quinta-feira, dezembro 25, 2014

Narcolepsia

O nome narcolepsia vem do grego nárke = narco, estupor, sonolência + lepsis = lepsia, crise (fonte). A narcolepsia é uma doença caracterizada classicamente por desejo extremo e súbito de dormir. Mas há outras características da narcolepsia que talvez vocês são saibam.

Já há séculos que a sonolência excessiva (a pessoa que dorme muito durante o dia e à noite) tem sido observada. Dante Alighieri, grande mestre da literatura italiana e unificador da língua italiana do século XIII, possuía sonhos, sono excessivo e quedas que podem tersido causados por narcolepsia. Os sintomas de queda e perda do tônus, da força normal em repouso dos músculos, foram descritos cientificamente em 1877 e 1878 por dois médicos, Westphal e Fischer. 

O nome narcolepsia foi criado por Gerlineau em 1880 para descrever as crises de ataques de sono e fraqueza muscular após fortes emoções em um homem de 38 anos de idade.

Os episódios de perda de tônus, de queda e de perda da força muscular que ocorrem nos pacientes com narcolepsia após intensas emoções, ou cataplexia, foram descritos por Lowenfeld em 1902. Já a paralisia do sono, outro sintoma da narcolepsia e que relaciona-se a uma incapacidade de se mexer ao acordar juntamente com um aperto no peito, foi descrita por Kinnier Wilson em 1928. 

Em 1957, Yoss e Daly juntaram todos os sintomas em uma síndrome. Descreveram a narcolepsia como uma tétrade de halucinações (ao acordar ou ao despertar), paralisia do sono, sonolência excessiva e cataplexia. 

As bases fisiológicas da narcolepsia começaram a ser melhor caracterizadas em 1960, com o estudo do sono e das fases do sono. Nesse ano, Vogel relatou que uma fase normal do sono que, normalmente, iniciar-se-ia somente após 120 minutos do início do sono, mas que nos pacientes com narcolepsia já começava com o instalar do sono, o famoso sono REM, ou Rapid Eye Movements Sleep (Sono com Movimentos Rápidos dos Olhos), que é justamente a fase do sono onde o corpo fica paralisado, atônico, sem tônus. 

Em 1999, descobriu-se uma base biológica e autoimune para a narcolepsia e descobriu-se depois que os pacientes com narcolepsia tinham falta ou diminuição de uma substância chamada de hipocretina ou orexina em uma região do cérebro chamada de hipotálamo. 

A narcolepsia caracteriza-se por sonolência diurna excessiva, que é em geral o primeiro sintoma a ocorrer. A sonolência ocorre mesmo quando não há insônia noturna, o paciente dorme bem, e mesmo assim tem crises irresistíveis de sono. Esse conceito serve para fazer diagnóstico com a causa mais comum de sonolência diurna excessiva na população, a falta de sono durante a noite, quer por insônia, quer por turno noturno de trabalho.

A cataplexia, como quedas, perda de tônus de braços, pernas, língua, pescoço ou dificuldade para falar, após emoções boas ou más ou sustos, costuma ocorrer juntamente com a paralisia do sono e as alucinações do sono. 

A doença começa devagar, entre a segunda e terceira décadas de vida, e afeta tanto homens como mulheres. 

O paciente sente, durante o dia, crises irresistíveis de sono, especialmente em situações entediantes, podendo ser melhorados temporariamente por atividade física e mental. Crises de comportamentos bizarros com amnésia para estes fatos podem ocorrer. 

A cataplexia, que pode não ocorrer em todos os pacientes, pode durar segundos a minutos, com recuperação completa. Os olhos e a respiração não são afetados. Pode ocorrer de 1 ou 2 vezes por ano a várias vezes ao dia. 

As alucinações podem ocorrer ao adormecer ou ao despertar. Podem levar a medo intenso, pois podem simular presença de entes, pontos em locais do quarto que aumentam e diminuem ou outras visões. Em um livro muito interessante sobre alucinações e experiências alucinatórias outras, Oliver Sacks traça um perfil clínico e histórico dessas alucinações (leia mais aqui).

Já a paralisia do sono, descrita desde a Idade Média, relaciona-se a uma incapacidade de se mexer que ocorre ao acordar ou ao despertar, e que assusta muito o paciente.

A narcolepsia não vem só, e pode ocorrer com mais de um transtorno de sono. Insônia noturna e sono agitado podem ocorrer.  

Mais de 85% dos pacientes caucasianos e japoneses com narcolepsia têm alterações em proteínas que se relacionam à narcolepsia, o que sugere uma base genética. Mas há gêmeos descritos que não compartilham as mesmas alterações genéticas, o que sugere que há mais coisas necessárias para o desenvolvimento da doença, em especial fatores ambientais e lesões cerebrais. Aliás, lesões cerebrais na base do crânio podem levar um paciente antes saudável a desenvolver narcolepsia.

A doença é causada pela perda de neurônios hipotalâmicos que possuem um neurotransmissor chamado de hipocretina ou orexina, talvez por destruição autoimune genética ou adquirida.  

A narcolepsia é rara, afetando 0.026% a 0.047% da população da Europa. A doença pode começar antes dos 10 anos de idade, ou após os 50 anos de idade, mas em geral é mais comum entre os 20 e 30 anos.  

O diagnóstico depende do conhecimento médico (suspeitar da doença). Ou seja, uma história clínica bem feita é essencial. O exame neurológico em casos primários, sem causa definida ou genéticos, é normal. O teste de escolha para o diagnóstico é a Polissonografia, em que o paciente dorme monitorizado em um quarto de laboratório especializado. Com esse exame, o médico afasta outras possibilidades que podem se confundir com o diagnóstico de narcolepsia. Já o Teste de Latências Múltiplas do Sono, feito no dia seguinte à Polissonografia, demonstra a intrusão precoce do sono REM no sono.

O Teste de Manutenção da Vigília é outro meio de diagnóstico em que o paciente é solicitado a ficar acordado em períodos de 40 minutos. 

Recentemente, a dosagem de hipocretina/orexina no líquor de pacientes tem sido descrito como outro meio de diagnóstico da nercolepsia. 

Exames de imagem como tomografia e ressonância em pacientes com narcolepsia primária, sem causa, são normais. 

A narcolepsia não é uma doença que deva ser deixada de lado, mas deve ser investigada e tratada, pois pode ocasionar sérios riscos ao volante, no trabalho, e prejudicar o desempenho escolar e profissional, além de levar a depressão e ansiedade.  Como a doença é para a vida toda, e raramente os pacientes se curam, o tratamento deve ser feito com uso de medicações contínuas.

Há medicações utilizadas para o tratamento, e que devem ser administradas por neurologistas especialistas e conhecedores da doença e dos efeitos colaterais das medicações prescritas.

Fiz o exame do líquido da espinha e fiquei com dor de cabeça. E agora?

Primeiro, seria bom você entender para que serve esse exame tão importante que é a coleta do líquido da espinha, um exame antigo, mas que auxilia em muito na investigação de doenças neurológicas. Há um post sobre isso no blog.

Leu o post? Ótimo se leu. Se não leu, vá lá, leia (é pequeno), e depois volte aqui.

Algumas pessoas (ao redor de 20 a 30% dos pacientes que colhem o líquor) acabam ficando com uma dor de cabeça que começa no segundo dia ou terceiro dia após a coleta do líquor, e dura de 1 a 5 dias em média. Essa dor de cabeça é benigna, não leva a problemas sérios na maior parte das vezes, melhora quando o paciente deita, e  piora, por vezes imediatamente, quando o paciente senta ou levanta.

Aliás, quando você for se consultar sobre uma dor de cabeça, você tem de dizer tudo o que sente para o médico. E dizer se a dor de cabeça piora ou melhora com uma posição é importante, pois isso ajuda no diagnóstico.

Vamos voltar. A dor pós coleta de líquor (que chamaremos agora de cefaleia pós-raqui) é comum, benigna e não é difícil de tratar. Pode ocorrer após exames de coleta de líquor e após anestesias espinhais (raquianestesias).

O que piora a cefaleia pós-raqui? Além de ficar em pé ou sentado, tossir, espirrar, defecar e rir podem piorar a dor. 

Em geral, a dor necessita de repouso (sem esforços, carregar nada de pesado) e hidratação na veia em hospital. O médico que atende o paciente pode usar analgésicos que podem diminuir a dor. Recentemente, o uso de café tem sido advogado como útil no tratamento dessa dor (café preto), pelos efeitos do café sobre os vasos cerebrais e sobre a produção de líquor. No entanto, o blog Neuroinformação aconselha o uso de café somente após orientação médica, pois o uso desmedido dessa substância pode levar a insônia, ansiedade e taquicardia. 

Há um tratamento chamado de blood patch, que quer dizer, literalmente, emplastro de sangue. Está indicado nos casos mais severos e refratários (que não respondem ao tratamento) de cefaleia pós-raqui. O procedimento é médico, geralmente feito por um anestesista, orientado por médico, e consiste na retirada de 15 a 20 ml de sangue do paciente e colocação no espaço sobre o local onde foi feita a punção.

Quando fazemos a punção lombar, pode ficar um pertuito, um canal por onde pode passar líquor para fora do espaço normal. Essa seria a explicação mais plausível para uma cefaleia pós-raqui. A colocação de sangue no espaço sobre esse pertuito permitiria aos fatoers de coagulação presentes no sangue fechar esse espaço, permitindo uma recuperação do paciente.

O blood patch só está indicado nos casos em que os sintomas não melhoraram com o tratamento medicamentoso. Se for indicado, seu médico lhe explicará os motivos e riscos do procedimento. 

 

segunda-feira, dezembro 08, 2014

O beta-amiloide e a doença de Alzheimer

Notícia tirada do site da Universidade de Stanford e traduzida livremente para o blog Neuroinformação.

Cientistas da Universidade de Stanford mostraram como o fragmento de uma proteína chamada de beta-amiloide, fortemente implicada na doença de Alzheimer,  começa com a destruição de sinapses (as ligações entre os neurônios) antes de se juntar em grupos que se depositam nos neurônios e os levam a morte.

Na doença de Alzheimer, paralelo à destruição celular, há perda das conexões, as sinapses, o que leva a perda das funções mentais progressivamente. Mas cientistas descobriram que a doença começa a se manifestar muito tempo antes da formação das famosas placas senis de beta-amiloide no tecido cerebral. 

O estudo, conduzido em camundongos e em humanos, foi publicado na famosa revista científica Science, de 2013. 

O amiloide é uma proteína que deriva da proteína precursora do amiloide (APP), uma proteína achada normalmente nas membranas das sinapses neuronais, e cuja função parece ser a regulação da formação dessas sinapses e auxílio na neuroplasticidade (a capacidade do sistema nervoso central de se reinventar constantemente, em resumo). A forma beta do amiloide (beta-amiloide) é gerada a partir da ação de proteínas chamadas de secretaes (alfa, beta e gama secretase) sobre a APP. 

O beta-amiloide (bA) começa como moléculas isoladas que, pela sua forma pregueada (beta), tendem a se agrupar, inicialmente em pequenos agrupamentos que podem atravessa o cérebro, pois são solúveis em água, e posteriormente em agrupamentos maiores, insolúveis, as placas de amiloide, a base patológica da doença de Alzheimer.


http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fb/Amyloid-plaque_formation-big.jpg/800px-Amyloid-plaque_formation-big.jpg
Essa forma em placas do beta-amiloide pode se ligar a receptores (moléculas localizadas na membrana celular) nas células do sistema nervoso, colocando em movimento processos dentro da célula que levam à destruição das sinapses.

A falta de uma proteína de membrana próxima às sinapses (para a ligação com o amiloide) em camundongos levava a maior resistência à quebra e perda das sinapses. Esta proteína, chama de PirB, tem alta afinidade pelo beta-amiloide na sua forma solúvel, em pequenos agrupamentos.  Essa proteína normalmente impede o fortalecimentos das sinapses, e leva a seu enfraquecimento, algo que normalmente ocorre no sistema nervoso normal (sinapses devem ser remodeladas, enfraquecidas e fortalecidas, para evitar consequências, como por exemplo crises epilépticas). Mas essa proteína também pode predispor a problemas de memória.

No cérebro humano, há um receptor parecido com o PirB, o LilrB2. E há uma proteína chamada de cofilina que aparentemente participa dessa ação ao ser excitada pela ligação entre o receptor e o beta-amiloide. 

Qual o significado prático disso tudo? Ainda não sabemos, mas por ora, e com a nova descoberta feita esses dias, podemos estar mais próximos de uma cura para a doença de Alzheimer.

quinta-feira, dezembro 04, 2014

Colher especial para pacientes com doença de Parkinson

Este post não é patrocinado

A Liftlabs Design, empresa recentemente adquirida pelo gigante Google, lançou no mercado a Liftware, utensílio de alimentação que possui sensores que detectam e anulam até 70% dos tremores em pacientes com doenças como a doença de Parkinson.

O utensílio, que de acordo com o site pode se tornar uma colher ou um garfo, tem sido utilizado por vários pacientes, com bons resultados (veja o site da empresa e os vídeos apresentados por ela aqui).

O site da www.fastcodesign.com diz que a tecnologia utilizada na colher é a mesma utilizada nas câmeras digitais e de smartphones para estabilizar a imagem na lente. A colher contra-ataca o tremor produzindo ondas de frequência semelhante que anulam mais da metade das ondas produzidas pelo tremor das mãos do paciente. Claro que há uma série de processadores e chips dentro da base da colher para analisar o tremor, identificá-lo e traçar a melhor estratégia de combatê-lo.

Agora, quando esta colher virá ao Brasil? 

Já há várias postagens dessa novidade tecnológica em língua portuguesa. De acordo com o site www.kilobyte.com.br, o valor da colher seria inicialmente de 295 dólares (cerca de 770 reais mais impostos) e já está disponível desde setembro de 2014.

Chequem esse outro site por mais informações.




sábado, novembro 22, 2014

Doenças Huntington-like

Para entender este post, antes leia o post sobre a Doença de Huntington

O que são doenças de Huntington-like? São doenças que se parecem com a doença de Huntington (DH), mas obviamente não são. O diagnóstico é afastado por conta da ausência da mutação característica da DH, no braço curto do cromossomo 4 (observe abaixo).
http://www.news-medical.net/image.axd?picture=2010%2F4%2Fa04chr.jpg
Acima encontramos um esquema do cromossomo 4, com seus dois braços, o curto (acima) e o longo (abaixo). Todo cromossomo tem seu braço curto e longo. Vemos que há vários genes que produzem várias doenças diferentes, e que se encontram neste cromossomo. E o local da mutação da DH está no extremo do braço curto (lá em cima). Com testes genéticos específicos, é possível dar o diagnóstico através do achado desta mutação. Quando há o fenótipo, ou seja, a clínica de DH, mas a mutação não é encontrada (e a DH é, talvez, a única doença genética neurológica que é causada por uma única mutação), dizemos que o paciente possui uma doença de Huntington-like, ou DHL. Há 4 formas clássicas de DHL, numeradas de 1 a 4, mas várias outras doenças podem simular a DH, e serão somente comentadas aqui.
 
A DH é rara, mas as DHL são ainda mais raras, sendo que dos casos de DH estima-se que 1% a 7% sejam DHL. Os casos de DHL podem ser classicamente parecidos com a DH, ou seja, coreia com alterações comportamentais e mentais, ou podem apresentar quadros diferentes, como uma síndrome parkinsoniana (ou seja, que se parece com a doença de Parkinson, com lentidão, rigidez e tremor de repouso), ou uma síndrome de contração muscular involuntária mantida, ou seja, uma síndrome distônica. Pode acometer adultos ou jovens, e mais raramente crianças. 

As DHL's podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, mas há exceções. A DHL2 é achada quase que exclusivamente em pacientes de ancestralidade sulafricana (com exceção de uma única família brasileira de ascendência portuguesa e espanhola, ou seja, caucasiana). A  mutação aqui é bem diferente da da DH (ocorre em um gene que codifica uma proteína, chamada de junctofilina-3). 

A DHL2 é muito parecida com a DH, inclusive na idade de início e nas características clínicas como coreia. Inclusive as alterações na ressonância magnética (veja no post anterior sobre DH) são muito semelhantes às alterações causadas pela DH. 

Em pacientes japoneses, há uma doença rara (e que, apesar de ser quase que exclusiva de pacientes japoneses, foi descrita recentemente também no Brasil em uma família de caucasianos), chamada de atrofia dentato-rubro-pálido-luysiana (DRPLA) (Ufa!). Há várias outras doenças que se parecem com a DH, e que podem ser classificadas como DHL. 

Há outro grupo raro de doençças (e que eu já vi em três pacientes jovens) que são as síndromes de neuroacantocitose, onde há manifestações neurológicas, como coreia e movimentos involuntários da boca e língua, com alterações comportamentais e mentais e alterações das células vermelhas do sangue, que ficam cheias de espículas, virando acantócitos. Há duas doenças clássicas deste grupo, a córeo-acantocitose e a síndrome de McLeod. 

Há outra doença, mais comum em crianças e jovens, que aparece como dificuldade progressiva da marcha e da fala, com distonia a parkinsonismo, que é a degeneração relacionada à pantotenato-kinase, ou PKAN (antigamente chamada de doença de Hallervorden-Spatz). E uma doença tratável e que pode se assemelhar, pelo menos inicialmente, à DH é a Doença de Wilson, que se caracteriza por depósitos de cobre no corpo (leia sobre ela aqui).

Bem, há doenças que se parecem com a DH, mas não são a DH, como já visto. E entre elas, a mais recentemente descrita é a DHL4, que na verdade é uma ataxia, a ataxia espinocerebelar tipo 17 (há mais de 30 tipos de ataxias espinocerebelares, ou SCA's). Mas o que é ataxia? Veja um breve comentário sobre isso aqui. A SCA17 relaciona-se a outro gene completamente diferente da DH, e se caracteriza mais pela ataxia cerebelar, mas pode haver distonia e coreia, como na DH. 

A HDL1 é uma doença priônica (doença priônica??? Bem, leia sobre isso aqui). Uma característica dessa doença é a presença de crises epilépticas, algo que não ocorre na DH, ou se ocorre, o faz raramente. A HDL1 é muito, mas muito rara, foi relatada em somente uma família até agora, e relaciona-se à mutação de uma proteína que todos nós temos, a proteína priônica, ou PRNP, que é decodificada a partir do gene da proteína priônica. Não tem nada a ver com a famosa doença da vaca louca, ou a doença de Creutzfekdt-Jacob. 

Já a DHL3 ocorre em crianças, e foi descrita em duas famílias da Arábia Saudita. De acordo com o Genetics Home Reference (base de dados genética da US National Library of Medicine), a DHL3 provavelmente não será mais incluída como DHL por conta de diferentes padrões genéticos e clínicos.

De todas as DHL's a mais comum é a DHL4, e depois é a DHL2.

E como fazer o diagnóstico?

Primeiro, claro, há a necessidade de um neurologista que conheça as doenças mencionadas acima e seja especialista na área. O diagnóstico começa com a história e o exame neurológico. 

Exames de sangue, quando indicados, podem ser solicitados pelo médico.  O diagnóstico da doença de Wilson, com a medida da ceruloplasmina e do cobre na urina de 24 horas, além do achado do anel de Kayser-Fleischer (veja no post sobre doença de Wilson, referido acima), deve ser feito nos pacientes com suspeita da doença, pois é condição tratável. 

Exames de imagem, como a ressonância magnética, devem ser solicitados de acordo com indicação clínica, e podem servir como meio de diagnosticar certas doenças que se parecem com a DH. 

Já os testes genéticos só devem ser solicitados sob orientação do médico que assiste o paciente.


quarta-feira, novembro 19, 2014

Doença de Huntington

A doença de Huntington (DH), previamente conhecida como Coreia de Huntington, é uma doença neurodegenerativa, sendo a causa mais comum de coreia hereditária no mundo. Mas vamos logo falar o que é isso. Antes, vamos a um pequeno histórico da doença.

Em 1872, um médico inglês, pertencente a uma longa família de médicos, George Huntingon, descreveu a doença que leva seu nome como um misto de coreia (movimento involuntário aleatório, sem padrão algum, que pode acometer um ou mais membros do corpo, cabeça e língua) e alteração mental. 

Suas características patológicas, ou seja, o que pode ver no cérebro de um paciente com a doença, só foram descritas a partir de 1896, e inclusove o famoso médico Alois Alzheimer contribuiu para essa definição. Já o gene responsável (sim, a DH é causada pela mutação de um único gene) foi descoberto em 1983.

Para quem gosta de história da medicina, sugiro o livro The Woman Who Walked Into The Sea, escrito por uma familiar de um paciente com DH, e que conta não somente a história da doença, mas os avanços nas pesquisas em relação à sua cura. Também, há 3 meses, saiu um suplemento da famosa revista Movement Disorders, e que traz artigo relacionados a novidades a respeito das causas e possibilidades de tratamento da doença.

Bem, vamos à doença:

A DH é uma doença de caráter hereditário, cuja idade de instalação é variada, mas com média de 40 anos (há relatos de início desde os 2 anos aos 80 anos de idade), e que se manfesta como coreia, geralmente generalizada, alterações de cognição e de comportamento, podendo haver depressão associada. 

A caractetrística patológica mais marcante é a degeneração do núcleo caudato, uma estrutura que fica no centro do cérebro (veja abaixo).
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c3/Caudate_nucleus.png
Nas imagens de RM ou TC crânio, o caudato aparece da seguinte maneira:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRPXDQsErfSfLCYtPA-_OdO4Ih2ZANgMMteaxQLR3DzzO1Sr2zl
Em um espécimen patológico (cérebro), o núcleo caudato aparece assim:

http://library.med.utah.edu/WebPath/jpeg5/CNS263.jpg
 O núcleo caudato é essa massa que faz pressão sobre a área aberta do cérebro, o ventrículo lateral. Compare com o cérebro de um paciente com DH:

http://neuropathology-web.org/chapter9/images9/9-HD.jpg
 Uma imagem vale mais do que mil palavras.

Voltando.

A coreia pode ser o primeiro sintoma, e é geralmente o que mais chama a atenção no diagnóstico do paciente. Lentidão, contrações involuntárias (distonia) e mesmo sinais de parkinsonismo (rigidez, lentidão) podem aparecer. Quedas são comuns, especialmente nos casos mais graves e avançados. 

As formas em pacientes jovens são caracterizadas mais por um quadro parkinsoniano, ou seja, tremor de repouso, rigidez e lentidão, havendo também as alterações mentais e de comportamento. Epilepsia pode acontecer nesses casos. 

Nos casos mais avançados, a coreia começa a diminuir, e aparecem contrações musculares sustentadas e mantidas, as distonias. 

Algo interessante é a perda de peso que os pacientes sforem, muitos emagrecendo bastante. Os estudos sugerem que os pacientes com DH têm gastos de energia em repouso maiores do que pacientes sem a doença, o que parece aumentar com a duração da doença. 

Sintomas psíquicos ocorrem frequentemente. Depressão é a manifestação mais comum, podendo estar acompanhada de irritabilidade e surtos de agressividade. Apatia e alterações de personalidade podem ocorrer. 

O declínio das funções mentais (demência) ocorre em todos os pacientes, mais ou menos intenso que o quadro motor. 

A doença e causada por uma mutação de um gene no cromossomo 4, mas não acomete todos os filhos de um paciente com a doença. O gene normal produz uma proteína chamada huntingtina (HTT). O gene é formado por repetições de três nucleotídeos (as proteínas que formam o DNA) (ou seja, um trinucleotídeo) que se repetem normalmente em até 35 repetições. São estes a Citosina, a Adenina e a Guanina (CAG). Em pacientes com a DH, esdtas repetições se acumulam em números acima de 35 (geralmente ocorre em pacientes com repetições acima de 39). 

Mas o que leva à doença a partir dessa alteração genética não é conhecido. Sabe-se que ocorre uma degeneração de alguns núcleos cerebrais, especialmente o comentado acima, o caudato. Parece haver também uma disfunção do metabolismo da célula neuronal, ou seja, uma dificuldade em gerar energia para a célula. Várias são as vias que estão com alteração na DH, e vários são os estudos que estão em andamento testando a modificação em várias dessas vias para melhorar a doença.

A DH é rara, ocorrendo em 2,71 pessoas por 100,000 pessoas no mundo, sendo rara no Japão e na China, e mais comum em pessoas de ascendência europeia. 

O diagnóstico é clínico, e depende de exames para afastar outras causas de coreia com alteração mental. A existência de história familiar auxilia no diagnóstico da doença, mas nem sempre há história familiar positiva. Há várias outras doenças que causam sintomas semelhantes aos da DH, e entre elas, as doenças de Huntington-like, ou seja, doenças que se parecem com a DH, mas cujo teste genético é negativo. Falaremos sobre essas doenças em outro post. 

Há várias doenças clínicas que podem causar coreia, mas em geral, estas têm evolução mais rápida ou seja, são doenças que aparecem rapidamente, em questão de semanas (a DH se desenvolve em anos). Hipertiroidismo, a famosa coreia de Sydenham em crianças (relacionada à febre reumática), uso de algumas medicações, esclerose múltipla, raramente derrames, e outras doenças podem causar coreia e simular a DH, mas nestes casos, a história de uma evolução rápida, a presença de outros sinais e sintomas, e exames que comprovem outra causa para a coreia, acabam por ajudar o médico a fazer o diagnóstico correto. O diagnóstico correto depende do conhecimento médico, de uma boa história clínica e de um exame neurológico adequado. 

Testes genéticos devem ser realizados somente por orientação médica. 

Com relação ao tratamento, isso deve ser discutido em consulta presencial com o neurologista.

segunda-feira, novembro 10, 2014

A neurologia e Aristóteles 2

Leia primeiro o post anterior, A Neurologia e Aristóteles, para poder entender melhor este.

Apesar de suas visões equivocadas a respeito do cérebro, Aristóteles na verdade facilitou o desenvolvimento posterior do estudo dedste órgão. Sua ênfase na importância da dissecção aliada ao seu prestígio encoragou outros a realizar estudos anatômicos. 

O estudo sistemático da neuroanatomia humana começou com o Museu de Alexandria, criado por Demétrio de Falero, filósofo grego, e inaugurado pelo sucessor de Alexandre o Grande, Ptolomeu I no século 4 a.C. (leia mais sobre o Museu e a Biblioteca de Alexandria aqui), e que teve influência de Aristóteles. O museu destacava-se como um instituto estatal de pesquisa, com mais de 100 professores vivendo no local com gastos e salários pagos pelo estado. Havia salas de palestras e estudos, um observatório astronômico, um zoológico, um jardim botânico, e salas de dissecção e operação. Dentro do Museu estava a Biblioteca de Alexandria, 

O Museu era praticamente uma continuação do Liceum de Aristóteles, pois seu fundador, Ptolomeu I, general e amigo de infância de Alexandre o Grande, fora discípulo de Aristóteles, e na época havia se interessado por biologia. Além disso, Demétrio, citado acima como um dos organizadores do Museu, fora estudante de Teofrasto, colaborador de longo tempo de Aristóteles e seu sucessor como diretor do Liceum. E além disso ainda, o cerne da coleção da Biblioteca para ter sido organizado por Demétrio a partir, em parte, da própria coleção de Aristóteles. Fora isso, o ex-imperador de Alexandria, o próprio Alexandre, já morto nessa época, ele próprio havia sido discípulo de Aristóteles como visto no post anterior.

Assim, nas sombras de Aristóteles, grandes anatomistas como Herófilo e Erasistrato começaram o estudo sistemático do corpo humano, particularmente do sistema nervoso (só como curiosidade, atrás de sua cabeça, mais ou menos em uma protuberância que todos nós temos na porção posterior, e claro dentro do crânio, há uma confluência de veias cerebrais, chamada de tórcula de Herófilo). 

Estes anatomistas forneceram os primeiros relatos acurados do cérebro humano, incluindo os compartimentos de líquor, os ventrículos. Eles assim não mais questionavam o papel central do cérebro nas sensações, pensamentos e movimentos. Herófilo, inclusive, afirmava que um dos ventrículos (leia mais sobre os ventrículos aqui), o quarto (IV) ventrículo, era o centro de comando do cérebro. 

O interesse em anatomia em Alexandria no século 2 a.C. deveu-se à facilidade com que dissecções abertas e sistemáticas do corpo humano podiam ser realizadas na região. Os gregos, em especial os Hipocráticos, temiam a dissecção por considerarem o corpo humano sagrado. 

O governo de Alexandria era um governo ditatorial que queria se glorificar através de suas conquistas científicas, dando suporte completo aos seus professores, entre eles Herófilo e Erasistrato. Além disso, Alexandria encontrava-se no Egito, bem longe da Grécia, e local onde dissecções com o intuito de mumificação já eram realizadas há séculos, ou seja, a prática já estava arraigada na cultura local. Mas os dissecadores gregos nunca, ou provavelmente nunca, entraram em contato com os embalsamadores egípcios pelo abismo social que os separava. Além disso, as atitudes filosóficas em relação à morte e ao corpo humano morto estavam mudando na época (Aristóteles próprio afirmava que, após a morte, o corpo não passa mais de uma estrutura física sem direitos e sensações).

Além disso, pasmem, em Alexandria praticavam-se vivissecções humanas, ou seja, dissecções em pessoas vivas, com propósitos científicos (lá foi o primeiro e provavelmente o único local no mundo antigo onde isso era possível). 

Como fala Celso, historiador Romano da medicina

É assim necessário (para os estudantes de medicina)
que dissequem os corpos dos mortos e examinem suas vísceras
e intestinos. Herófilo e Erasistrato, eles dizem, faziam isso
do melhor jeito possível quando abriam homens ainda vivos,
criminosos fora das prisões, encaminhados pelos reis.  E enquanto ainda
respiravam, eles examinavam aquelas partes que a natureza antes
havia deixado escondidas...
Não é cruel, como a maioria das pessoas coloca, que remédios para
pessoas inocentes de todos os tempos devam ser procurados
no sacrifício de pessoas culpadas de crimes, e somente de algumas destas
pessoas. 

No entanto, tirando durante o nazismo na Alemanha, a vivissecção não mais seria realizada de forma sistemática. Até a dissecção de cadáveres humanos desapareceu no Ocidente até ser revivida posteriormente durante a Idade Média nas universidades, e então somente para fins forenses, nem médicos e nem tampouco científicos. 

O debate entre o coração e o cérebro como local do pensamento continuou no mundo Árabe, depois na Idade Média e mesmo na Renascença (devo lembrar a você que vários verbos que  dizem respeito a nossas funções mentais e que têm origem na língua portuguesa arcaica, ainda vislumbram essa dicotomia coração-cérebro, como acordar, discordar e recordar. Todos os três possuem o termo latino Cordis, que quer dizer coração!). O grande médico árabe, Ibn Sina (ou Avicenna, no linguajar ocidental), juntou os dois em uma só teoria, colocando as sensações, cognição e movimentos no cérebro, que, segundo ele, era controlado pelo coração. Da mesma forma, enciclopedistas judeus medievais consideravam que "o cérebro e o coração compartilham funções de modo que... quando um falta, o outro mantem suas atividades... pela virtude de seu companheirismo". Em As Mil e Uma Noites, coletânea de poemas e histórias árabes, Scheherazade conta na 439ª noite, que quando o cientista do Califa pergunta à brilhante escrava Tawaddud "Onde localiza-se o entendimento?", esta lhe responde "Allah o colocou no coração de onde seus raios brilhantes sobem ao cérebro e lá ficam fixos". Mais recentemente, no drama O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, a canção de Portia pergunta "Diga-me onde o desejo é criado, Ou no coração ou na cabeça".

domingo, novembro 09, 2014

A neurologia e Aristóteles




http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c0/Aristoteles.jpg
Leia o post anterior para entender este.

Aristóteles nasceu em 384 a.C.na Grécia, de uma família de médicos. Seu pai havia sido médico do rei da Macedônia, Amyntas II, mas morreu jovem. Aristóteles deve ter recebido educação de colegas médicos de seu pai. Ele estava sendo educado para ser médico, e como todo médico da época, deveria ter uma boa cultura geral, de modo que aos 17 anos, ele foi encaminhado à escola de Platão, a Academia, em Atenas, onde ficou por 20 anos, e no entanto, nunca começou seu treinamento médico.

Em 347 a.C., com a morte de Platão, Aristóteles deixou Atenas e foi para a ilha de Lesbos. O filho de Amyntas II, Felipe II, novo rei da Macedônia, apontou-o como tutor de seu sobrinho, Alexandre, até a idade dos 16 anos, quando este tornou-se regente da Macedônia, passando para a história como Alexandre, o Grande, e devido aos seus conhecidos empreedimentos bélicos e às suas conquistas, passou a ter pouco tempo para atividades acadêmicas. Em 335, Aristóteles acabou por retornar para Atenas, fundou uma nova escola, e um centro de pesquisas, o Liceum, que recebeu ajuda financeira de Alexandre, o Grande, que além disso, à medida que conquistava terras mais distantes, encaminhava a Aristóteles espécimens biológicas diversas. 

Alguns meses após a sua morte, em 322 a.C. (ele morreu nesse ano), Aristóteles teve de sair de Atenas por conta de facções anti-Alexandrinas. De acordo com alguns pensadores da época, Aristóteles era baixo, tinha dificuldade de falar o z e o s corretamente, sarcástico, arrogante, elegante e bem casado.

Muito bem, essa é uma visão história da vida de Aristóteles, o primeiro biólogo. Agora, examinemos suas visões acerca do cérebro, que causaram furor e espanto a vários médicos e historiadores medievais, como o famoso Galeno de Pérgamo. 

Seguindo linha própria, Aristóteles acreditava que o coração, e não o cérebro, era o centro das emoções e dos movimentos. Seus argumentos procediam dessa forma:

O coração sofre com as emoções; todos os animais têm coração ou algo semelhante; o coração é a fonte de sangue, que é necessário para as sensações; o coração é quente, característica de uma vida superior; o coração é conectado com todos os órgãos dos sentidos e músculos via vasos sanguíneos; o coração é essenvial à vida; o coração é foRmado primeiro e é o último a parar de funcionar; o coração é sensível; o coração localiza-se centralmente no corpo, apropriado para seu papel central.

Do cérebro, ele falava:

O cérebro não é afetado pelas emoções; nem todos os animais o possuem, mas mesmo estes sentem emoções; o cérebro não tem sangue; o cérebro é frio; o cérebro não se conecta aos órgãos dos sentidos; o cérebro não é essncial à vida; o cérebro é formado depois; o cérebro é insensível, e não se localiza em posição privilegiada.

Sabemos, hoje, que nada disso é verdade, mas era o que se pensava à época, em uma era onde dissecções eram raras e o conhecimento anatômico não era acompanhado do conhecimento de fisiologia, o funcionamento, dos órgãos. 

Aristóteles conhecia os argumentos dos filósofos antes dele, mesmo os de Platão, sobre o cérebro ser o local dos sentidos, emoções e movimentos, e chamava-os de falaciosos. Aristóteles acreditava que o cérebro servia somente para esfriar o sangue, e por isso, a falta de carne ao seu redor (os defensores da visão cerebral afirmavam que a falta de carne devia-se a facilitar a entrada das sensações ao cérebro). Da mesma forma, quando indagado por que os órgãos do sentido, como os ouvidos e os olhos, ficam tão perto do cérebro, Aristóteles afirmava que como o cérebro é fluido e frio, o olho é parecido com o cérebro em matéria, e por isso deveriam ficar próximos um do outro. Já o ouvido ficam dos lados para receber sons de todos os lados do corpo, e há animais que ouvem e sentem cheiro e não possuem seus sentidos na cabeça. 

Essa visão aristotélica foi ridicularizada na Idade Média. No entanto, Aristóteles afirmava que o cérebro só perdia para o coração em importância, e era essencial para o funcionamento correto do coração. O coração, quente, deveria ser contrabalançado pelo cérebro, frio. 

E qual o motivo aristotélico de o cérebro ser frio?

O sangue dentro dele é fino, puro e facilmente esfriável; os vasos dentro e fora do cérebro são muito finos, e permitem a evaporação e o seu esfriamento; e quando o cérebro é aquecido, e a água dentro dele evapora, permanece somente uma matéria dura, indicando que o cérebro é feito de água e terra, ambos intrinsecamente frios.

Quando o cérebro esfria o vapor que chega do coração, forma-se o fleugma. Aliás, a glândula pituitária, ou hipófise, deriva seu nome do latim

De acordo com Aristóteles, o cérebro humano é o maior e mais úmido porque o coração humano é o mais quente e mais rico, e assim, a inteligência superior do homem depende de um cérebro grande para poder esfriar o sangue e o coração suficientemente para uma boa atividade mental. Aristóteles acreditava que o cérebro da mulher é menor que o do homem (foi ele quem disse isso!). Aristóteles não renegava o cérebro a segundo plano, como afirmava Galeno, mas o colocava em uma posição inferior ao coração, e afirmava que a mente só funcionaria com o bom funcionamento do cérebro.

Apesar de todo o seu conhecimento e suas descobertas para a época, e apesar de vários filósofos antes dele, Aristóteles mantinha uma visão completamente diferente de todos os outros com respeito ao cérebro e suas funções. Aristóteles nunca estudou o homem com doença cerebral, enquanto Hipócrates e Alcmeon eram médicos, e viam o que acontecia quando havia lesão cerebral. Ou seja, estes afirmavam com superioridade clínica, ao passo que Aristóteles, tendo evitado a carreira médica, afirmava com a arrogância (que me perdoem os aristotélicos) de quem afirma sem nunca ter visto. E os acidentes eram as únicas fontes de informação sobre o que o cérebro fazia, em uma época quando os experimentos clínicos não existiam (somente com Galeno de Pérgamo, no século II d.C., que experimentos e dissecções começariam a ser feitos de forma sistemática). Mas Aristóteles chegou a afirmar que a doença mental pode ser derivada de um malfuncionamento da função de esfriamento do cérebro

Aristóteles dissecou 49 espécies animais, mas nunca o fez em um ser humano. Ele dissecou até elefantes, e dissecou vivos tartarugas e camaleões. Estes últimos animais eram frios (répteis, de sangue frio), o que pode tê-lo levado a formular suas teorias. Mas ele também dissecou vertebrados de sangue quente, como os elefantes citados acima, animais de sangue quente.

Aristóteles nunca se interessou por medicina, apesar ou devido ao seu pai. Aristóteles era um biólogo puro, e não utilizou seus conhecimentos na prática. 

E agora, vamos ao último post dessa viagem sobre os fundamentos neurológicos aristotélicos.

As bases filosóficas das visões aristotélicas sobre a neurologia

Este post é uma adaptação do artigo Aristotle on the Brain, de  Charles G. Gross, publicado na The Neuroscientist, 1995.

A biologia foi inventada por Aristóteles, um dos maiores filósofos da Grécia Antiga, contemporâneo e discípulo de Platão, e parte da tríade filosófica clássica (Sócrates - Platão - Aristóteles). Considerado o pai da anatomia comparativa (a comparação de órgãos e sistemas entre espécies, a fim de avaliar a evolução e as funções dos órgãos estudados), além do primeiro embriologista (embriologia é o estudo da formação do embrião de uma dada espécie, como a humana, da fecundação até o desenvolvimento fetal completo, além de suas doenças e malformações), o primeiro taxonomista (a taxonomia preocupa-se com a classificação dos animais, que pode ser em filos, classes, ordens, gêneros e espécies, conforme Carolus Linnaeus [1707 a 1778], o primeiro taxonomista moderno, cuja classificação é usada até hoje), o primeiro evolucionista (sim, Aristóteles já considerava teorias sobre evolução de espécies séculos antes de Charles Darwin), o primeiro biogeógrafo, e o primeiro estudioso sistemático do comportamento animal. Ufa!

Cerca de 25% do que Aristóteles escreveu, ele o fez sobre a biologia e os seus ramos. E assim, ele se tornou distinto de seu mentor, Platão. Fora isso, Aristóteles também escreveu sobre lógica, metafísica, arte, teatro, psicologia, economia, e política. Suas ideias sobre assuntos em física e biologia (incluindo a biologia humana) predominaram na idade média, sendo posteriormente suplantadas por novas ideias e conceitos derivados da experimentação e dos estudos modernos. 

Aristóteles não era perfeito, claro! E um dos seus maiores erros deveu-se justamente às suas ideias no campo da neurociência. Ele negava o controle do cérebro sobre as emoções e os movimentos do corpo, e acreditava que esta função era do coração. 

Mas por que? Bem, tudo começou bem antes de Aristóteles...

A filosofia já se preocupava com o funcionamento do mundo bem antes de Aristóteles. Filósofos pré-Socráticos, como Tales de Mileto e Anaximandro, por exemplo, no século 6 a.C. já imaginavam um universo dominado por leis fundamentais que poderiam ser entendidas pela razão. Um século após, a filosofia muda-se de Mileto na Grécia para três cidades distantes entre si, mas próximas do ponto de vista do pensamento filosófico, Crotona, no sul da Itália, Agrigentum, na Sicília, e Cos, na Turquia. Crotona, o local mais antigo, era local de moradia de um dos seus maiores habitantes, Alcmeon (em Crotona estava situada também a irmandade Pitagoreana, baseada nos ensinamentos de Pitágoras).

Alcmeon foi o primeiro a considerar o cérebro o local de geração das sensações e da cognição. Provavelmente, ele também foi o primeiro a realizar dissecções para responder a questões anatômicas. Alcmeon estudou profundamente a visão (como poderia ser estudada na época). Ele descreveu os nervos da visão, os nervos ópticos, e considerava que a luz adentrava por eles (é, mais ou menos!). Alcmeon estudou os olhos, e abrindo-os, descobriu que dentro deles havia água (na verdade, há um líquido chamado de humor aquoso). Ele ainda disse que dentro dos olhos havia luz (fogo), e que esta luz era necessária para visão (estas ideias, infelizmente equivocadas, embasaram as teorias da visão que persistiram pela Idade Média e pela Renascença). Essas ideias, no entanto, começaram a ser questionadas e posteriormente dadas como infudadas no meio do século 18.

Entre vários outros filósofos pré-Socráticos, que expandiram as ideias de Alcmeon sobre o cérebro, foram Demócrito, Anaxágoras e Diógenes. 

Demócrito ensinava que tudo no Universo era feito de átomos (do grego, a, ausência, e tomos, corte, ou seja, impossível de ser dividido) de tamanhos e formas diferentes. A psique (alma e mente), segundo ele, era feita dos átomos mais leves, mais esféricos e mais rápidos, e apesar de existirem no corpo todo, eram mais comuns no cérebro. Átomos levemente menos sofisticados, de acordo com Demócrito, existiam no coração, tornando-o o centro das emoções. Átomos ainda menos sofisticados existiam no fígado, o que o tornava o centro do apetite e da luxúria (ou seja, o cérebro ainda era visto com um órgão sem muitas qualidades, e boa parte de suas ações era relegada a outros órgãos). Platão, no entanto, utilizou estes ensinamentos de Demócrito para desenvolver a hierarquia das partes da alma, onde para ele não havia dúvidas da supremacia do cérebro sobre os outros órgãos, como ele mesmo disse, "é a parte mais divina de nós, e manda em todo o resto".

Empédocles, filósofo de Agrigentum, ensinava que, diferente de Alcmeon, o sangue era nosso meio de pensamento, e o grau de inteligência dependia da composição do sangue, o seja, o coração era o órgão central do pensamento, e o local das doenças mentais, já que este é o órgão que bombeia o sangue.

Essa ideias de colocar o coração como centro das emoções e do pensamento já vinham da Índia, Egito, Mesopotâmia e Babilônia, bem antes dos gregos. Essa visão ainda era corrente, até o século 20, entre povos americanos do Novo México que afirmavam pensar com o coração (fonte).

Já a ilha de Cos, na Turquia, era a casa de Hipócrates, considerado o pai da medicina. No entanto, pouco sobreviveu de seus escritos da época, perfazendo o Corpus Hippocraticus, que contem mais de 60 tratados, que variam muito em termos de estilo e nível técnico, não tendo sido escritos por um mesmo autor, e nem mesmo na mesma ápoca. Assim, não se sabe exatamente quais textos foram realmente escritos por Hipócrates ou por seus discípulos.  

Os hipocráticos consideravam o corpo humano divino, e assim não lhes era permitido fazer dissecções, sendo seus conhecimentos de anatomia pequenos. Procuravam sempre explicações naturais para os acontecimentos através de observações e estudos de casos (os pacientes que lhes eram solicitados atender). O trabalho hipocrático mais famoso para a neurologia é o "Sobre a Doença Sagrada", a epilepsia. Assim abre o tratado hipocrático:

Eu não creio que a Doença Sagrada
seja mais divina ou sagrada do que qualquer
outra doença, mas do contrário, tem
características específicas e uma causa definida...

É minha opinião que aqueles que primeiro
chamaram a doença de 'sagrada' eram os tipos de
pessoas que  agora chamamos de curandeiros,
médicos espirituais, e charlatães.
Estes são exatamente as pessoas que fingem
ser piedosas e particularmente sábias.
Através da invocação de um elemento divino
elas são capazes de demonstrar sua própria
incapacidade em dar um tratamento adequado e
assim chamaram a esta doença 'sagrada' para acobertar
sua ignorância sobre sua natureza.


O autor não duvidava que o cérebro era o local desta doença.  Com relação às funções do cérebro, a clareza de linguagem era semelhante:

Deve ser geralmente conhecido que a fonte
de nossos prazeres, felicidade, riso, e diversão, 
assim como de nossos ressentimentos, dores,
ansiedade, e lágrimas, não é nenhum outro além do
cérebro. É especialmente o órgão que nos permite pensar,
ver, ouvir, e distinguir o feio do belo, o mau do bom,
o agradável do desagradável... É o cérebro, também, que
é o local da loucura e do delirium, dos medos e fobias que nos
atormentam, frequentemente à noite, mas algumas vezes mesmo
de dia; é lá que fica a causa da insônia e do sonambulismo, dos
pensamentos que não virarão ações, dos trabalhos esquecidos, e das
excentricidades.

Além do mais, o autor afirma que nem o diafragma, nem o coração possuem quaisquer funções mentais, como foi clamado por alguns. Qual então é a causa da epilepsia? O autor continua, afirmando que ela ataca somente as pessoas com excesso de fleugma (um dos humores da teoria de Galeno) e muco, ou seja, as pessoas fleumáticas, indiferentes e apáticas. 

Caso... rotas para a passagem de 
fleugma vindo do cérebro sejam bloqueadas,
esta adentra os vasos sanguíneos... 
o que causa afonia, sensação de sufocamento, 
muita babação da boca, os dentes se trancam, e ocorrem
movimentos convulsivos das mãos; os olhos ficam fixos,
o paciente fica inconsciente e, em alguns casos, defeca.

Agora que você tem uma pequena base filosófica dos tempos pré-Aristotélicos, vamos a Aristóteles no próximo post.

sábado, novembro 08, 2014

TRATADO DE NEUROLOGIA da Academia Brasileira de Neurologia



Perguntas e Respostas
TRATADO DE NEUROLOGIA da Academia Brasileira de Neurologia

Finalista do Prêmio Jabuti 2014, Academia Brasileira de Neurologia lança livro de estudo essencial para prova de título de especialista.
Sessão de autógrafos será dia 11/11, em Curitiba, no
XXVI Congresso Brasileiro de Neurologia

Perguntas e Respostas - Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia é fundamentado na primeira obra nacional a apresentar todo o conteúdo referente à especialidade, em total consonância com a realidade brasileira: o Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), finalista do Prêmio Jabuti 2014, maior reconhecimento do mercado editorial brasileiro.

Reunindo as principais dúvidas sobre a especialidade para revisão e atualização de conceitos fundamentais, além de ferramenta essencial na preparação para a prova de título de especialista da (ABN), Perguntas e Respostas será lançado no próximo dia 11/11, das 12h30 às 13h30, no estande da ABN, durante o XXVI Congresso Brasileiro de Neurologia, realizado em Curitiba (PR).
A sessão de autógrafos contará com a presença dos autores Dr. Osvaldo M. Takayanagui - professor titular do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP – e Dr. Joaquim Pereira Brasil Neto, diretor científico da ABN e coordenador da disciplina Neurofisiologia Médica da Universidade de Brasília.

De forma didática e objetiva, o livro traz mais de 340 perguntas seguidas de respostas comentadas e várias ilustrações. O candidato à prova de título de especialista tem a oportunidade de testar seu conhecimento sobre todos os conceitos essenciais e atuais da Neurologia, e obter respostas detalhadas e explicações definitivas.
Perguntas e Respostas conta com a colaboração dos mais renomados médicos, pesquisadores e professores de Neurologia de conceituadas instituições universitárias e de saúde no Brasil. Outro aspecto marcante são as contribuições de neurologistas das diversas regiões do país, o que assegura a adequação do conteúdo às peculiaridades da prática na especialidade.  

O objetivo da Academia Brasileira de Neurologia é estimular neurologistas e neurocientistas a uma constante atualização, sempre com foco nos avanços tecnológicos em genética, imunologia e imagem, que têm proporcionado significativas mudanças na visão diagnóstica, na terapêutica medicamentosa e reabilitadora e, mais recentemente, na prevenção das doenças neurológicas.

Perguntas e Respostas - Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia está disponível nos formatos impresso e ebook nas lojas virtuais Kobo, Amazon, Google, iba, Cultura, Gato Sabido, Positivo, entre outras.



SERVIÇO
Sessão de autógrafos de lançamento de
Perguntas e Respostas - Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia
XXVI Congresso Brasileiro de Neurologia
Dia/hora: 11 de novembro de 2014, das 12h30 às 13h30
Local: Estande da ABN na Expo Unimed Curitiba - Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza 5300, Campo Comprido – Curitiba (PR)

|Editora Elsevier
| Autores:
Osvaldo M. Takayanagui e Joaquim Pereira Brasil Neto
| Páginas: 208         |Formato: 17x24cm          | Preço: 119,00


Cadastre-se para ler e baixar trechos do livro: 
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