segunda-feira, fevereiro 13, 2012

O exame neurológico

A neurologia é uma subespecialidade da clínica médica, o que significa que o neurologista é um clínico mais especializado. Um bom neurologista conhece muitas coisas além da neurologia, e a bem da verdade, necessita aprender clínica médica para exercer uma boa prática neurológica.

Exemplifico. Um paciente pode apresentar uma doença neurológica que é consequência de uma doença cardíaca, como uma fibrilação atrial, ou uma doença renal, como uma acidose tubular, ou mesmo de uma doença do aparelho digestivo, como a doença celíaca. Para fazer estes diagnósticos mais precisamente, saber o que prescrever ao paciente, conhecer as consequências dos tratamentos, e saber como seguir o paciente, o neurologista precisa saber clínica médica. 

E um bom neurologista sabe como tratar uma verminose, uma gripe, uma crise de asma (bronquite), uma insuficiência cardíaca descompensada ou uma gastrite. Mas acabamos por solicitar avaliação e acompanhamento dos outros colegas por necessidade, muitas vezes, de uma avaliação mais minuciosa.

Da mesma forma, um bom clínico geral sabe diagnosticar e tratar uma enxaqueca, um derrame ou uma polineuropatia diabética, mas a necessidade de uma avaliação e um acompanhamento mais rigoroso exige, mais cedo ou mais tarde, um neurologista.

O neurologista, como médico e clínico, faz a avaliação médica como todos os outros médicos. Há a anamnese, a história clínica propriamente dita, onde o paciente conta o que sente nas próprias palavras e depois é interrogado de forma dirigida pelo médico. Para saber conduzir uma anamnese de forma a dar um diagnóstico correto, o neurologista precisa saber o que está procurando, e conhecer os sintomas e sinais das doenças que acredita estarem acometendo os pacientes. O médico que não sabe o que procura não vai 
compreender o que acha. 

A história neurológica, a anamnese, é responsável por muito dos diagnósticos em neurologia, e médicos experientes que sabem tirar uma boa história clínica conseguem dar diagnósticos precisos somente por ela. Em toda a clínica médica isso é uma verdade. Mas para dar um bom diagnóstico, fonte de todo bom tratamento, o médico tem de conhecer o paciente, a doença que o acomete, seus hábitos, as medicações que usa, seus costumes e algo de sua vida pessoal, além da história familiar, o que se consegue durante a anamnese bem feita. 

Saber direcionar a história, saber por onde levar o paciente para nos dizer o que queremos ouvir, é uma arte que temos de dominar em um mundo médico cada vez mais tomado por aparelhos e exames. E os exames nada são sem uma boa anamnese, por que sem esse porém, podemos solicitar exames desnecessários, e acabar diagnosticando coisas erradas, ou vendo alterações insignificantes em exames mal solicitados e achando que estas alterações são a causa dos problemas.

Bem, falamos extensamente da anamnese em neurologia. Mas e o exame neurológico? Quais suas partes e sua importância?

O exame sempre começa na sala de espera, dizem os livros especializados, e um bom neurologista também é um exímio observador. O paciente chegando ao consultório, sentando-se, levantando-se, apertando a mão do médico, sendo visto entrar no consultório, tudo isso diz muito para o exame, pois aqui, ao natural, o médico pode ver a postura do paciente, se há movimentos involuntários ou lentidão dos movimentos, se o paciente tem coordenação normal ou não, se a marcha dele é normal ou não, se ele precisa de ajuda para fazer coisas simples como se levantar de um sofá ou uma cadeira. A voz do paciente também auxilia muito quando este fala com o médico.

O exame formal se inicia com o exame geral, como tomada da pressão, pulso, verificação da respiração. O coração, os pulmões, o abdome e os membros podem ser examinados, na dependência do tempo que se dispõe para o exame (nem sempre tudo é perfeito, e os médicos mais atarefados podem ir direto ao exame direcionado pela história).

A avaliação neurológica propriamente dita começa pela verificação dos músculos e de sua força, para a qual dispõe-se de várias técnicas. Depois, verifica-se os reflexos dos membros com o martelinho (leia mais aqui), parte do exame considerada a mais importante. Depois, o médico testa o equilíbrio, a marcha e a coordenação do paciente.

Após tudo isso, que pode demorar pouco ou muito, a depender de muitas variáveis, testa-se a sensibilidade da face, do tronco e dos membros, e há várias modalidades, como a sensibilidade térmica (calor/frio), tátil (toque), dolorosa, e a propriocepção (capacidade de se orientar no espaço com os olhos fechados) e palestesia (leia mais aqui).

Depois vem o exame dos nervos cranianos. Pode-se testar o nervo olfatório, o nervo óptico, a movimentação dos olhos (três nervos cuidam disso, o oculomotor, o troclear e o abducente), a sensibilidade da face (nervo trigêmeo), a motricidade da face (nervo facial), o labirinto, a motricidade e sensibilidade da parte de dentro da boca, a motricidade do pescoço e da língua.

O exame todo pode durar alguns minutos, quando se é objetivo e direcionado pela história, ou meia hora, quando se é minucioso. Mas nem sempre é necessário essa minúcia toda, e somente o médico neurologista que atende o paciente sabe quanto tempo tem e precisa para examinar o paciente.

Mas o que falo para meus residentes sempre é o seguinte: Se você dispõe de X minutos para tirar a história e examinar o paciente, dê preferência à história clínica, a anamnese, que é o mais importante, é o que dá o diagnóstico, e use mais da metade do tempo para ela.