domingo, abril 19, 2015

Tratamento da fibromialgia

Antes de mais nada, deixo os pacientes e acompanhantes orientados de que o tratamento de qualquer doença somente deve ser feito por médico competente, e nunca, mas nunca, use qualquer medicação sem orientação médica. 

O tratamento da fibromialgia deve ser direcionado à diminuição da dor, melhora da fadiga, da insônia e dos problemas de memória associados com ela.

O tratamento inicial consiste em:
 
1. Educar o paciente a respeito do que é a doença , o que podemos fazer para amenizar as dores, orientações para uma boa noite de sono, e a importância do tratamento das comorbidades, ou seja, da depressão, ansiedade e da insônia. 

2.  Iniciar um programa de atividades físicas regulares, condicionamento aeróbico, alongamento e fortalecimento muscular, tudo após orientação cardiológica e ortopédica.

3. Uso de medicações, em especial de uma medicação só, para os sintomas que não melhoram com as medidas acima. 

Muitos pacientes permanecem com os sintomas mesmo após a instituição regular das medidas descritas acima, e nestes pacientes, pode-se usar uma medicação única em doses toleradas (claro, as doses começam baixas, e vão sendo gradualmente aumentadas à medida que os sintomas não apresentam melhora e os pacientes tolerem). Os pacientes em uso de medicações não devem parar as medidas descritas acima. 

Alguns pacientes necessitam de mais de uma medicação, e de avaliações de médicos de outras especialidades, como fisiatria, reumatologista e psiquiatria, e profissionais de outras áreas, como psicólogos e terapeitas ocupacionais. 

Várias são as medicações usadas no tratamento da fibromialgia, pertencentes a várias classes diferentes. Como cada classe age em um sistema diferente dentro do cérebro, o uso de mais de uma medicação visa a associar diferentes mecanismos de ação para conseguir melhores resultados.

Entre as medicações usadas, podemos citar:

1. Antidepressivos, como os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina e nortriptilina), os inibidores recaptação de serotonina (fluoxetina, paroxetina, citalopram) e os inibidores de recaptação dual de serotonina e noradrenalina (venlafaxina, duloxetina).

2. Anticonvulsivantes, como a pregabalina e a gabapentina.

E você pode perguntar: Mas o que tem um anticonvulsivante a ver com fibromialgia. Afinal de contas, eu nunca tive convulsão?

Bem, os anticonvulsivantes não servem só para tratar convulsões, mas têm vários mecanismos de ação, alguns ainda pouco conhecidos, e essas medicações podem agir em locais de produção de dor ou de hiperexcitabilidade cortical no cérebro, ajudando a controlar a dor. 

Entre as terapias não medicamentosas, a psicoterapia feita por psiquiatra ou psicólogo pode ser muito útil para aqueles pacientes com pouca melhora com medicações e atividade física. Por isso, se seu médico encaminhar você ao psiquiatra ou psicólogo, pode ser que isso seja uma maneira de melhorar ainda mais seu problema, e a sugestão do blog Neuroinformação é que você siga a orientação do seu médico e vá aos especialistas indicados. 

Uma outra coisa. Falamos no post anterior sobre fibromialgia que muitos pacientes podem ter doenças que simulam a fibromialgia, e muitas vezes o tratamento não dá certo por que o paciente não tem fibromialgia, mas outra doença que deve ser diagosticada, e tratada de forma diferente. Nestes casos, seu médico poerá pedir exame sou encaminhar você a outros especialistas que o ajudarão a fazer seu diagnóstico. 

Outra coisa. Nunca esqueça de tomar suas medicações, na hora certa! A falta de aderência ao tratamento pode ser uma das causas de falha no tratamento. Se você não acha que deve tomar tal medicação, ao invés de parar de tomar, discuta isso com o seu médico, que é a pessoa mais indicada para dizer se o remédio é bom para você, a dose certa, e quais as altenativas caso haja efeitos colaterais ou falta de melhora. E sempre discuta os efeitos colaterais com o médico antes de tomar a medicação, para que você não tenha surpresas. 

O uso de analgésicos e anti-inflamatórios na fibromialgia deve ser discutido com o médico que trata o paciente. Não acho que seja prudente discutir isso aqui, em ambiente virtual, pois estas são medicações de venda liberada no Brasil (com exceção dos analgésicos opióides como a codeína e o tramadol), e cujo uso indiscriminado pode levar a efeitos colaterais, por vezes graves. Só use essas medicações sob orientação médica.

E a acupuntura, funciona? Uma revisão sistemática de 2013 de acupuntura em fibromialgia, envolvendo 395 pacientes (um número razoável, apesar da alta frequência da doença), avaliando 9 estudos diferentes, demonstrou melhorana dor e na rigidez com a acupuntura em relação ao tratamento padrão, algo que não foi visto em outro estudo avaliando 100 pacientes menos. Também, parece que a melhora foi maior com o uso de eletroacupuntura. Os benefícios da acupuntura podem durar pouco (menos de 6 meses). 

Já a esstimulação magnética transcraniana, uma técnica recente mas já bem estudada, foi avaliada em dois estudos, um com 32 pacientes e outro com 20 pacientes, com melhora significativa na dor e na depressão, mas mais estudos são necessários, com mais pacientes, para termos certeza do real benefício dessa técnica.

Por último, o uso de vitamina D parece melhorar a dor com base em um único estudo com 30 mulheres com fibromialgia com níveis de baixos a moderados de vitamina D no sangue. Mas novamente, mais estudos com muito mais pacientes são necessários para sabermos se a vitamina D realmente é útil no tratamento da fibromialgia. 

domingo, abril 05, 2015

Síndrome do piriforme

Bem, em post anterior, você descobriu um músculo do seu corpo que, eu acredito, mais de 80% dos que visualizam a página não sabiam que existia, o músculo piriforme (link).

Pois hoje vamos falar de uma síndrome miofascial (síndrome em que há inflamação muscular com nódulos dolorosos) deste músculo, a síndrome do piriforme.

Leia o post sobre o músculo piriforme, acima, antes de ler este aqui (sério!).

A síndrome do piriforme é uma causa frequente de dor lombar com irradiação para a perna de um lado. Cerca de 30 a 45% das pessoas entre 18 e 55 anos de idade apresentam dor lombar em algum momento de suas vidas, e a síndrome do piriforme é uma destas causas, sendo 6 vezes mais comum em mulheres, e afetando, em média, 6% dos pacientes com dor lombar simulando dor ciática.

A síndrome foi descrita em 1928 (ou seja, é mais velha que quase tudo mundo aqui!), e muitos pacientes com dor lombar foram operados (de graça!), sendo que eles tinham uma condição não cirúrgica, a síndrome do piriforme. 

O principal sintoma da síndrome é dor, muitas vezes de localização imprecisa, mas mais frequentemente localiazada no quadril, no cóccix (aquele ossinho que fica lá no final da bunda), nas nádegas, na virilha ou mesmo, e simulando uma dor no nervo ciático, indo até o calcanhar. O que diferencia esta doença de uma hérnia de disco causando uma lesão do nervo ciático é uma história clínica bem feita e o exame local e neurológico. O grande problema é que, se você vir a figura do músculo no post sobre o músculo piriforme, você vai ver que o nervo ciático passa por dentro do músculo piriforme, sendo que a lesão do nervo, aqui, é mais química do que mecânica (é mais inflamação do que compressão do nervo pelo músculo), o que explica o motivo pelo qual a inflamação/contração dolorosa deste músculo pode causar uma dor semelhante à lesão do nervo ciático.

A síndrome do piriforme tem diversas causas, sendo as mais frequentes alterações posturais, inflamações devido a problemas na marcha (o piriforme auxilia a estabilizar a perna durante o andar), traumas à região glútea, ou espasmos do músculo.  Motoristas de caminhão, tenistas e pessoas que andam de bicicleta por longas distâncias estão em maior risco de ter a doença. 

Não se conhece exatamente os motivos pelos quais o músculo inflama, mas é possível que a liberação de substâncias inflamatórias e alterações das plaquetas, células do sangue que auxiliam na coagulação, façam parte da reação química da inflamação. 

Os sintomas da síndrome do piriforme são variados:

1. Dor crônica nas nádegas, especialmente quando se irradia para a perna e piora ao andar ou se agachar. Essa dor pode imitar uma dor por lesão do nervo ciático.
2. Dor no local ao defecar
3. Dor que se irradia para os lábios maiores da vagina em mulheres ou saco escrotal nos homens
4. Dor ao manter relações sexuais (na mulher)
5. Dor (nas nádegas ou lombar) ao se levantar da cama
6. Dor que piora quando a pessoa junta as coxas e roda a coxa para dentro
7. Dificuldade em sentar ou manter-se sentado por dor nas nádegas

No exame físico, algo que diferencia a síndrome do piriforme de uma compressão do ciático é a falta de déficits, ou seja, o paciente com síndrome do piriforme não tem formigamentos ou dormências no pé, a força está normal e os reflexos estão normais, e estes sinais podem estar alterados quando o nervo ciático está lesado. Isso é visto pelo neurologista na consulta. O paciente pode ter como sinal único dor e hipersensibilidade na região glútea, que pode ser reproduzida fletindo a coxa, aproximando uma coxa da outra, e rodando a coxa para dentro, quando alongamos (estiramos) o músculo piriforme.

Apesar da síndrome ser relativamente comum, ela é diagnóstico de exclusão, ou seja, temos de afastar as causas mais comuns de dor lombar antes de considerar a síndrome do piriforme. Há várias doenças que devem ser consideradas como possíveis diagnósticos em pacientes com uma dor lombar que se irradia para a perna ou para a virilha, e o neurologista experiente saberá examinar o paciente e pedir os exames necessários para confirmar o diagnóstico. 

Não há exames que façam o diagnóstico da síndrome do piriforme, apesar de que a ressonância magnética pode (eu disse pode) demonstrar inflamação e aumento do músculo. Na verdade, os exames servem para descartar outras causas, como uma hérnia de disco. 

O tratamento envolve aplicação de substâncias para diminuir a contração muscular, como a toxina botulínica, fisioterapia, uso de medicações a critério do médico que examina o paciente, e terapia ocupacional.

sábado, abril 04, 2015

Fibromialgia

Fibromialgia é uma doença muito comum, cujo sintoma predominante são dores difusas, crônicas, nos músculos e articulações, acompanhadas com frequência por fadiga, esquecimentos, depressão, ansiedade, e vários outros sintomas que se manifestam como dor ou hipersensibilidade no corpo. A causa é desconhecida. Não há evidência nenhuma de inflamação dos tecidos, músculos, ligamentos ou tendões, apesar dos sintomas, o que diferencia a fibromialgia das doenças reumáticas.

A fibromialgia é considerada uma doença funcional, ou seja, há dor sem haver evidência de lesão ou inflamação corporal. O paciente em geral está em bom estado geral, sem sinais de lesão em nenhum local, e o exame demonstra somente dor à palpação de várias inserções musculares e articulações, com exames como ultrassonografia, exames de laboratório e radiografias normais.

Estudos sugerem que a fibromialgia é uma desordem da regulação da dor no cérebro, e está dentro de um grupo mais amplo de doenças, as síndromes de sensibilização central. 

A fibromialgia é uma das causas mais comuns de dor musculoesquelética no mundo, especialmente em mulheres, sexo no qual a doença é muito mais comum (6 vezes mais comum do que em homens), e a faixa etária mais comumente afetada situa-se entre os 20 e 55 anos. No Brasil, 2 a 3 entre 100 pessoas sofrem da doença.

A doença se manifesta como dor difusa no corpo associada a fadiga, com testes de sangue normais. A fibromialgia pode se associar a outras doenças de cunho funcional, como a síndrome do intestino irritável e enxaqueca (esta outra síndrome de sensibilização central). Insônia é muito comum nestes pacientes, assim como esquecimentos frequentes. Depressão ou sintomas depressivos podem ocorrer nos pacientes. Alguns pacientes podem ter dormência e formigamento nos pés e mãos, sem quaisquer evidências de lesões de nervos ou músculos. 

As dores na fibromialgia podem ocorrer em pescoço, ombros, cotovelos, quadris, joelhos, parede torácica, mas podem começar no pescoço e nos ombros. Os pacientes referem que é como "se tudo doesse ao mesmo tempo", ou como se "eu tivesse sido atropelado por um caminhão". Inchaço de juntas pode ocorrer, mas ao exame não há sinais de inflamação.

A fadiga pode começar ao acordar, e o paciente pode se queixar de sono não restaurador, como se não tivese dormido. Atividades corriqueiras podem piorar a dor, assim como ficar parado sem fazer nada também. O sono nestes pacientes é superficial e pode ser entrecortado. 

Esquecimentos são frequentes, mas não do tipo que ocorre na doença de Alzheimer (um medo constante nestes pacientes, muitas vezes infundado). Aqui há mais um déficit de atenção e dificuldade de focalizar a atenção em tarefas, que causam as alterações de memória. 

Depressão e ansiedade são muito comuns, presentes em 30 a 50% dos pacientes no diagnóstico da fibromialgia. Depressão na fibromialgia é mais frequentes em mulheres jovens.

Dores de cabeça ocorrem em mais de 50% dos pacientes, e podem ser enxaqueca ou cefaleia tipo tensional. A presença de dor de cabeça relaciona-se com ansiedade, insônia, dificuldade de realizar atividades físicas e hipersensibilidade no couro cabeludo. 

Dores abdominais sem causa aparente, dores no peito sem causa definida, dores pélvicas ou na região da bexiga com exames normais, podem ser observadas. 

Alguns pacientes referem que mudanças de tempo podem piorar os sintomas, mas estudos têm ajudado pouco na elucidação desta piora com alterações do clima. 

O exam físico destes pacientes costuma ser normal, mas há dor e sensibilidade à palpação de juntas e áreas musculares, algo que pode variar de dia a dia, e mesmo no mesmo dia pode ser pior ou melhor.  O exame neurológico é geralmente normal.

Teste de sangue costumam ser normais, e quaisquer anormalidades em exames de sangue devem ser investigados de outra forma, já que várias doenças reumatológicas e ortopédicas podem ter sintomas parecidos com os da fibromialgia.  Da mesma forma. exames de ressonância magnética muscular e articular devem ser normais. 

O que pode estar alterado, mas que não é usado na clínica, somente em estudos clínicos, é a ressonância funcional cerebral, que demonstra o funcionamento das várias áreas cerebrais. Este exame sugere que há uma disfunção em mecanismos de controle de dor cerebral. 

O diagnóstico é clínico, já que não há exames que auxiliem no diagnóstico. Na verdade, a ausência de alterações nos exames sugere que a doença em questão é fibromialgia. Faz-se o diagnóstico tirando-se uma história completa do paciente, não somente de suas dores, mas do funcionamento do seu intestino e bexiga, sono, atividades físicas e atividades sociais/familiares. 

Vamos falar sobre o tratamento em post posterior.