domingo, janeiro 26, 2014

Dicas de consulta para os pacientes 4

Vamos abordar algumas dicas que poderão tornar a consulta com o especialista, entre eles o neurologista, mais eficiente e mais dinâmica. 

Em termos de dormência, aquela sensação de que há algo por sobre o membro, ou o membro está pesado sem fraqueza, ou há sensações de algo "pinicar", o que o paciente precisa observar em si próprio para falar ao médico:

1. Onde se localiza a dormência?

Estes sintomas, em geral, ocorrem mais nas pernas, mas há sintomas de dormência na cabeça, rosto, boca, lábios, membros superiores e mesmo tronco. Muitas vezes, como em um derrame, um paciente pode sentir dormência em todo um lado do corpo, da cabeça aos pés. Lesões dos nervos que saem da coluna (os nervos periféricos) podem dar dormência em locais específicos que correspondem ao território da pele que aquele nervo inerva. Observe abaixo os territórios dos principais nervos dos braços e pernas:

http://www.pitt.edu/~regional/Axillary%20Block/AxillaryPicture10.jpg
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bf/Gray826and831.PNG
O que você observa acima (não precisam decorar as figuras, ok?) é que há vários nervos indo para os braços e pernas, e quando a dormência, ou uma perda de sensibilidade, ocorre em uam região específica de um braçou ou de uma perna, pode estar acontecendo uma doença de um nervo específico. É muito importante saber disso, pois as causas e os tratamentos mudam dependendo do local dos sintomas. 

Já dormências de ambas as pernas, ou de ambos os braços, podem ser mais graves a depender de quando começaram e de sintomas que possam estar presentes em conjunto. Abordaremos isso logo. 

2. Há quanto tempo o sintoma existe?

Essa pergunta, juntamente com a pergunta anterior e a próxima, pode ajudar a determinar um diagnóstico da localização do problema, e talvez de sua causa, na maioria dos casos. Uma dormência que começou há 5 minutos, ou há menos de 1 hora pode significar uma lesão mais séria, como um derrame, especialmente se a dormência for de um lado do corpo. Estes casos devem ser avaliados com urgência, em especial em serviços de emergência ou pronto-socorros, pois podem ter tratamento se diagnosticadas imediatamente. Já uma dormência que começou há vários meses ou anos, talvez seja mais benigna, e pode ser avaliada de forma mais tranquila. Uma dormência em ambas as pernas que começou há algumas horas pode ser uma doença da medula, especialmente se vier com fraqueza de ambas as pernas e alteração da bexiga ou do reto (incontinência ou retenção de urina ou fezes). Ou pode ser uma doença das raízes dos nervos, a famosa síndrome de Guillain-Barré. Estes casos também devem ser avaliados de forma urgente. 

Algo também bastante pertinente. Evite sempre falar que o sintoma começou há algum tempo, ou há muito tempo, ou que "sempre tive esse sintoma". Isso não informa nada ao médico. Você deve ser preciso na resposta: O sintoma começou há 2 horas, há 1 semana, há 2 meses, há 4 anos. Mesmo que seja uma aproximação. 

Também é interessante saber se a dormência é contínua ou vai e volta. Se ela vai e volta, o que causa a dormência? E o que melhora? Posições específicas dos braços, pernas, situações como estresse, ansiedade, causam a dormência? Ou não há nada a ver? Há hora para a dormência vir? È mais comum em que horário do dia? O que você está fazendo quando a dormência aparece? Há relação com algo que come, ou algum medicamento que toma?

3. Há sintomas associados?

A dormência vem sozinha? O que mais veio ou vem com ela? Fraqueza existe? Se sim, onde e há quanto tempo? Quem começou primeiro, a dormência ou a fraqueza? Da mesma forma que a fraqueza, observe outros sintomas como desequilíbrio, perda de sensibilidade, incoordenação de braços ou pernas, perda de visão, dor de cabeça, dor em algum lugar do corpo, dificuldade de urinar ou urina saindo na roupa. 

4. Doenças existentes em si mesmo e nos seus familiares, e medicamentos que usa.

Essas informações são de suma importância, pois podem ajudar a determinar a causa da dormência. Uma pessoa que começou uma dormência de um lado do corpo há 1 hora, e que tem pressão alta e diabetes não controlados, provavelmente está tendo um derrame. Da mesma forma, há medicações que podem causar dormência. Todos os remédios que você usa devem ser conhecidos pelo médico, com dosagem e horário de uso, e há quanto tempo você usa cada um. Além disso, o médico deve saber de todas as doenças que você tem, se as trata e como, e das doenças mais comuns na sua família. Muitas doenças familiares indicam um componente genético, e você pode ter herdado este componente genético. Logo, é importante saber as doenças mais comuns em sua família. 

Por enquanto é só. Voltaremos com mais dicas para uma boa consulta médica. 

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Álcool e memória

Notícia tirada da revista Time de 15 de janeiro de 2014.

Homens de meia idade que bebem 2,5 doses de bebida alcóolica por dia podem acelerar a perda de memória em seis anos. Este achado foi feito em um estudo publicado ontem, dia 15 de janeiro, na conceituada revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia (link).

O estudo, feito por pesquisadores da University College de Londres, e liderado por Séverine Sabia, avaliou os hábitos alcóolicos de 5054 homens e 2099 mulheres em três diferentes momentos durante um período de 10 anos. Quando os participantes fizeram 56 anos de idade, eles se submeteram ao primeiro de uma série de três testes de memória e funções executivas (leia mais sobre isso aqui) que seriam feitos durante os 10 anos do estudo.

Os homens, segundo os pesquisadores, que bebiam uma média de 2,5 doses por dia mostraram sinais de perda de memória mais cedo do que os homens que bebiam menos que isso, ou do que homens que não bebiam.

Mesmo após os pesquisadores terem eliminado os fatores que afetariam a memória, como dieta ou hábitos de exercício físico, manteve a relação de perda de memória com consumo de álcool. Entre as mulheres, também houve resultado parecido.

Os pesquisadores classificaram doses como de vinho, cerveja ou destilados, sendo que bebedores de destilados, como vodka, gim ou uísque, tiveram declínios mais acentuados de memória, não pareceu haver diferença entre os bebedores de vinho ou cerveja.

O estudo, embora não sendo 100% original, demonstra o quão pouco de álcool é necessário por dia para causar um grande impacto na vida do indivíduo. Os pesquisadores acreditam que o álcool, de alguma forma, interfere com o fluxo sanguíneo cerebral. Fora isso, já se sabe que álcool em excesso pode levar a danos e morte neuronal.

Por que o cérebro das meninas amadurece mais rápido do que o dos meninos?

Em uma pesquisa publicada em dezembro de 2013 na aclamada revista Cerebral Cortex (link) publicada por Sol Lim e colaboradores da Universidade de Newcastle, UK, descobriu-se que os cérebro de meninas reorganizam-se e amadurecem (evoluem e organizam suas conexões) mais cedo do que os cérebro de meninos da mesma faixa etária. 

No estudo, 121 pessoas entre 4 e 40 anos de idade foram escaneados com ressonâncias magnéticas usando-se uma sequência em que é possível visualizar as conexões e ligações entre os neurônios, chamada de DTI ou tractografia, documentando-se a ida e vinda das conexões (as conexões cerebrais são constantemente rearranjadas e podadas de forma a facilitar e organizar as relações entre os neurônios e aumentar a capacidade cerebral, além de fornecer base para a neuroplasticidade). 

Neste estudo, descobriu-se que algumas fibras que fazem a conexão entre áreas distantes do cérebro permanecem relativamente estáveis entre as idades e sexos, enquanto que conexões mais curtas, entre neurônios próximos, muitas sendo até mesmo redundantes (mais de uma para fazer a mesma função) foram modificadas. E esta reorganização, tão necessária para o amadurecimento cerebral, parecia ocorrer mais precocemente nos cérebro de pacientes do sexo feminino.

Mulheres também tendiam a ter mais conexões através dos dois hemisférios cerebrais (ligando as regiões simétricas de cada lado). Os cientistas acreditam que esta reorganização mais precoce torna o cérebro feminino mais eficiente em seu trabalho, e assim alcançando um estado mais maduro para processar, entender, o ambiente. 

Mas o que os cientistas não sabem é o que direciona esta diferença entre os sexos. 

Isso já era intuitivamente conhecido entre os cientistas, mas agora tornou-se cientificamente comprovado. 

Fonte - Revista Time 19/12/13

quarta-feira, janeiro 01, 2014

Toxina botulínica no tratamento da esclerose múltipla

A esclerose múltipla (EM) é uma doença já descrita há décadas, e cujo tratamento vem se aprimorando ao longo dos últimos anos. Inicialmente pensava-se ser a EM uma doença somente inflamatória, com destruição da bainha de mielina dos nervos do cérebro e da medula; no entanto, pesquisas mais recentes têm demonstrado ser a EM uma doença também degenerativa, com morte de neurônios. Isso levou a uma onda de pesquisas visando não somente impedir a destruição da bainha de mielina, mas evitar a morte neuronal que ocorre ao longo da doença. 

Um dos meios mais interessantes de alcançar estes objetivos é o diagnóstico e o tratamento precoces. O tratamento específico para a doença, incialmente feito com os interferons beta 1a e 1b (Avonex, Rebif e Betaferon), evoluiu para o uso do acetato de glatirâmer (Copaxone), e mais recentemente, o uso de outros imunomoduladores, como o fingolimod (Gylenia), e outras medicações ainda não disponíveis no Brasil, como a cladribina e o laquinimod. Fora estes tratamentos, o uso de imunossupressores, como a azatioprina e a ciclofosfamida, além da mitoxantrona, e mais recentemente o uso de anticorpos monoclonais, como o natalizumab e o rituximab para formas mais severas vem mudando a cara da história natural e da evolução da doença.

No entanto, muitos pacientes, mesmo com todas estas formas de tratamento, ainda apresentam surtos, e alguns surtos podem deixar sequelas. Como há a destruição de fibras de substância branca no cérebro e na medula espinhal, uma das sequelas é a espasticidade

Espasticidade é o aumento do tônus, ou seja, da resistência muscular ao movimento de um membro, muitas vezes levando o membro a assumir uma postura fixa, mantida, dolorosa e que pode levar a mais problemas, como encurtamento de tendões de músculos e lesões de articulações (as juntas). Observe exemplos de espasticidade abaixo:

http://www.physiofunction.co.uk/Uploads/Image/articles/Spasticityafterstroke.jpg
https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTf5cGMzkZJ2Wv-1Pw5puax_9u3uOVPnaWKGd1ziucGNUUy2_ksmA
http://farm9.staticflickr.com/8322/7977095006_07296e9c52_z.jpg

Veja que a espasticidade pode afetar qualquer membro, e mesmo vários membros, como no caso de lesões da medula espinhal acima dos braços (acima da quinta vértebra cervical, ou C5).

A espasticidade responde a várias formas de tratamento, mas vai ficando mais problemática à medida que é deixada de lado e não é tratada de forma adequada o mais precocemente possível. Quanto mais cedo o início do tratamento de um quadro espástico, melhor, pois sequelas mais severas como encurtamento de tendões e lesões articulares desenvolvem-se ao longo do tempo, e caso já tenham ocorrido, o tratamento poderá ter que consistir de cirurgia. 

Um dos meios de tratamento da espasticidade consiste no relaxamento muscular, que permite o trabalho fisioterápico e outros meios de reabilitação. Imagine um membro completamente espástico, endurecido, difícil de mover, e um fisioterapeuta tentando mover este membro. Pense numa dificuldade!!!

Pois é! Com o uso da toxina botulínica, pode-se alcançar este relaxamento muscular. A toxina possui como função relaxar os músculos, impedindo a sua contração. O papel dela é justamente enfraquecer os músculos por 3 a 4 meses. Neste período, é possível iniciar um programa de fisioterapia, segui-lo e auxiliar o paciente a tentar readquirir funções com o membro incapacitado. Fora que o uso da toxina diminui as chances de sequelas ortopédicas mais graves, como encurtamento de tendões musculares e lesões articulares.

Interessante, não?

E como é usada a toxina? Há vários posts neste blog sobre a toxina botulínica e seu uso nas várias síndromes de espasticidade e outras doenças neurológicas. Leia sobre isso aquiaqui e aqui.