabalhada muito bem através de exercícios de fonoaudiologia.

3. Terapeuta ocupacional - A terapia ocupacional auxilia o paciente a retornar a sua rotina familiar e laboral, ajuda na recuperação de déficits motores e sensitivos, ajuda na melhora de alterações cognitivas, ou seja, das funções superiores como memória, reconhecimento espacial, nomeação e linguagem, além de outras funções. O terapeuta ocupacional é peça chave na recuperação de um paciente com AVC.

4. Nutricionista - Este profissional ajuda na elaboração de dietas personalizadas para cada paciente e cada problema, além de auxiliar a manter o paciente fisicamente em forma e evitar perdas nutricionais, déficits de vitaminas, especialmente naquelas pacientes que necessitam usar sondas de alimentação pelo nariz, as sondas nasoenterais, ou pelo estômago, as sondas de gastrostomia. 

5. Psicólogo - Manter o paciente focado no seu trabalho de reabilitação, além de diminuir a ansiedade, tratar a depressão e acabar com a sensação de culpa que pode ocorrer após um AVC é o trabalho deste profissional. Muitas vezes, sem um psicólogo bem treinado e informado no cuidado de pacientes com AVC, consegue-se pouco em matéria de recuperação, justamente por que o paciente acaba por não querer se ajudar, quer seja por culpa, por depressão pelo fato de não mais ser completamente independente devido ao AVC, ou por ansiedade pelo futuro. Tudo isso deve ser trabalhado pelo psicólogo. 

Com um tratamento intensivo, multidisciplinar, há ótimas chances de recuperação em uma boa parcela da população afetada por um AVC, mas claro que isso depende de vários fatores, e somente pode-se medir isso examinando-se cada paciente individualmente.