domingo, março 24, 2013

Novidades sobre a cefaleia em salvas

Apesar deste mês ser dedicado à esclerose múltipla, um pedido em especial suscitou-me a escrever sobre a cefaleia em salvas (há um tópico, escrito bem no início do blog, bem simples, sobre este tipo de cefaleia primária - leia aqui.

Vamos falar mais um pouco sobre esta que é considerada a mais forte das cefaleias primárias, ou seja, sem causa evidente.

A cefaleia em salvas, também chamada de cluster headache na literatura inglesa e americana, é uma cefaleia pertencente ao grupo das cefaleias trigêmino-autonômicas, onde há dor acompanhada de sintomas e sinais de disfunção do sistema autônomo (leia mais sobre ele aqui), com vermelhidão ocular (quemose), queda da pálpebra do mesmo lado da dor (ptose palpebral), inchaço peri-ocular (edema), saída de secreção nasal do mesmo lado (rinorreia) e diminuição da pupila do mesmo lado (miose). Há outras cefaleias trigêmino-autonômicas, das quais poderemos falar em posts posteriores.

A dor relaciona-se aos mecanismos cerebrais e hormonais que controlam o corpo durante o dia e a noite (ou mecanismos circadianos), o que explica em parte por que a dor é mais frequente de madrugada, e em muitos pacientes, sempre em um mesmo horário. 

A cefaleia em salvas foi descrita pela primeira vez há cerca de 350 anos, e durante estes anos, ganhou vários nomes diferentes, como cefaleia esfenopalatina, eritroprosopalgia de Bing, cefaleia de Horton, eritromelalgia, etc (nota somente por curiosidade).

A causa, ou etiologia, da cefaleia em salvas não é ainda conhecida. Parece existir alguma predisposição genética, mas há relatos de uma possível relação com o gene que codifica uma proteína chamada de orexina, ou hipocretina, que se relaciona ao ciclo sono/vigília, estando diminuída em uma doença relacionada a sono exagerado, a narcolepsia. 

A dor é mais comum em homens (4 vezes mais que em mulheres), e em uma população que frequenta clínicas somente para tratamento de dor de cabeça, representa cerca de 10% das dores (a maior parte compõe-se de enxaqueca e cefaleia tensional). Em relação à idade, é mais comum entre os 30 e 40 anos de idade.

Os estudos demonstram que na cefaleia em salvas, não há sinais claros de inflamação do nervo trigêmeo ou suas terminações. Na verdade, a dor parece ter relação com os neurônios de uma região do cérebro chamada de hipotálamo (leia mais sobre isso aqui), que controlam os ritmos corporais, como sono, temperatura, fome, saciedade e sede.

A dor na cefaleia em salvas é localizada na primeira divisão do nervo trigêmeo, a oftálmica (leia mais sobre isso aqui). Já os sintomas autonômicos são principalmente devidos à ativação do nervo facial, que inerva a face, mas também à perda de estimulação de uma parte do sistema autonômico chamado de sistema simpático, afetado durante as crises de salvas. Observa-se durante as crises alterações e certos hormônios, como testosterona, hormônio liberador do hormônio tireoidiano, cuja produção depende de um hipotálamo funcionante, além de outros hormônios relacionados ao bom funcionamento do hipotálamo, como o ACTH, hormônio de crescimento ou GH, e hormônios sexuais, além da prolactina. O hipotálamo é a próxima fronteira na investigação das causas de cefaleias em salvas.

É interessante observar que, em muitos pacientes, a dor tem época e hora para ocorrer, o que também tem a ver com a hipótese hipotalâmica de origem da dor, já que o hipotálamo e seus hormônios controlam o ritmo circadiano, ou seja, as alterações neuro-endócrinas cíclicas que ocorrem no dia e na noite em nosso corpo.

A cefaleia em salvas é uma dor primária, mas muitas doenças podem simular esta dor, ou seja, podem produzir dor que se parece com a salvas. Daí que a investigação inicial de um paciente com suspeita de salvas deve ser completa. O diagnóstico de cefaleia em salvas exige que o paciente tenha tido pelo menos 5 ataques iguais com exames de imagem normais e outros diagnósticos afastados.

Entre as possíveis causas de "cluster-like", quando a dor parece mas não é salvas, temos:

1. Tumores da hipófise (ou pituitária), uma glândula que fica na base do cérebro e produz vários hormônios. O tumor mais comum é o prolactinoma, que produz o hormônio prolactina.

2. Sinusite maxilar e esfenoidal - Sim, por vezes sinusites agudas (leia-se agudas) podem causar dor igual, mas que melhora com o tratamento da sinusite.

3. Lesões das artérias carótida e vertebral.

4. Outros tumores da base do crânio, como meningeomas.

5. Infecções outras dos ossos do crânio, como formas raras de sinusite (a fúngica, produzida por fungos).

6. Malformação de Chiari.

E outras doenças mais raras.

Há outras síndromes primárias de dor de cabeça que se parecem com a salvas mas não são, e com tratamento diferente, como a hemicrania paroxística e uma síndrome chamada de SUNCT, sobre as quais falaremos depois.

Os exames que podem ser considerados na investigação de uma primeira crise de salvas são a ressonância magnética de crânio e da hipófise, avaliação dos vasos do pescoço com imagens de ressonância, e dosagem de hormônios, mas outros exames podem ser úteis. Na falta de ressonância, uma tomografia pode ser feita.

Para quem tem cefaleia em salvas, prevenir é a melhor opção. Nem sempre é possível evitar-se uma crise de vir, mas pode-se tentar através do afastamento de fatores de risco, como uso de álcool e parada do fumo.

Falaremos posteriormente sobre o tratamento da cefaleia em salvas. Aguardem.