terça-feira, setembro 30, 2014

Treinamento musical melhora as habilidades cognitivas e pode auxiliar crianças com TDAH


Notícia tirada do site MNT (leia aqui) e traduzida livremente para o blog Neuroinformação. 

Treinamento musical melhora as funções executivas

Inicialmente, o que são as funções executivas? São meios pelos quais o cérebro processa e retem informação, toma decisões, resolve problemas, regular o comportamento e planeja ações, além de mufar foco de atenção e manter atenção em algo de interesse. Ou seja, como fala um grande neuropsicológico russo, as funções executivas são o que nos fazem humanos.

Um estudo da Univesidade de Boston demonstra que as funções executivas são um forte preditor de desempenho acadêmico, mais ainda do que o malfadado QI. Além disso, esse estudo sugere que o treinamento musical pode auxiliar a desenvolver essas habilidades cognitivas.

Para isso, foram estudados em imagem de ressonância magnética funcional (fMRI), que analisa a função de áreas cerebrais durante diversas atividades, 15 crianças entre 9 e 12 anos de idade que tiveram treinamento musical, ou seja, aprenderam a tocar um instrumento por, pelo menos, 2 anos em aulas regulares; foram estudadas também 12 crianças de mesma idade que não tinham aprendizado musical. 

Fora isso, os pesquisadores compararam os exames de fMRI de 15 adultos que eram musicistas ativos com os exames de 15 outros adultos que não tocavam nenhum instrumento. 

Os participantes, para evitar qualquer erro de análise, eliminaram fatores sociais, como educação formal, status de emprego (dos pais das crianças ou dos adultos) e renda familiar, além do QI. 

 O estudo revelou que durante testes cognitivos (resolução de problemas), tanto as crianças treinadas em música como os musicistas adultos tiveram melhora em várias áreas das funções executivas em comparação com crianças que nunca tiveram treinamento musical e com os adultos não musicistas. A ativação de áreas relacionadas às funções executivas foi mais intensa nos participantes que tocavam instrumentos musicais. 

Ou seja, o treinamento musical, tão ignorado em escolas ao redor do mundo, pode auxiliar a preparar as crianças para um melhor futuro acadêmico e profissional. Inclusive, o treinamento musical pode auxiliar no tratamento de crianças com um conhecido transtorno das funções executivas, o TDAH, e mesmo, como já sabemos, no tratamento de idosos com demências, como a doença de Alzheimer. Mas estudos para determinar se a música pode ser usada como adjunto terapêutico ainda necessitam ser realizados. 

Mas há a contrapartida de que a música não seja o estímulo, mas sim que pessoas que tenham melhores funções  executivas acabem enveredando por um caminho musical. Mas esta hipótese também precisa ser testada. 

No entanto, todos sabemos como uma boa (eu disse boa!) música pode auxiliar transtornos mentais e neurológicos.

sexta-feira, setembro 19, 2014

A criatividade e sua relação com o Jazz

Artigo traduzido e adaptado do site KQED.

Ouvir as improvisações do jazz (meu pai que amava isso), como as cordas do piano brincam com os acordes do saxofone e as batidas das cordas do baixo, dá a impressão de que a criação da música aqui é simplesmente magia pura. Mas o estudo da atividade cerebral dos músicos de jazz enquanto estes improvisam está ajudando a dar alguma luz ao estudo da neurociência da criatividade.

Um teclado de plástico que permite ao músico produzir e ouvir a própria música enquanto seu cérebro é analisado em uma máquina de ressonância magnética foi utilizado nesta pesquisa. Os pesquisadores solicitavam que o músico ouvisse uma música, depois improvisasse com outros músico na sala de controle da ressonância. Imagens cerebrais eram capturadas enquanto a música era criada.

Nessa hora, a parte mais frontal do cérebro, o lobo pré-frontal lateral, que cuida muito de nossas funções executivas e da monitorização de nosso comportamento fica menos ativo. Ou seja, novas ideias podiam ser criadas sem restrição cerebral alguma (sim, como já visto em um post anterior neste blog, aparentemente áreas do cérebro são controladas por outras áreas, muitas vezes de forma ditatorial). Além disso, a improvisação ativou também as áreas da linguagem, ou seja, a música acaba por ter papel semelhante ao da linguagem na veiculação de ideias e sensações.

Ou seja, a improvisação depende do relaxamento das leis que governam a atividade cerebral, e exigir demais pode acabar por destruir a atividade criativa. Isso está em linha com outros estudos, também já discutidos neste blog, que sugerem que a criatividade, função presente em várias áreas cerebrais, pode ser influenciada pelo hemisfério dominante (na maior parte das pessoas, o esquerdo), e quando estamos divagando, "viajando", ou relaxando, é o momento em que a criatividade "corre solta".

Além disso, a criatividade pode ser desenvolvida. Crianças devem aprender o hábito de ser criativas, e quanto mais a criatividade é utilizada, mais ela é desenvolvida. Para isso, são necessários tempo e situações que a façam emergir. Exigir das crianças, na escola, perguntas com respostas fixas, engessadas, como respostas certas e erradas, impede que as crianças pensem, criem e desenvolvam ideias novas.

Muito do que aprendemos, nós fazemos com um propósito, o de fazer bem. Mas devemos cultivar o fazer algo com o objetivo não somente de fazê-lo bem, mas de criar coisas novas, o que muitas vezes não é bem visto por nossos pares. A improvisação faz parte do processo criativo, quando as leis e regras rígidas são temporariamente suspensas para que se possa pensar livremente, ou como se fala no inglês, "out of the box". E isso deve ser cultivado desde a infância. 

Assim, aulas de artes cênicas, pintura, canto, e mesmo aulas livres para a improvisação podem auxiliar a treinar o cérebro a ter o tipo de fluência criativa que queremos e necessitamos cada vez mais. 

Nem tudo o que sabemos nos foi ensinado, Muito foi aprendido através de processos criativos. Imagine uma criança de 2 anos de idade aprendendo sozinha a sair do cercadinho. Isso é criatividade. Ou uma criança aprendendo a resolver um brinquedo de montar de forma diferente do que é ensinado na caixa do brinquedo. Isso também é criatividade. E deve ser ensinado (há uma bela alegoria desse conceito no filme The Lego Movie).

Agora, imagine o que seria de nós, como seres em uma natureza hostil há milhares de anos, sem a criatividade. Sem ninguém para ensinar-lhes nada, os homens primitivos estariam à mercê de predadores caso não aprendessem, sozinhos, a fazer armas e a caçar. Isso também é criatividade.

E mais interessante, o cérebro em estado de criação, funcionalmente, assemelha-se muito ao cérebro em estado onírico (sonhando). O estado onírico é o mais criativo que existe no comportamento humano, pois aqui todas as barreiras são quebradas (vide o incrível filme A Origem), o cérebro deixa de lado a auto-monitorização normal, e o padrão de base da atividade cerebral assume o controle. 

Em resumo, façamos como os músicos de jazz, deixemos a criatividade fluir. 

O Poder do Sono

Artigo traduzido e adaptado de reportagem da revista Time Magazine, de 11 de setembro de 2014.

Quando deitamos, achamos que estamos desligando nossos cérebros, como desligamos nossos iPad's e computadores. Mas, ledo engano. É no momento que começa o sono, que o cérebro começa a trabalhar de um modo diferente de quando acordados. Ao invés da assincronia típica da vigília, os neurônios começam a trabalhar em sincronia, gerando pulsos elétricos que varrem todo o cérebro. Todas as informações armazenadas, aprendidas e recebidas durante o dia são analisadas nesse período, de um modo estonteante demais para entendermos. O cérebro ainda, durante o sono, checa o equilíbrio hormonal e de suas enzimas/proteínas, além de jogar fora todas as toxinas e detritos derivados do seu metabolismo diário.

O sono restaura a juventude cerebral. Se todos nós dormíssemos sete a oito horas todas as noites, teríamos melhorias importantes na nossa concentração, memória, na nossa capacidade de planejamento, além de que manteríamos nossos sistemas metabólicos aquecidos para queimar a gordura e regular o peso. Isso quer dizer que dormir bem evita perda de memória, ajuda a evitar o diabetes, a fadiga, a depressão, a ansiedade, e mesmo a doença de Alzheimer, a osteoporose e o câncer.

Mas conseguir essas horas de sono é que é dose. E as medicações que usamos para produzir sono não conseguem de modo algum duplicar os benefícios produzidos pelo sono normal. 

Cerca de 70 milhões de pessoas nos EUA somente não têm uma boa noite de sono regularmente (imaginem no mundo). E há uma tendência científica de considerar o sono uma prioridade na vida humana, bem diferente do que se acreditava antes. 

A falta de sono leva a sonolêncai durante o dia, o que pode parecer leve, se a sonolência for leve. Só que não!! Quase 40% dos adultos dos EUA cochilaram durante o dia em agosto, e 5% desdes o fizeram enquanto dirigiam automóveis. Insônia ou sono entrecortado aumenta as chances de doença em trabalhadores, e ainda piora a concentração (você, que é jovem, tem tido problema de memória ultimamente? Será que não é seu sono? Venho falando isso desde que o blog foi lançado, há 3 anos e meio).

E o pior, estes hábitos ruins de sono estão passando para as gerações posteriores. Nos EUA, 45% dos adolescentes não dormem as necessárias 9 horas por noite, e 1/4 destes chega a dormir em sala de aula pelo menos uma vez por semana. Daí, a Academia Americana de Pediatria sugerir começar as aulas dos ensinos secundário e colegial mais tarde, para permitir que os alunos durmam mais e melhor (imaginem isso aqui!).

O sono é o único momento em que o cérebro consegue "parar um pouco e pensar", por assim dizer. E se o sono não for adequado, o cérebro pode sucumbir em seus própriso produtos tóxicos, como radicais livres. Ou seja, dormir pouco leva você a viver pouco, ou viver com pouca saúde. Não adianta querer pular o sono para estudar, trabalhar ou baladar. Uma hora, o corpo e o cérebro vão cobrar isso de você.

E mais ainda, caso você ainda não esteja convencido. Sem o número necessários de horas de sono por noite, as células cerebrais acabam morrendo, vítimas de seus próprios produtos do metabolismo do dia-a-dia, entre eles os radicais livres, Ou seja, sem sono, você perde neurônios, para sempre!

Além do mais, sem sono, o cérebro não consegue trabalhar bem no dia seguinte, não consolida as memórias e não aprende direito. Consequência? Falta de memória, cansaço, fadiga e estresse. Um cérebro jovem sem sono pode, e eu disse pode, assemelhar-se ao de uma pessoa idosa. Que tal?

Outra coisa, a insônia nem sempre é consequência de estresses do dia-a-dia, mas pode ser causada por problemas pontuais da hora de dormir, como checar o celular, o smartphone, o Facebook, todas as horas, inclusive de noite. Encher nossos dias de atividades aumenta nosso estresse e diminui nossas horas de sono. E pior ainda, se enchermos nossas crianças de atividades sem tempo para dormir. Dormir com a TV no quarto é um ultraje, pois a TV vai funcionar como um atrativo, diminuindo o sono. A falta de sono aliada ao estresse aumenta a liberação de hormônios do estresse, como o cortisol. Além disso, as luzes artificiais que vêm das telas dos computadores e celulares atrapalha nosso relógio biológico. Ou seja, com tudo isso, acaba que nossos corpos não sabem mais, naturalmente, quando ir para a cama. 

Estudos recentes em modelos murinos (ratos) têm demonstrado que as células de suporte dos neurônios, as células gliais, viram uma bomba gigante quando o corpo dorme, diminuindo a atividade elétrica neuronal para 1/3 da frequência de pico. Isso faz com que os neurônios "diminuam de volume", fazendo com que o líquido que banha o cérebro, o líquor, banhe mais ainda o cérebro, levando lixo tóxico para fora do cérebro (o cérebro não contem vasos linfáticos, que são os "lixeiros" naturais do corpo; por isso, há a necessidade de outros meior para tirar esse lixo tóxico que é acumulado durante o dia). 

A falta de sono faz com que esse sistema seja menos eficiente, e com que mais lixo se acumule no cérebro. 

Estudos sugerem que, talvez, compensar as horas de sono perdidas com mais horas de sono em outros dias, como nos fins de semana, pode ajudar, mas não acaba com todos os danos qu a falta de sono acarreta. Mas essa prática ainda não pode ser recomendada, e portanto o Blog Neuroinformação não recomenda que isso seja feito. 

Se você depende de medicamentos para dormir, mesmo sabendo que o sono por eles produzido não é, nem de longe, igual ao sono natural, é melhor dormir do que não dormir. E portanto, caso haja necessidade médica do uso de tais medicações, elas devem ser tomadas conforme prescrição. 

Uma sugestão é expor-se o máximo possível à luz natural (luz do sol) durante o dia (o que, muitas vezes, é impossível pois vivemos em um mundo cheio de paredes e tetos), e diminuir ao máximo as luzes vindas de dentro de nossas casas, como das telas de computador e das TV's. E dormir sem nada, sem TV, iPad, iPod, iPhone, ou o que seja. 

Evitar cochilos durante o dia (se possível), e exercitar-se durante o dia para ficarmos cansados o suficiente durante a noite pode ser uma maneira de mantermos uma boa noite de sono. Criar um ritual de sono pode fazer com que sintamos necessidade dele, ao invés de considerá-lo uma obrigação, o que leva a estresse novamente. Um livro (um paciente meu conseguia dormir após ler algumas páginas da lista telefônica - não aconselho ninguém a fazer isso), um banho quente antes de deitar, ou outros modos de nos deixar sonolentos pode ajudar a conseguirmos uma boa noite de sono. Claro que em um ambiente calmo, escuro e sem preocupações. 

Evitar o sono é privar-nos a nós mesmos dos medicamentos endógenos mais importantes. 

Durma bem, portanto.

domingo, setembro 14, 2014

Espectro autista

Post adaptado do site Medlink Neurology.

No nosso segundo post sobre distúrbios psiquiátricos, vamos falar das desordens que fazem parte do espectro autista.

Entre 1908 e 1911, o psiquiatra suíço Eugen Bleuler usou o termo "autístico" para descrever uma forma de doença descrita por ele, a esquizofrenia.

O termo Autismo provem do grego "autos", ou seja, "a si mesmo". Em 1943, Leo Kanner, psiquiatra americano, descreveu termos relacionados ao autismo, como a solidão, a dificuldade de relacionamento com outros e os déficits de comunicação. Em 1944, o famoso pediatra austríaco Hans Asperger descreveu 4 crianças com dificuldades de interação social.

A definição atual de autismo e desordens do espectro autista passou por modificações desde a primeira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, o DSM, a Bíblia da psiquiatria, de 1952. De lá para cá, já somam-se 6 edições do DSM, a última sendo a 5ª edição, de 2003 (Há a 1ª, a 2ª, a 3ª, a 4ª, a 4ªrevisada (TR) e a 5ª). O DSM-IV-TR de 2000 traz o nome "Desordens Pervasivas do Desenvolvimento" (Pervasivo significa difuso), englobando o Autismo, a Síndrome de Asperger, Desordens de Desenvolvimento Não Especificadas, a Desordem Desintegrativa da Infância e a Síndrome de Rett.

O DSM-V engloba todas estas definições na Desordem do Espectro Autista, que passaremos a chamar de DEA. 

DEA  é uma desordem de desenvolvimento neurocognitivo caracterizada por prejuízo da comunicação e interação sociais, interesses isolados, comportamentos repetitivos, e hipo ou hiperatividade a estímulos sensoriais. Estes e outros sintomas podem começar a aparecer os 6 aos 18 meses de idade. Indicadores precoces incluem ausência de expressões de alegria, ausência de gesticulação, ausência de compartilhamento da alegria, ausência de resposta ao ser chamado pelo nome, e movimentos repetitivos do corpo, braços, mãos ou dedos.

Outras características observadas em crianças mais velhas são:

1. Falta de contato visual ou expressão facial
2. Falta de interesse em estar com outras crianças, prefere brincar só
3. Não se relaciona com amigos ou semelhantes da mesma idade
4. Não compartilha alegria e excitação ou conquistas com os outros
5. Indiferente às tristezas e sentimentos dos outros
6. Dificuldade de ver o ponto de vista do outro
7. Trata outros como objetos ou ferramentas (p.ex., usar a mão da mãe para virar a maçaneta)
8. Coloca os brinquedos em fila ou presta atenção somente em uma parte do brinquedo 
9. Não consegue imaginar o faz-de-conta
10. Interesse diminuído por jogos em grupo
11. Comportamentos estereotipados, como balançar as mãos, balançar o corpo ou girar em um mesmo lugar
12. Interesse extremo em assuntos isolados, como pontes ou trens
13. Estressa-se facilmente com pequenas modificações na rotina
14. Hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensitivos, como ruídos

Os indivíduos com DEA podem até afeiçoar-se a alguém ou desejar a interação social, mas falta-lhes as habilidades necessárias para isso. As crianças podem ter um desenvolvimento típico ou prejuízos significantes da linguagem, tanto para expressar-se como para entender. Os pacientes podem não se engajar em uma comunicação significativa, e podem não oferecer resposta verbal, o que leva a um prejuízo em manter um diálogo. A linguagem falada por ser estereotipada (ou seja, o paciente pode usar sempre as mesma palavras ou fraes) e pode apresentar ecolalia (ou seja, ele repete o que os outros disseram). 

Cerca de 33% das crianças com DEA têm algum tipo de prejuízo intelectual (retardo mental). Além disso, pacientes com DEA podem apresentar hiperatividade, impulsividade, falta de atenção (não confundir com TDAH, discutido no post anterior). Pode haver problemas de humor, afeto, e ansiedade, com medo excessivo ou medo de mudança. As resposta a ameaças podem ser inapropriadas (ou não reagem ou reagem de maneira excessiva). Surtos de agressividade ou de comportamento auto-mutilante (a criança lesa a si mesma), como morder-se ou bater a cbaeça na parede, podem ocorrer.

Cerca de 1/4 das crianças com autismo têm epilepsia, o que é muito maior que a frequência de epilepsia na população geral, com a maioria das crises começando após os 10 anos de idade. Além disso, essas crianças podem apresntar mais frequentemente constipação intestinal e problemas com alimentação (dificuldades em se alimentar ou comer somente alimentos escolhidos por elas). Dor abdominal, excesso de gases, diarreia e náuseas podem ocorrer com frequência, podendo estes sintomas estar associados a ansiedade excessiva. Por último, crianças com DEA podem ter insônia ou sono entrecortado (acordar várias vezes à noite), e aparentemente déficits de sono nestes pacientes associam-se a baixo escore de inteligência, dificuldades com linguagem verbal (uso de palavras para se expressar), dificuldades com habilidades do dia-a-dia, déficit de sociabilidade e outros problemas. 

A DEA é uma das doenças do desenvolvimento mais comuns em crianças, sendo que nos EUA, este complexo acomete 1 em cada 88 crianças, sendo mais comum em meninos que em meninas. A doença parece, pelos estudos, não ter preferência por classe social ou etnia. 

Não há uma causa única para o DEA, e através de estudos genéticos, cerca de 15 a 20% dos casos poderão ter uma causa documentada. Na maioria dos casos, a causa permanece desconhecida. Várias doenças neurológicas e não neurológicas podem levar a DEA, como a esclerose tuberosa (uma doença do sistema nervoso em que há a formação de tumores cerebrais e lesões típicas de pele, podendo estar associada a retardo mental e crises epilépticas), a síndrome do X frágil e anormalias dos cromossomos, além de várias outras doenças. 

Há concordância de 60% entre gêmeos monozigóticos e 0% entre gêmeos dizigóticos (ou seja, gêmeos idênticos compartilham a DEA em 60% dos casos, e gêmeos não idênticos compartilham raramente a doença), indicando a forte interação genética na determinação da doença. Mas provavelmente muitos são os genes envolvidos, o que torna o diagnóstico ainda mais difícil. Fora isso, filhos de pais com DEA têm 90% de chance de desenvolver a doença. 

Da mesma forma que com o TDAH (leia aqui), há anormalidades cerebrais que parecem se correlacionar com os casos de autismo e doenças correlatas. Estudos sugerem envolvimento dos lobos da parte da frente do cérebro (os lobos frontais) além da amígdala e do cerebelo. 

Bem, seu cérebro tem uma amígdala (não somente sua garganta, como um dos meus irmãos, há vários anos, pensou quando soube que havia uma doença cerebral que afetava a amígdala... cerebral!). A amígdala funciona juntamente com o sistema límbico, o sistema responsável, entre outras coisas, pelas suas emoções. Veja abaixo:


https://psych-brain-trust.wikispaces.com/file/view/amygdala_pic.jpg/261622100/amygdala_pic.jpg
A amígdala é a parte final de um núcleo cerebral muito importante, o núcleo caudato. Mas voltemos à DEA.

Há sugestão de alterações do córtex cerebral (aumento do volume de substância cinzenta) em várias regiões cerebrais como o lobo frontal, e diminuição do volume das partes mais posteriores do cérebro, os lobos occipital e temporal. É interessante que 1/3 dos autismas tem aumento do tamanho e do volume cerebral. 

Bem, falamos bastante coisa sobre o que é o autismo e as desordens relacionadas, seus sintomas, sua epidemiologia básica e as alterações mais simples encontradas nos cérebros de pacientes com essas desordens. E o diagnóstico? Como é feito?

Inicialmente, há a necessidade de afastarmos outras doenças, especialmente as que podem ser tratadas com mais facilidade. E para isso, há a necessidade de um neuropediatra ou um psiquiatra que conheça a doença, seus sintomas e os diagnósticos diferenciais, ou seja, as doenças que se parecem, mas não são. Entre os diagnósticos diferenciais de DEA, temos:
1. Surdez infantil
2. Desordens de desenvolvimento da linguagem
3. Retardo mental
4. Esquizofrenia
5. Transtorno obssessivo-compulsivo
6. Síndrome de tiques motores complexos (falaremos sobre isso em post posterior, mas há uma breve discussão sobre isso no post sobre TDAH).

Outros diagnósticos são complexos demais para serem discutidos aqui, especialmente por um neurologista.

E há exames para detectar DEA no meu filho(a)? Bem, vamos iniciar essa discussão da seguinte maneira:

O primeiro passo para um diagnóstico é a história da doença, desde os primeiros meses de vida. História de infecções da mãe durante a gestação, lesões que possam, porventuram, ter acontecido com a criança durante ou após o parto, meningite, encefalite na criança. Saber se há história familiar de autismo, doenças genéticas, desordens de desenvolvimento ou doenças psiquiátricas na família, especialmente em irmãos, é importante, pois como já discutido antes, pode haver hereditariedade.

O exame físico da criança passa por saber se há sinais neurológicos que indiquem uma doença, ou características físicas, especialmente da face, que falem a favor de alguma doença genética. Um exame mental da criança, checando interesses, relacionamento social e familiar, comunicação verbal e não verbal, imaginação, comportamentos estranhos ou anormais, dificuldades atencionais, agressividade, auto-mutilação. Há questionários apropriados para isso em consultórios especializados, orientados por médicos. 

Claro que outros exames podem ser feitos, mas para descartar outras doenças, como uma avaliação autidiva completa, testes genéticos quando indicados, um eletroencefalograma se houver história de crises epilépticas, pesquisa de aminoácidos e carboidratos na urina atrás de doenças do metabolismo. Ressonância magnética ou tomografia de crânio só devem ser solicitadas em casos específicos, quando há suspeita de lesão cerebral, exame neurológicos com sinais anormais, ou com indicação médica. 

Alguns pacientes com DEA pode ter vida social e profissional ativas. Há, inclusive, uma mulher de 67 anos, americana, portadora de autismo chamada Mary Temple Gradin, que mesmo com suas limitações, criadora de várias invenções na área da pecuária, especialmente um meio "humanizado" de abeter gado para carne. Com mais de 400 artigos publicados na área, Temple Gradin, inclusive, teve um filme sobre sua vida, lançado em 2010 (leia mais sobre ela aqui).

Há evidências que sugerem que intervenções intensas, tanto na área médica como na área cognitiva, com reabilitação, estímulos e tratamento médico, começando a partir dos 3 anos de idade (ou seja, com diagnóstico precoce) são um fator chave na promoção de resultados positivos em crianças com autismo, o que torna o prognóstico dessas crianças melhor que pensado antes. 

Estas intervenções quais são devem ser discutidas e comandadas pelo pediatra/neuropediatra/psiquiatra infantil que acompanha o paciente. 

O apoio familiar é muito importante no cuidado dessas crianças. Os pais e irmãos precisam conhecer a doença e o comportamento da criança, e muitas vezes há a necessidade de apoio profissional nisso. 

Por último, há medicações que podem ser usadas para melhorar a atenção e estimular a criança, ao mesmo tempo controlando seus impulsos e comportamentos agressivos. Mas essas medicações devem ser discutidas em consultório, com o especialista.

segunda-feira, setembro 08, 2014

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

Vamos neste tópico comentar o que o paciente e os familiares necessitam saber sobre o TDAH (na literatura inglesa, você verá essa condição com o nome de ADHD, por Attention Deficit and Hyperactivity Disorder). 

O TDAH é aparentemente, como clamam alguns pesquisadores, uma doença dos tempos modernos, haja vista a pouca significância dessa entidade em tempos anteriores a 1950, apesar de haver suspeitas de que personalidades que viveram anteriormente ao século XX (como o famoso compositor Wolfgang Amadeus Mozart) teriam tido a doença.

Em 2009, saiu na Science Daily uma pesquisa desenvolvida por um investigador canadense, que afirma ser o TDAH doença moderna ("a desordem psiquiátrica infantil mais diagnosticada hoje"), pois anteriormente a 1950, comportamentos mais exaltados não eram vistos como doença. No entanto, segundo o pesquisador, a recriação do sistema de educação americano levou à observação de que certas crianças eram mais hiperativas e desatentas que outras, o que levou a uma necessidade de tratá-las. Ou seja, o TDAH sempre existiu, mas antes era considerado parte da personalidade. Hoje, por motivos históricos, sociais e profissionais, é tido como uma doença.

De qualquer modo, o TDAH foi descrito pela primeira vez após a epidemia de encefalite letárgica, durante a década de 20 do século passado, tendo sido inicialmente considerado uma doença neurológica. Mas desde 1902 que certas características como hiperatividade, inatenção e outros sintomas do TDAH já eram conhecidos (link).

A observação de que certos sintomas relacionados ao TDAH eram vistos em sobreviventes da famosa encefalite letárgica, epidemia que afetou a população na década de 20, anos após a I Guerra Mundial e a famosa epidemia de gripe espanhola, levou pesquisadores nas décadas de 1930 e 1940 a relacioná-los a lesões cerebrais. Assim, crianças com os mesmos sintomas, mesmo sem evidência de qualquer dano cerebral, eram considerados como tendo lesões cerebrais (lembro que nesta época ainda não havia nem tomografia e nem ressonância magnética, e os melhores meios de diagnósticos eram a angiografia cerebral, ou seja, o cateterismo, e uma técnica em que se inflava ar dentro do cérebro para depois fazer radiografia do crânio, a pneumoencefalografia).

Com o passar do tempo, mais do que investigar causas, os pesquisadores começaram a prestar mais atenção aos sintomas do TDAH. Assim, foram descritos com mais detalhe a inatenção ou desatenção (sintoma predominante da doença), a inquietude e a hiperatividade além da impulsividade, apesar de que estes três últimos sintomas podem não existir em todos os pacientes. Devagar, formularam-se três subtipos dentro de uma mesma doença, o TDAH desatenção + hiperatividade/impulsividade, o TDAH desatenção isolado, e o TDAH hiperatividade/impulsividade isolado.

Mais do estes sintomas, o TDAH envolve malhas cerebrais relacionadas à incapaciade de inibir comportamentos, associando-se a problemas em um sistema cerebral importante, as funções executivas (Leia aqui).

O DSM é a Bíblia dos transtornos mentais. DSM significa Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais), e está na sua quinta edição, recentemente publicada (2013). Este manual permite o diagnóstico psiquiátrico com base nos critérios da Associação Psiquiátrica Americana (link). O DSM-V traz várias modificações quanto ao diagnóstico do TDAH em relação à edição revisada do DSM-IV (DSM-IV-TR) de 2000:
1. Idade em que a doença começa - entre 7 e 12 anos
2. Ao invés de subtipos, falaremos de apresentações
3. Há a necessidade de mais de um informante para o diagnóstico (não basta a mãe ou o pai, mas o professor, por exemplo, também deve ser ouvido, pois o TDAH manifesta-se em todos os ambientes em que a criança se encontra).

Os sintomas continuam os mesmos (claro!).

Os sintomas de TDAH são graus inapropriados e mal adaptados de desatenção, hiperatividade e impulsividade (há a necessidade de serem inapropriados, pois a criança poderá manifestar impulsividade, hiperatividade ou desatenção em atividades que levem ao aparecimento de tais comportamentos, ou onde eles sejam requeridos; no entanto, o aparecimento destes comportamentos maldapatativos em situações onde espera-se que a criança esteja quieta ou atenta indica a possibilidade do problema). Estes sintomas devem causar prejuízo clinicamente significante no funcionamento social, profissional, acadêmico ou familiar da criança (ou seja, devem ser sintomas, e não somente traços de comportamento).

Os sintomas devem começar antes dos 7 a 12 anos, e devem ocorrer em mais de dois ambientes que a criança frequenta (casa, escola, trabalho, locais de lazer), e devem persistir por mais de 6 meses. Deve-se provar que os sintomas não são somente comportamento de posição a ordens superiores (criança que desafia pais ou professores), hostilidade ou dificuldade de entender o que lhe é solicitado (como déficits de linguagem, como dislexia, surdez ou déficit mental). 

O TDAH é uma doença e não um sintoma, e portanto não deve ocorrer em outras doenças e não pode ser explicado por outra condição, como ansiedade, transtorno de humor ou de personalidade.

Sintomas, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria de 2013:

1. Desatenção: há a necessidade de 6 ou mais dos seguintes sintomas (5 ou mais para adolescentes mais velhos, para pessoas acima de 17 anos e adultos):

a. Dificuldade frequente em prestar atenção a detalhes ou realiza erros por descuido em assuntos escolares, no trabalho, ou em outras atividades (perde ou negligencia detalhes, o trabalho não sai como deveria)
b. Tem dificuldade frequente em manter a atenção em atividades ou no trabalho (especialmente em palestras, aulas, conversas ou quando lê por algum tempo)
c. Parece não ouvir quando lhe falam diretamente (ou seja, como se "estivesse nas nuvens", mesmo na ausência de uma distração óbvia)
d. Costuma, com frequência, não seguir instruções e falha em terminar trabalhos escolares, assuntos de casa, ou atividades no trabalho (começa um trabalho, mas rapidamente perde a atenção nele e facilmente se distrai)
e. Dificuldade frequente em organizar tarefas e atividades (dificuldade em gerenciar tarefas em sequência, em manter materiais e pertences em ordem ("bagunceiro"), trabalho desorganizado, pobre gerenciamento de tempo, não consegue respeitar datas e limites para entrega de trabalhos)
f. Com frequência evita, não gosta, ou reluta em participar de atividades que necessitam de esforço mental sustentado (trabalhos escolares, preparar relatórios, completar formulários, rever papeladas)
g. Perde coisas com frequência, geralmente materiais necessários para suas atividades (materiais escolares, lápis, livros, utensílios, carteiras, chaves, papéis, óculos, celulares)
h. Facilmente distraível por estímulos externos
i. Esquece, com frequência, de coisas nas atividades diárias (quando está realizando as tarefas de casa, esquece de retornas ligações, de pagar contas, de ir a encontros e reuniões)

2. Hiperatividade e impulsividade: há a necessidade de 6 ou mais dos seguintes sintomas (5 ou mais para adolescentes mais velhos, para pessoas acima de 17 anos e adultos):

a. Frequentemente inquieto, mexe-se na cadeira, mexe as mãos ou pés com frequência
b. Frequentemente levanta-se em situações onde espera-se que permaneça sentado (como na sala de aula, no escritório, etc.)
c. Corre ou escala móveis quando inapropriado, em crianças, e inquietude em adolescentes e adultos
d. Incapaz brincar ou praticar atividades de lazer de forma quieta e calma
e. Frequentemente "a mil", como se fosse "movido a motor", especialmente quando esperando por muito tempo, como em restaurantes, reuniões, salas de espera
f. Fala excessivamente
g. Responde de forma impulsiva mesmo antes de a pergunta terminar (termina a sentença de outras pessoas, não consegue esperar sua vez em diálogos)
h. Dificuldade de esperar sua vez
i. Interrompe, com frequência, ou se intromete em conversas de outrém. Pode usar coisas dos outros sem permissão. 

Os sintomas variam de acordo com o envelhecimento da criança (como podemos ver nos sintomas acima, muitos dos sintomas não se aplicam a todas as faixas etárias, e há variabilidade nos sintomas de acordo com a idade do paciente).

Em adolescentes e adultos, os sintomas de inatenção e hiperatividade podem ser menos pronunciados. Os sintomas são parecidos em ambos os sexos, mas as garotas têm menos desatenção e são menos agressivas que os garotos. 

Outros sintomas, que podem fazer parte de um quadro pré-desenvolvimento de TDAH ou acompanhar os sintomas de TDAH, mas não essenciais ao seu diagnóstico, podem aparecer, especialmente em crianças menores, como anormalidades dos movimentos finos dos dedos (crianças "desajeitadas"), tiques (movimentos repetitivos, ritualísticos, com uma sensação de necessidade de sua realização para alívio de alguma tensão interna, e que podem ser mais ou menos controlados por algum tempo; inclusive, a famosa síndrome de Gilles de la Tourette, de tiques motores e sonoros, pode vir acompanhada de TDAH), problemas de aprendizado, retardo na aquisição da linguagem, enurese (urinar na cama), imaturidade mental, desorganização, desinteresse na interação com outras pessoas da mesma idade, comportamento opositor ou desafiador (contra pais ou professores), estresse emocional, "pavio curto", instabilidade de humor, baixa tolerância a frustração. Esses sintomas podem ser mais problemáticos que os sintomas do próprio TDAH. 

Por último, TDAH é comum em crianças com epilepsia, o que sugere uma base neurológica para o transtorno de comportamento. 

A causa do TDAH é desconhecida, e múltiplas causas são possíveis. Doenças infecciosas, traumáticas e tóxicas afetando o cérebro em crianças, além de doenças genéticas, podem causar TDAH. Aparentemente, fumo durante a gestação, obesidade materna pré-gestação, e pré-eclâmpsia, além de estresse durante a gestação parecem ser fatores de risco para o TDAH (123). 

O TDAH parece ser uma doença hereditária em boa parte dos casos, e estudos familiares apontam para um forte componente genético. Cerca de 25% dos familiares de primeiro grau de pacientes com TDAH têm déficit de atenção. Há anormalidades de substâncias cerebrais, os neurotransmissores, e entre eles o mais cotado, inclusive com estudos demonstrando anormalidades de receptores e genes relacionados a estas substâncias, é a dopamina.

Vários estudos de imagem cerebral têm sido feitos nestes pacientes, além de eletroencefalogramas (EEG). Os achados entre os estudos são inconsistentes, e não há certeza nos dados oferecidos por estes estudos. Mas parece haver diminuição do volume da substância cinzenta, o córtex cerebral, e da substância branca subjacente em pacientes com TDAH, e mesmo em seus irmão sem os sintomas. Há diminuição de volume da parte anterior do córtex cerebral, o córtex frontal, especialmente de sua porção pré-frontal dorsolateral (demonstrada abaixo), responsável pelas funções executivas (atenção, abstração, memória operacional, planejamento, flexibilidade mental, inibição de respostas inapropriadas), do globo pálido, do núcleo caudato (estes fazendo parte dos núcleos da base, e entre outras funções, auxiliando o córtex frontal nas funções exxecutivas e no equilíbrio das funções motoras), do corpo caloso (já discutido neste blog aqui), e mesmo do cerebelo. 


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Acima o córtex pré-frontal dosolateral e os núcleos caudato e pálido. 

É interessante que alguns estudos demonstram que essa diferença de volume entre estruturas cerebrais de pacientes com TDAH e pessoas "normais" pode melhorar com o passar da idade. Ou seja, parece que o córtex e estas estruturas evoluem mais tardiamente. E o tratamento com as medicações "pode" afetar o volume das estruturas estudadas, melhorando-os (4).

Estas anormalidades, deve-se salientar, não são visualizadas em exames que se pede rotineiramente, como tomografia e ressonância magnética, mas em testes utilizados em estudos clínicos, e qualquer medida nesse sentido em pacientes clínicos de consultório não pode ser considerada 100% fidedigna. Logo, estes achados devem permanecer, pelo menos por enquanto, no campo da ciência somente. 

Em termos de funcionamento cerebral, pessoas com TDAH parecem ter menos ativação de estruturas cerebrais profundas que se comunicam com o córtex frontal (o estriado, que pode ser visto na figura acima como a junção do núcleo caudato e o núcleo lentiforme), além de disfunção do lobo frontal e de áreas mais posteriores. Parece haver diminuição do metabolismo destas áreas em estudos direcionados para estas medidas, inclusive como diminuição do número de receptores de dopamina no estriado (o que pode estar relacionado a uma menor ativação deste núcleo, e menor ativação de suas importantes conexões com o lobo frontal). E este padrão de hipometabolismo parece ser maior em garotas com TDAH (56). Estes achados, como os anteriormente analisados, devem ser vistos à luz da ciência, e não há como ter certeza disso em exames solicitados em consultório.

Ou seja, mais do que uma doença psiquiátrica, parecem haver anormalidades do metabolismo/função e da estrutura de núcleos e áreas cerebrais que ultrapassam as vias frontais, estendendo-se a outras regiões, e com aparente atenuação com o tratamento, sugerindo ser o TDAH uma doença que se localiza na intersecção entre neurologia e psiquiatria.

Estudos demonstram que o TDAH tem uma prevalência (quantidade de pessoas afetadas por certo número de habitantes, em geral 100,000 habitantes) de 7.4% a 16% (ou seja, muito prevalente). No entanto, apesar da frequência elevada, menos da metade dos casos, conforme outros estudos, é diagnosticado da forma correta, e portanto menos da metade dos casos recebe o tratamento apropriado. Estudos demonstram que o TDAH é mais comum em garotos. 

O diagnóstico do TDAH não é fácil, mas não será dado se não pensarmos nele. Mas há outras doenças que se parecem com ele, e que devem ser afastadas. Por isso, há sempre a necessidade de uma avaliação psicológica, psiquiátrica e psicopedagógica destas crianças. Déficits de aprendizado, como dislexia, retardo mental leve, desordens de desenvolvimento da linguagem, surdez infantil, desordens de humor, ansiedade, transtornos dissociativos ou de personalidade podem parecer TDAH em uma primeira avaliação. No entanto, estes transtornos podem existir conjuntamente com o TDAH, e devem ser classificados e separados deste. 

O diagnóistico da doença pe clínico primariamente, e deve ser basear nos critérios propostos acima, em entrevistas direcionadas com a criança e pelo menos dois cuidadores ou responsáveis (pais e/ou professores), questionários estruturados apropriados para a pesquisa da doença, validados em estudos feitos no Brasil, observação da criança e medidas através de escalas de avaliação. 

Uma história clínica completa da criança a procura de fatores de risco, inclusive durante a gestação da mesma, exame físico e neurológico a procura de sinais que possam direcionar para uma doença ou uma lesão específica, auxiliam na diferenciação do TDAH de outras doenças e na solicitação de exames. 

Em adolescentes e adultos, a avaliação da performance acadêmica e profissional pode demonstrar dificuldades em alcançar metas e conseguir superar obstáculos normais na evolução do aprendizado e da vida profissional. Crianças com TDAH podem ter dificuldade para ler (dislexia) e de escrever (disgrafia), e mesmo discalculia (dificuldades com cálculos matemáticos). 

Uma avaliação interessante, e necessária, nestes pacientes é a avaliação neuropsicológica, feita por psicólogo treinado em avaliação das funções cognitivas e da inteligência. Mas peformance normal nestes testes não afasta TDAH. 

Exames de sangue, tomografia e/ou ressonância magnética de crânio ou EEG devem ser solicitados somente se houver suspeita de outras doenças que possam estar mascarando-se como ou acompanhando o TDAH, e não servem, como já falado anteriormente, para o diagnóstico do TDAH.

Claro que no TDAH, como em qualquer outra doença, quanto mais cedo se diagnosticar e tratar, melhor. O não tratamento pode acarretar problemas escolares, dificuldades profissionais, transtornos de personalidade, e mesmo uso de drogas (em um estudo de 1993, 16% dos pacientes com TDAH possuíam transtornos de abuso de drogas (8)) e comportamento criminal. 

A hiperatividade diminui com o avançar da idade. O tratamento, segundo vários estudos (que, no entanto, são breves e cuja maioria não acompanhou os pacientes por tempo mais longo que 2 anos) leva a melhora no funcionamento social, acadêmico e profissional, menos acidentes de carro, melhores habilidades sociais (e portanto melhor inteligência emocional) e melhor auto-estima. 

TDAH leva a mais acidentes de carro e a mais multas no trânsito, algo que, conforme visto acima, melhora com o tratamento. 

O tratamento do TDAH baseia-se no uso de estimulantes, que acentuem o metabolismo do lobo frontal e melhorem as funções executivas e a interação entre a região frontal e os núcleos profundos cerebrais, com melhora motora, melhora da agressividade e da impulsividade, além do comportamento e da relação social. Claro que estas medicações têm efeitos colaterais e não devem, NUNCA, ser utilizadas sem prescrição e orientação médica. Os estimulantes mais usados são as anfetaminas e o metilfenidato, mas há também a atomoxetina. Discuta os efeitos colaterais destas medicações, qual a melhor medicação para si ou seu filho(a)/irmã(o), e doses com o médico que assiste o paciente.

Mas não há, somente, o tratamento medicamentoso. O tratamento comportamental pode ser útil, associado ao uso de medicações específicas. A assistência pedagógica, treinamento dos pais (sim, os pais de pacientes com TDAH necessitam saber lidar com seus filhos, pois muito dos problemas familiares, e mesmo agressões dentro de casa, podem começar por uma dificuldade de entender/manejar o comportamento da criança ou adolescente; fora que isso pode melhorar o estresse dos pais), terapias de grupo, podem auxiliar no tratamento. 

Há várias outras medicações, entre antidepressivos, antiepilépticos e outras que podem ser usadas para tratar outros problemas relacionados ao TDAH. 

Em crianças pequenas, a primeira linha de tratamento é a terapia comportamental, pelos efeitos colaterais das medicações nesta faixa etária. Mas há indicações patra o uso de medicações nestas crianças, e isso deve ser discutido com o médico que assiste o paciente. 

Outros tratamentos, como treinamento cognitivo com neuropsicólogo, intervenções organizacionais (pedagógico e psicológico) para auxiliar o paciente a melhorar a atenção e a organização, esquema de atividades físicas auxiliadas por profissionais, e outras técnicas podem (eu disse podem) ser úteis.

Por fim (ufa!), tratamento do TDAH dos pais parece ser parte importante do processo de tratamento do TDAH dos filhos.