sábado, agosto 31, 2013

Onde começa um ataque de enxaqueca?

Este artigo foi tirado de um artigo publicado na revista internacional Journal of Neural Transmission, edição 119 de 2012, publicado por Tajti J e colaboradores, da Universidade de Sseged, Hungria (link).

Por onde começa um ataque de enxaqueca? No tronco cerebral!

A enxaqueca é uma cefaleia primária (sem causa definida) bastante comum, listada entre as 20 maiores causas de incapacidade no mundo pela Organização Mundial de Saúde em 2001.

O seu mecanismo exato é desconhecido; no entanto, o papel da ativação de estruturas localizadas no tronco cerebral parece certa no desencadear de uma crise de enxaqueca, conhecendo algo desta relação desde 1987. 

O tronco cerebral é uma região localizada abaixo do cérebro, e que liga o cérebro à medula e ao cerebelo. No entanto, muito mais do que ser somente uma ponte, o tronco cerebral é o lar de dezenas de núcleos neuronais e vias que controlam várias funções vitais, voluntárias e autonômicas do nosso corpo, como os movimentos oculares, a respiração, a fala, a deglutição (o ato de engolir), a sensibilidade da face, boca, língua, os movimentos dos membros, os movimentos da língua, além de variações de nosso comportamento, como o sono e a vigília.

Observe abaixo uma vista do tronco cerebral:

http://faculty.ksu.edu.sa/73860/Pictures%20Library/_w/brain%20stem_bmp.jpg

Ramos do nervo trigêmeo (leia mais aqui) inervam as membranas cerebrais, as meninges, os vasos de dentro da cabeça, e suas terminações são direcionadas aos seus núcleos no tronco cerebral. Fora isso, o nervo trigêmeo conecta-se com nervos vindo da parte alta da coluna cervical (isso pode explicar por que algumas crises de enxaqueca vêm com dor da nuca). 

Os estudos têm demonstrado que o tronco cerebral é importante na origem e nos mecanismos da enxaqueca. Vários núcleos cerebrais estão envolvidos nestes mecanismos, como o núcleo magno da rafe (NMR), substância cinzenta periauedutal (SCPa) e Locus Coeruleus (LC). Estes são nomes diferentes e novos ao público leigo, mas não não realmente novos, pois já os conhecemos há muitas décadas. Estes núcleos são aglomerados de neurônios localizados em várias regiões do tronco cerebral, que produzem neurotransmissores e conectam-se com várias outras regiões e núcleos dentro e fora do tronco. Veja abaixo estes núcleos:

http://www.espacocomenius.com.br/locuscerulius_substancianegra.jpg
Estas vias conectam-se com o tálamo, uma estrutura localizada na parte interna do cérebro (leia mais aqui). Lesões talâmicas podem produzir dor espontânea no rosto e nos membros, geralmente do lado contrário à lesão. Estas conexões levam a um efeito chamado de sensibilização, ou seja, aumento das áreas neuronais que recebem e disparam informações, e que é responsável pelas dores espontâneas produzidas por certos derrames, traumas e lesões cerebrais. Essa hipersensibilização é bem conhecida dos pacientes que têm enxaqueca, pois levam à dor ou sensibilidade do couro cabeludo (levante a mão o paciente com enxaqueca crônica que não tem dor ou sensibilidade em excesso quando vai pentear o cabelo ou colocar uma presilha no cabelo). 

No LC, foi demonstrado a presença da nova vedete da fisiopatologia da enxaqueca, da qual falaremos em outro post, o Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina, ou CGRP, cujos níveis estão aumentados em crises de enxaqueca. 

Mas além de produzirem a dor, algumas destas inervações também modulam, ou diminuem, a dor (o que é necessário, ou então a dor sempre seria insuportável). A ligação entre estas vias e núcleos já citados e um outro núcleo chamado de núcleo salivatório superior (NSS) pode ser a resposta do porque que crises de enxaqueca podem dar vermelhão no rosto, lacrimejamento e que da pálpebra, e que podem acompanhar crises mais graves de enxaqueca.

A presença destes núcleos da fisiopatologia da enxaqueca explica por que os triptanos (sumatriptano, rizatriptano, naratriptano e outros) e certos antiepiléticos auxiliam no tratamento de certos pacientes com enxaqueca (não utilize esta informação para automedicação!). Fora isso, a ativação de certos núcleos como o SCPa induz dores de cabeça mais graves. Estes núcleos do tronco explicam vários sintomas que os pacientes com enxaqueca apresentam - a própria dor, a dificuldade de tolerar luz e sons, as náuseas e os vômitos, as dores e formigamentos que alguns pacientes podem ter nos membros do mesmo lado da dor, e a dor na nuca. 

Mais poderia ser falado, mas as coisas vão ficando mais complicadas a partir daqui. Mais poderá ser falado em posts posteriores.

sexta-feira, agosto 30, 2013

Lesões cerebrais na enxaqueca

Artigo retirado do site da Huffington Post (leia aqui) e traduzido livremente para o blog

A enxaqueca relaciona-se a lesões estruturais cerebrais

A enxaqueca pode exercer um efeito maior sobre o cérebro do que se pensava antes. Cientistas da Universidade de Copenhague (Dinamarca) revisaram 19 artigos já publicados sobre enxaqueca, e descobriram que a enxaqueca associa-se com alterações reais na estrutura cerebral, tais como volume cerebral e aumento do riscos de lesões cerebrais e alterações na substância branca cerebral(N.T.: as famosas áreas de microangiopatia ou gliose de algumas ressonâncias).

Mas é incerta a relevância clínica destes achados, ou seja, não se sabe exatamente a causa ou as consequências destas alterações aos pacientes. Os pesquisadores agora demonstram interesse em conhecer o porquê destas lesões e como elas podem influenciar o funcionamento cerebral.

De acordo com os pesquisadores, ter enxaqueca com aura (aquelas que vêm precedidas por sintomas que duram menos de 60 minutos, como manchas, perdas de campo visual, boas ou traços coloridos e/ou brilhantes, perda de força ou dormências) aumenta o risco de lesões cerebrais em 68% em relação a pessoas sem enxaqueca, e ter enxaqueca sem aura aumenta este risco em 34%. A enxaqueca com aura também aumenta as chances de alterações no volume cerebral em relação às pessoas sem enxaqueca. 

N.T.: Ou seja, há realmente alterações cerebrais na enxaqueca, mas não sabemos ainda porque ou qual sua real significância, quais os sintomas que os pacientes poderiam apresenta e se estas lesões poderia trazer alguma consequência funcional às pessoas. Mais estudos estão em andamento para checar isso. Enquanto isso, faça sua parte, e trate sua enxaqueca, indo ao neurologista e mantendo o uso regular das medicações prescritas, evitando o estresse, realizando atividades relaxantes, parando de fumar e de consumir os alimentos que pioram (ou podem piorar) sua dor de cabeça.

segunda-feira, agosto 26, 2013

Os efeitos cerebrais da cocaína

Artigo retirado do site da BBC News (leia aqui) e traduzido livremente para o blog.

Cocaína muda rapidamente o cérebro

Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley e em San Francisco, em estudos em animais (camundongos), publicaram na mundialmente famosa revista Nature Neuroscience achados que relacionam-se ao vício em cocaína. Os estudos demonstraram que novas estruturas sinápticas neuronais ligadas ao aprendizado e à memória começam a crescer logo que a droga é utilizada. Camundongos com as maiores modificações microestruturais cerebrais tiveram maior preferência pela droga (ou seja, há dependência física à droga).

No experimento, os animais ficaram livres para explorar livremente duas câmaras bem diferentes, cada uma com um odor e uma textura de superfície diferentes. Após eles terem escolhido seus ambientes favoritos, os camundongos receberam injeção de cocaína na outra câmara. Um aparelho a laser foi usado para "olhar dentro" dos cérebros dos camundongos vivos atrás de novas espinhas dendríticas (ou seja, novos botões criados para fazer sinapses com outros neurônios - veja um esquema abaixo).

http://origin-ars.els-cdn.com/content/image/1-s2.0-S1044743110002599-gr1.jpg
Acima, à esquerda, um neurônio em verde com seus axônios e os botões sinápticos (as pequenas protrusões saindo dos dendritos - veja na figura acima à direita).

Voltando ao texto, os autores observaram que mais espinhas sinápticas foram produzidas nos animais que receberam cocaína que nos animais que receberam placebo (água), sugerindo que novas memórias se formaram ao redor do uso de drogas. A diferença pode ser observada 2 horas após o uso (ou seja, as novas alterações neuronais foram quase imediatas).

A cocaína produz ganhos rápidos de novos botões sinápticos, e quanto mais botões os neurônios dos animais formam, mais estes animais aprendem sobre a droga, o que pode explicar o mecanismo pelo qual a droga alimenta o comportamento de adição (vício). 

Ou seja, o vício é aprendido pelo cérebro, e de forma rápida. 

Para se desenvolver um tratamento eficaz, no entanto, mais ainda precisa ser aprendido. 

domingo, agosto 25, 2013

Exercícios físicos podem melhorar a cognição

Exercícios podem reverter a perda de memória em pacientes com declínio cognitivo leve

Artigo tirado do site Medscape (leia aqui) e traduzido livremente.

Andar de esteira por 30 minutos, 4 vezes por semana em um período de 12 semanas melhorou os escores de memória em um grupo de idosos com declínio cognitivo leve.

N.T.: Declínio cognitivo leve é uma alteração de funções cognitivas, que pode ser a memória ou outra função, mas que não atrapalha as atividades de vida diária. A forma amnéstica, onde há perda de memória, pode evoluir se não diagnosticada e tratada para doença de Alzheimer.

Ou seja, o exercício físico pode proteger contra a doença de Alzheimer em indivíduos em risco. O estudo foi conduzido por J Carson Smith e colaboradores, da Universidade de Maryland, nos EUA, e publicado na revista Journal of Alzheimer's Disease este mê de agosto (link).

Neste estudo, os autores recrutaram pessoas idosas de idades entre 60 e 88 anos da comunidade, e que relatavam fazer menos de 3 dias de atividades físicas de moderada intensidade por semana. Trinta e cinco pacientes foram recrutados, sendo 17 portadores de declínio cognitivo leve, e 18 pacientes sem problemas. 

Os pacientes foram avaliados por testes especiais de cognição. Os exercícios consistiam de 44 sessões de andar em esteira, supervisionadas por um orientador físico durante 12 semanas. A intensidade, duração e frequência semanal dos exercícios aumentaram de forma gradual, até que os participantes estivessem andando 30 minutos por sessão, 4 vezes por semana em uma intensidade moderada. 

Tanto os pacientes com alterações de memória quanto os pacientes normais melhoraram seu condicionamento físico, fora uma melhora na memória conforme medida pelos testes especiais.

Os autores concluíram que o exercício pode beneficiar a função cognitiva de várias maneiras (N.T.: Algo já falado insistentemente neste blog). O exercício físico parece aumentar a concentração de fatores neurogênicos e neurotróficos, permitindo uma maior formação de sinapses em várias regiões cerebrais, especialmente na região cerebral responsável pela memória, o hipocampo. O aumento na vascularização desta região pode também ser a causa dessa melhora. 

Em conclusão, faça atividade física (claro, após uma boa avaliação cardiológica) regular e constante. Mas não somente isso. Faça uma dieta equilibrada, evite o uso de cigarros e o uso abusivo de álcool. Emagreça, ou evite a obesidade. Você viverá mais e melhor com estas medidas. 

Esclerose Lateral Amiotrófica ou ELA

Aviso importante: 

Este post não tem a  intenção de dar diagnósticos, sugerir diagnósticos, oferecer propostas de tratamento e muito menos sugerir prognósticos. Este post unicamente intenciona descrever a doença chamada de esclerose lateral amiotrófica (ELA), o que é a doença e quais seus sintomas. Vários sintomas da doença como atrofia e fasciculações (que serão descritos posteriormente) ocorrem em outras doenças completamente diferentes e de evolução e prognóstico completamente diferentes. Portanto, não use estas palavras para dar diagnósticos em si ou em outros. O diagnóstico desta doença deve ser feito unicamente por um neurologista especialista na doença, e em consultório. 


A esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, também chamada de doença de Charcot devido ter sido descrita pelo pai da neurologia, Jean-Martin Charcot no século 19, é uma doença rara mas importante por conta das consequências que produz. 

Antes de continuar a ler este post, leia o sobre Neurônio Motor Inferior para poder entender este (leia aqui). A ELA afeta justamente os neurônios motores inferiores, aqueles que se localizam no corno anterior da medula espinhal, e que produzem os nervos motores que vão inervar os músculos. Mas também, a doença afeta o trato corticoespinhal. Este trato, ou grupamento de axônios (prolongamentos dos neurônios) é a via de comunicação entre os neurônios motores superiores, localizados no cérebro, mais precisamente no córtex motor, e os neurônios motores inferiores da medula. 

A causa é desconhecida, mas sabe-se que uma porcentagem pequena dos casos (cerca de 10%) apresenta história familiar (ou seja, acabam por ter base genética, com 17 genes já descritos). Várias são as hipóteses aventadas, mas até agora não há um consenso com relação à causa exata do problema. Alguns estudos sugerem que o fumo possa ser um fator de risco para a doença.

A doença baseia-se na degeneração de neurônios localizados no córtex cerebral (os primeiros neurônios, ou neurônios motores superiores), de suas vias que descem pela medula, e dos neurônios que recebem estas conexões, os neurônios motores inferiores localizados na medula espinhal. A lesão das células de suporte dos neurônios, os astrócitos, e das células que produzem a bainha de mielina que envolve os prolongamentos dos axônios, os oligodendrócitos, parece contribuir para a doença.

A prevalência (ou seja, a quantidade total de pessoas afetadas pela doença em um determinado momento) é de 4 em 100,000 pessoas no mundo, e a taxa de incidência (a quantidade de casos novos da doença) é de 1 a 2 por 100,000 pessoas no mundo. A incidência aumenta com a idade, já que a doença é mais comum entre pessoas após os 50 anos de idade. A doença é duas vezes mais comum nos homens que nas mulheres. Em certas regiões do mundo como a região do Pacífico, a incidência da doença é maior do que no restante do mundo. 

A doença geralmente começa com fadiga, sensação de fraqueza em um ou mais membros, seguindo-se atrofia (perda de massa muscular) mais evidente nas extremidades (mãos e pés), começando em um membro e evoluindo para os membros seguintes. Fasciculações (ou seja, movimentos da fibras musculares, que vibram de forma involuntária por baixo da pele) pode ocorrer no começo da doença, mas é mais comum à medida que a doença avança. Alguns pacientes, em especial mulheres mais idosas, podem apresentar uma forma de ELA que se inicia no segmento cefálico (cabeça), com dificuldade para falar, fala anasalada (fanha), dificuldade para engolir, e atrofia de língua com fasciculações na língua (forma bulbar da ELA). 

Além dos sinais de neurônios motor inferior (atrofia, fraqueza, fasciculações), há os sinais de neurônio motor superior (por lesão dos neurônios localizados no córtex cerebral e suas vias). Assim, os pacientes desenvolvem aumento dos reflexos que são pesquisados com o martelinho (reflexos profundos ou tendinosos), por vezes até mesmo com exacerbação acentuada dos mesmos, aumento do tônus muscular (dificuldade maior de mover um membro em repouso, relaxado) com espasticidade, e reflexos anormais. A sensibilidade em geral está normal, mas o paciente pode se queixar de formigamentos ocasionais.

Os movimentos dos olhos podem ser poupados. Os músculos respiratórios podem ser afetados, com dificuldade para respirar ou cansaço fácil.

O diagnóstico é clínico, através da história e exame físico, mas devem ser afastadas as possibilidades mais comuns de doença dos neurônios motores. Para isso, o seu médico irá solicitar vários exames de imagem, sangue e eletroneuromiografia. Na presença de um quadro clínico semelhante ao de ELA, há várias possibilidades diagnósticas que devem ser afastadas.

O tratamento varia, e deve ser discutido em consulta com o médico que assiste o paciente. No entanto, recursos de fisioterapia motora e respiratória direcionadas, terapia com fonoaudiólogo para os problemas de fala e deglutição, terapia ocupacional e outras formas de tratamento devem ser instituídos pelo médico que assiste o paciente em conjunto com os profissionais de cada área.  

Há várias medicações em estudo para esta doença nos EUA, cujos resultados deverão sair em breve (informação tirada do site medlink).

sexta-feira, agosto 23, 2013

Sonambulismo

Sonambulismo é um transtorno do sono caracterizado como uma parassonia, ou seja, eventos físicos ou experiências que ocorrem durante o sono ou logo ao despertar. Há várias formas de parassonias, sendo um sonambulismo uma delas. 

Casos de sonambulismo já eram de conhecimento de Hipócrates, pai da medicina, na Grécia do século V antes de Cristo e pelo filósofo naturalista Aristóteles no século IV antes de Cristo. O médico latino Galeno, no século III da era cristã (cujo pensamento dominou a medicina medieval) escreveu sobre uma experiência própria de sonambulismo. Na literatura, Lady MacBeth, da obra MacBeth de Shakespeare, anda e fala durante o sono. 

O entendimento do sonambulismo como um fenômeno físico veio somente em meados do século XX, quando descobriu-se as fases Não REM (NREM) e REM (Rapid Eye Movements, ou Movimentos Rápidos dos Olhos) do sono. Nas últimas duas décadas, tem-se descoberto mais sobre a fisiopatologia do sonambulismo e sobre seu tratamento. Na nova classificação dos transtornos do sono de 2005, o sonambulismo é definido como um transtorno do despertar, pelas suas características ao exame de eletroencefalograma. 

O sonambulismo caracteriza-se pelo caminhar durante o sono, com dificuldade de se acordar o paciente, confusão mental após o despertar de um episódio de sonambulismo, amnésia (perda de memória) para o evento, comportamentos de rotina que ocorrem em momentos inapropriados durante o sono (sair de casa de madrugada enquanto dormindo, vestir-se para ir trabalhar durante o sono), comportamentos inapropriados ou sem sentido (ocorrendo durante o sono), ou mesmo comportamento perigoso (como sair à rua enquanto se dorme). 

O sonambulismo geralmente se inicia nas primeiras horas da noite. O paciente pode andar sem problema através da casa, ultrapassado obstáculos, e os seus olhos podem estar abertos (o que pode ser inclusive assustador a quem o assiste). Um paciente com sonambulismo pode apresentar este episódio uma vez a cada alguns anos a várias noites seguidas. Um adulto sonâmbulo foi uma criança sonâmbula, já que estes problemas são mais comuns em crianças. Os episódios podem durar de minutos a horas. 

Pacientes portadores de sonambulismo podem apresentar outras doenças, como síndrome da apneia do sono e sono fragmentado (sono entrecortado) por vários fatores. Em geral, é mais comum entre os 4 e 12 anos de idade, e a maior parte resolve completamente com o adiantar da idade. Há história familiar em uma boa parte dos casos, e gêmeos monozigóticos (verdadeiros) têm mais chance de compartilhar o traço que gêmeos dizigóticos. 

Mas raramente o sonambulismo pode aparecer em adultos, em geral naqueles portadores de doenças que fragmentam o sono (como a apneia do sono) e no uso de algumas medicações. Uma parte dos pacientes adultos mantêm relação com a síndrome das pernas inquietas (leia mais sobre isso aqui).

O grande problema que os familiares encontram no paciente que apresenta sonambulismo é como impedi-lo de se machucar. A primeira coisa que se deve fazer é levar o paciente ao neurologista, para que, através de uma história clínica, descubra-se se há algum fator que precipite as crises de sonambulismo, ou alguma condição clínica ou medicação em uso que esteja causado o problema. Caso haja, este precipitante (ou precipitantes) deve ser eliminado. 

Trancar a casa, guardar a chave do carro, e outras medidas para evitar que o paciente cause danos a outros ou a si próprio podem ser tomadas, mas a ajuda de um profissional (neurologista) é sempre indicada. 

O diagnóstico é clínico, através da história contada pelos familiares/amigos. O entendimento completo do sono do paciente, sua hora de dormir e de acordar, como é seu sono (em bloco ou fragmentado), quantas vezes o paciente acorda de noite, se há episódios de insônia, se há uso de medicações ou se há outras doenças ou condições associadas, como apneia do sono ou pernas inquietas, são informações vitais ao bom entendimento e ao tratamento da condição. O relato de familiares ou do cônjuge deve ser tomado, pois é muito importante já que o próprio paciente não consegue retratar todo o episódio. 

O uso de exames pode ser indicado pelo médico que atende o paciente, como a polissonografia. 

O curso da condição é em geral benigno, sendo os episódios temporários. Em crianças, tipicamente os eventos somem ao final da adolescência. 

Em relação ao tratamento, deve ser discutido com um neurologista em consulta. Mas adianto que uma boa noite de sono, em local escuro e calmo, espontâneo e em bloco, é um bom começo para um bom tratamento. 

domingo, agosto 18, 2013

Ataxia de Friedreich

Este post versa sobre uma doença de ocorrência muito rara. Não deve ser usado para dar diagnósticos, e muito menos para automedicação. Lembro que na vigência de sintomas em si ou em pessoas próximas a você, procure sempre o médico. 

Como já falado no post anterior, ataxia é a síndrome caracterizada por déficits de equilíbrio. Muitas doenças causam ataxia, sendo que algumas delas são genéticas, transmitidas de geração a geração através de defeitos genéticos. 

A doença sobre a qual falaremos hoje é uma forma de ataxia genética, de transmissão autossômica recessiva (leia o post anterior para entender este termo, caso você não o conheça). 

A ataxia de Friedreich, em homenagem ao médico que a descreveu, Nikolaus Friedreich, médico alemão do século XIX, e que descreveu a ataxia em 1863 em cinco artigos publicados em revistas médicas importantes da época (veja quem ele foi abaixo).

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6a/Nikolaus_Friedreich_1825-1882.jpg
A ataxia de Friedreich (passaremos a nos referir a ela pelas letras AF) é a forma mais comum de ataxia autossômica recessiva em pessoas caucasianas (de cor branca). Diferente de ataxias causadas por derrames ou pela esclerose múltipla, que se iniciam de forma súbita, de uma hora para outra ou em questão de horas a dias, a AF se inicia de forma lenta, ao longo dos meses a anos. A idade de início é variável, de 2 a 16 anos. 

O sintoma inicial em crianças e adolescentes costuma ser desequilíbrio ao andar, que pode ser manifestar de várias maneiras, como dificuldade de ficar em pé, correr ou ficar com os pés juntos ou um na frente do outro. Risco de queda ao se levantar da posição agachada pode ocorrer. Em crianças antes dos 3 anos de idade, pode haver algo parecido com déficit de desenvolvimento motor. A doença evolui com dificuldade progressiva de coordenação de braços e pernas em todos os pacientes. Em casos graves, acaba por haver ataxia de tronco, ou seja, dificuldade de manter-se sentado sem apoio. Podem ocorrer dificuldade de falar (disartria) com as palavras saindo em tons e alturas diferentes (fala escandida, tal como podemos figurativamente observar em pessoas bêbadas) em até 10 anos de doença, além de alteração de reflexos profundos (aqueles que se testam com o martelinho) e de sensibilidade profunda (a via sensitiva que nos permite saber onde está nosso corpo no espaço sem olhar para nossos membros - sem ela, não nos seria possível andar no escuro ou com os olhos fechados).

Perda de volume muscular em braços e pernas é visível em quase todos os pacientes, com fraqueza muscular. Alterações ortopédicas como escoliose, anormalidades do coração, com distúrbios de condução elétrica (arritmias cardíacas), lesões cardíacas e diabetes ocorrem em 50% dos pacientes.

A AF é extremamente variável em suas características clínicas, e há pacientes com quadros bem mais sutis ou leves. A doença quando começa após os 25 anos de idade parece ser mais leve, ocorrendo em 14% dos pacientes com a doença. Pode ocorrer da doença começar após os 40 anos de idade, a doença de instalação muito tardia.

O diagnóstico é clínico, sendo que a suspeita clínica é a parte mais importante. Sendo a AF rara, seu diagnóstico depende também da exclusão de outras causas de ataxia. Assim, exames serão feitos para descartar outras doenças que cursem com ataxia, como exames de imagem (tomografia ou ressonância magnética) e exames de sangue. Em geral, os exames de imagem pouco ajudam, demonstrando na maior parte das vezes diminuição (atrofia) do cerebelo.

O diagnóstico correto é feito através de um teste genético, procurando-se pela mutação do gene que produz a proteína chamada de frataxina, que está defeituosa e pouco funcional nestes pacientes. O teste deve ser solicitado por médico especialista.

O tratamento da AF é suportivo, e não há cura para a doença (ainda!). O uso de fisioterapia para aliviar alguns dos sintomas motores pode ser útil quando bem indicado. As alterações ortopédicas podem necessitar de cirurgia, a depender do ortopedista que segue o paciente. 

Recentemente, tentou-se o uso de uma medicação chamada de idebenona, um antioxidante, que parece diminuir ou estabilizar as alterações cardíacas que podem acompanhar a doença, e talvez possa auxiliar no tratamento da ataxia. No entanto, mais estudos são necessários para desvendar o papel desta medicação na AF. 

quinta-feira, agosto 15, 2013

Ataxia

Ataxia vem do grego, ἀταξία, 'a' "sem" e 'taxia' "ordem, formação". Ou seja, ataxia significa algo sem ordem, ou em medicina, algo sem equilíbrio. 

Ataxia é a síndrome causada pelas lesões ou disfunções dos sistemas de equilíbrio do corpo, notadamente o cerebelo e suas vias. Já falamos sobre o cerebelo neste blog (leia aqui). Os sintomas das várias formas de ataxia são parecidos, com desequilíbrio, dificuldade de ficar em pé, dificuldade de andar com os pés juntos ou um pé na frente do outro (marcha tandem), tremor dos membros ou da cabeça, fala com alteração de tom ou timbre/volume (a chamada fala escandida), alterações da movimentação dos olhos (principalmente o nistagmo, sobre o qual falaremos em outro post). Quer ver uma pessoa com ataxia na rua? Veja um bêbado andando. O álcool leva a disfunção das vias cerebelares, com ataxia temporária, enquanto seu efeito dura.

Há várias formas de ataxia, desde as esporádicas (ou seja, não familiares), causadas pelo uso crônico de álcool, derrames, tumores, traumatismos cranianos, uso de medicações, passando pelas de caráter congênito (aquelas que nascem com a pessoa), como malformações do cerebelo (defeitos do desenvolvimento do cerebelo), até as formas genéticas. 

Aqui é onde a porca torce o rabo, pois há várias formas genéticas de ataxia, desde as herdadas por meio autossômico (através de mutações de genes localizados nos cromossomos não sexuais, ou seja, não localizados nos cromossomos X ou Y) ou ligado ao X (transferido da mãe a um filho através de um cromossomo materno X afetado) (se estiver boiando, leia mais sobre isso nos primeiros parágrafos deste post).

As ataxias de caráter genético autossômico podem ser recessivas ou dominantes. As formas dominantes, mais de 30 tipos diferentes, são chamadas de ataxia espinocerebelares, ou através de sua sigla em inglês, SCA (SCA 1, 2, 3, 4, 5, ...). São as chamadas doenças da poliglutamina, e que podem levar a vários tipos de defeitos genéticos. A SCA mais comum no mundo é a SCA 3, também chamada de doença de Machado-Joseph, que pode ser melhor compreendida no link referido logo acima. 

Já as formas recessivas são doenças que geralmente se iniciam cedo ou nos primeiros anos, ou décadas de vida. São transmitidas por genes únicos, cuja presença leva a defeito de função de proteínas ou ausência destas proteínas, muitas essenciais ao funcionamento do corpo. São geralmente doenças raras. 

Entre as ataxias autossômicas recessivas mais conhecidas, temos a abetalipoproteinemia, a ataxia-telangectasia, a ataxia com apraxia ocular tipo 1 e 2, e a doença sobre a qual falaremos no próximo post, a ataxia de Friedreich, a mais comum das ataxias autossômicas recessivas.  




quarta-feira, agosto 14, 2013

Amamentação abaixa o risco de doença de Alzheimer

Notícia tirada do site da Universidade de Cambridge (fonte) e traduzida livremente para o blog Neuroinformação.

O artigo original, publicado na revista Journal of Alzheimer's Disease, para os interessados, está aqui. Onde estiver escrito N.T., significa uma observação minha. 

Mães que amamentam seus filhos podem ter um risco menor de desenvolver doença de Alzheimer. O estudo sugere uma ligação entre a doença e certos efeitos biológicos da amamentação, como a restauração da tolerância  à insulina que está diminuída durante a gestação (N.T. a falta de tolerância à insulina, ou seja, a resistência à insulina, é a base fisiopatológica do diabetes tipo 2), sendo que a própria doença de Alzheimer se caracteriza, em parte, pela resistência cerebral à insulina.

Apesar do número de participantes ter sido pequeno (81 mulheres), os pesquisadores encontraram correlação consistente e altamente significante entre a amamentação e o risco da doença de Alzheimer. Mas esta conexão foi muito menos pronunciada em mulheres que já tinham história de demência em suas famílias (N.T. o motivo do porquê disso não é discutido no site). O estudo pode auxiliar a incentivar o aleitamento materno, mas mais estudos deverão ser feitos para confirmar estes achados.

Estudos prévios haviam estabelecidos que a amamentação pode reduzir o risco materno de certas outras doenças, e parece, por estes estudos mais antigos, haver correlação entre a amamentação e declínio das funções mentais e cognitivas gerais em idade mais avançada na mulher. 

As 81 pacientes avaliadas no presente estudo possuíam idades entre 70 e 100 anos, com e sem doença de Alzheimer. Cônjuges, parentes e cuidadores foram entrevistados também (N.T. uma maneira de estimar com precisão o nível cognitivo dos pacientes, já que muitos pacientes portadores de demência não conseguem estimar o impacto da doença em suas vidas). A história reprodutiva destas mulheres, as suas histórias de amamentação, e seu status demencial foram avaliados. Fora isso, outros fatores foram contabilizados, como presença de tumores cerebrais ou derrames. 

Fatores como idade, nível de instrução da paciente, idade da primeira gestação, idade à menopausa e história de uso de álcool não afetaram os resultados do estudo.

As conclusões do estudo seguem:

1. Mulheres que amamentaram exibiram redução dos riscos de desenvolver doença de Alzheimer comparadas com mulheres que não amamentaram

2. Maior história de amamentação associou-se a um risco ainda menor de desenvolver a doença

3. Mulheres que tiveram uma razão maior entre meses gestante no total de suas vidas (N.T. o número de meses contabilizados em todas as gestações) e meses de amamentação no geral (ou seja, permaneceram mais meses grávidas do que amamentando) tiveram um risco maior de desenvolver doença de Alzheimer.

Em mulheres com um pai/mãe ou irmãos(ãs) afetado(s) pela doença, o impacto da amamentação sobre os riscos pareceu significativamente menor do que em mulheres sem história de demência na família.

A possibilidade de que a amamentação diminua a quantidade de progesterona do corpo (que está aumentada na gestação) está em investigação. A progesterona atrapalha a ação do estrógeno no cérebro, que parece proteger o cérebro da doença de Alzheimer. Outra possibilidade é que a amamentação aumente a tolerância do corpo à glicose pela restauração da sensibilidade dos órgãos à insulina, que está diminuída na gestação (a própria doença de Alzheimer se caracteriza pela resistência à insulina no cérebro, e alguns pesquisadores a chama de Diabetes tipo 3).

Abscesso cerebral

Os assuntos abordados aqui são de ordem geral, e de modo algum referem-se a algum paciente em particular. Não usem estas informações para se auto-diagnosticar, o que pode ser perigoso pois pode retardar o diagnóstico de uma doença grave, ou mesmo para auto-medicação, o que é ainda mais perigoso. Na vigência de sintomas, sempre (eu disse sempre) vá ao médico.

Inicialmente, o que é um abscesso? Abscesso é uma palavra que vem do latim, Abscessus, que significa uma saída ou esvaziamento. Do mesmo latim, o verbo Abscedere significa retirar (fonte).

Um abscesso nada mais é do que pus coletado em uma cavidade, uma coleção de pus, podendo ocorrer nos mais variados locais do corpo. Em geral, forma-se a partir da infecção, por bactérias ou fungos, de um tecido ou cavidade, com inflamação onde predomina um tipo de célula branca (leucócito) chamada de neutrófilo. A degeneração dos tecidos, das células de defesa e a destruição dos organismos invasores com suas substâncias, acabam por se misturar em um líquido quente e viscoso, que se acumula sob pressão dentro do abscesso (daí a dor, o calor, e o inchaço que o acompanham), o pus.

Essa figura abaixo mostra um abscesso na pele (figura forte):

http://www.ghorayeb.com/files/Neck_Abscess_400_SQ.jpg
Observe o vermelhão, o inchaço e o pus se formando na abertura do abscesso. Agora, observe um abscesso cerebral em uma tomografia (figura de cima) e em uma ressonância (figura de baixo).

https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTL7NLrYrNKijKH06BN0uflBVYeiNhpsTAe9NeZlkW0IAkG0vYMwQ
Nesta figura acima, o abscesso está localizado do lado direito da figura, possuindo uma cápsula que realça muito bem ao contraste, e ao seu redor, uma área mais escura que empurra as estruturas para os lados, ou seja, inchaço (edema cerebral).

https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcS5xFu_BOOkdRmFHty-Uy5s0drJAw48c2sP0mg4DsBrOQrirgNa
Outro abscesso cerebral acima, com a área de edema cerebral ao seu redor, e a cápsula bem visível e que realça com facilidade (fica branca nesta sequência de ressonância).

Muito bem. Um abscesso cerebral é aquele que se forma no interior do tecido cerebral. Suas causas são as mais variadas. As fontes mais comuns de abscessos cerebrais são as infecções sistêmicas (focos hematogênicos), como abscessos pulmonares, endocardites (infecções das válvulas do coração), e infecções em outros órgãos, sendo que o abscesso se forma pela liberação de bactérias destes focos, e que acabam por se alojar no cérebro. Mais raramente, os abscessos podem advir de infecções de vias aéreas e de dentes. Mas não é qualquer infecção que produz um abscesso. Em geral, infecções graves e não tratadas podem evoluir para abscesso cerebral, como sinusites (calma, não é qualquer sinusite, mas aquelas mais graves e que não são tratadas, com grandes quantidades de secreção purulenta), infecções dentárias como abscessos peridentários, otites agudas (infecções agudas e purulentas dos ouvidos), e mastoidites agudas (infecções da mastoide, a parte do osso que fica atrás da orelha, e que contém células cheias de ar, podendo ficar infectada e cheia de pus). Outra causa de abscessos cerebrais são os traumatismos cranianos abertos, como acidentes, ferimentos de arma de fogo e por arma branca, além de cirurgias cerebrais pelos mais variados motivos.

Os sintomas dos abscessos cerebrais depende da localização, do tamanho, da provável causa, das condições do paciente e do número de abscessos (sim, podem haver vários em um mesmo paciente, cuja causa em geral é hematogênica, ou seja, espraiamento de infecção de outros locais para o cérebro). Geralmente, sintomas mais gerais como mal estar, dor de cabeça, febre, moleza, perda de apetite podem acontecer, ou mesmo podem passar despercebidos. Em geral, sintomas mais específicos, relacionados à presença de um abscesso cerebral, ocorrem em até 2 semanas do início do quadro. Assim, podemos ter confusão mental, dor de cabeça maios intensa, sinais sugestivos de meningite (em menos de 1/4 dos pacientes), crises convulsivas, perda de força de um lado, alterações da fala ou linguagem, dificuldade para ficar em pé ou andar (ataxia). Casos mais graves com hidrocefalia (aumento dos espaços de líquido na cabeça por compressão da circulação normal do líquor pelo abscesso) ou coma podem ocorrer.

O diagnóstico deve primeiro ser suspeitado, ou seja, o médico tem de ficar atento para a possibilidade de um abscesso cerebral. A tomografia, de preferência com contraste (mas há casos onde o contraste é proibido, como nas alergias a iodo), ou a ressonância magnética de crânio, é o exame de escolha no diagnóstico. Raramente, outros exames poderão ser pedidos quando houver dúvida no diagnóstico, e a solicitação destes depende do médico que assiste o paciente.

A evolução é boa em geral para aqueles pacientes com abscesso pequeno, único, e de diagnóstico rápido. Mas pode ser bastante diferente de um paciente para o outro, e casos mais graves podem ocorrer. O tratamento em geral envolve antibióticos pela veia, com o paciente internado, por 2 a 8 semanas, o que pode variar de acordo com o caso (quais os antibióticos podem ser usados não será discutido aqui, e isso deve ser assunto tomado com o médico que assiste o paciente), com a bactéria isolada, e se houve ou não drenagem do abscesso por cirurgia (sim, às vezes é necessária a drenagem do abscesso por neurocirurgião competente neste tipo de procedimento). 

segunda-feira, agosto 05, 2013

Manifestações neurológicas da infecção pelo HIV - AIDS

Quando falamos em AIDS e neurologia, muitos dos que se dizem entendidos já pensam nas infecções que acompanham a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), as chamadas infecções oportunistas, como toxoplasmose, criptococose, infecções por outros vírus como o vírus Epstein-Barr (cuja infecção pode causar o linfoma primário do sistema nervoso central), citomegalovírus, tuberculose, sífilis e outras infecções. Mas se esquece (ou não sabe) que o próprio HIV pode levar a doenças neurológicas, tanto no início da doença (quando aparecem os anticorpos contra o vírus, a chamada viragem sorológica), como em qualquer fase da doença a depender de alguns fatores, sendo talvez o mais importante a carga viral (a quantidade de cápsulas do vírus em amostra de sangue, que deve ser a menor possível quando o paciente está em tratamento - carga indetectável). 

Fora isso, há ainda a famosa Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune, ou IRIS, quando há a melhora da função imunológica em pacientes antes imunologicamente suprimidos, o que também pode acontecer em pacientes usando medicações para câncer e outras doenças, como a esclerose múltipla (o caso do natalizumab). Essa melhora imune pode acabar levando a lesões ou piora de lesões em vários sistemas orgânicos por ataque imunológico (auto-imune). 

O vírus HIV é neurotrópico, ou seja, ele "gosta de se apegar ao sistema nervoso". E sabe-se que as lesões neurológicas na AIDS causadas pelo próprio vírus HIV podem ser causadas por neurotoxicidade direta das proteínas virais produzidas e secretadas pelo vírus, ou por mecanismos indiretos, através de substâncias produzidas pelo sistema imunológico contra qualquer substância ou organismo invasor, as citoquinas ou citocinas. 

A primeira infecção primária (causada pelo próprio vírus) do sistema nervoso pelo HIV foi demonstrada em 1985, e o vírus foi isolado do líquido da espinha (líquor), do próprio cérebro, da medula espinhal e mesmo dos nervos periféricos de pacientes que morreram com a infecção. Mesmo pessoas aparentemente sadias portadoras do vírus, durante a conversão sorológica (a viragem sorológica ou soroconversão descrita acima), podem apresentar alterações bioquímicas no líquor e mesmo podem apresentar partículas virais no líquor. 

A melhor prevenção para estas complicações é o tratamento inicial, pronto e correto da infecção pelo HIV. Tanto que há pacientes infectados há anos sem sintomas neurológicos pela AIDS. A demência associada ao HIV, quadro geralmente irreversível e visto em pacientes não tratados ou mal tratados com HIV após vários anos de doença, pode ser prevenida, e com o aparecimento da terapia altamente ativa (HAART), sua incidência caiu em 40 a 50%. 

Entre as infecções primárias pelo HIV no sistema nervoso, e sobre as quais discutiremos em posts a parte, temos a encefalopatia em crianças, as síndromes desmielinizantes, quadros parkinsonianos, meningites e encefalites, mielopatia vacuolar, neuropatias e polineuropatias pelo HIV, polirradiculoneuropatia aguda e crônica (a aguda sendo uma forma de síndrome de Guillain-Barré), doença de neurônio motor (forma semelhante à esclerose lateral amiotrófica) e miopatias inflamatórias (lesões musculares primárias).

Faremos vários posts a parte de cada uma destas infecções. 

Distonia cervical - O músculo esplênio da cabeça

Este músculo não é tão conhecido pois localiza-se profundamente na porção posterior do pescoço, abaixo da nuca de cada lado. Palpe logo atrás de sua orelha, e você encontrará um osso duro e abaulado, a mastoide. Logo abaixo e ligeiramente atrás dela, localiza-se a porção inicial do músculo esplênio da cabeça, ou esplenius capitis (em latim, e como chamamos na clínica). Coloque as pontas de seus dedos na região logo atrás e abaixo da mastoide, e gire a cabeça para o mesmo lado. Se você sentiu um abaulamento muscular se formar abaixo de seus dedos, você sentiu o esplenius capitis logo abaixo do músculo trapézio. Observe abaixo:

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/78/Musculus_splenius_capitis_et_cervicis_marked.png/200px-Musculus_splenius_capitis_et_cervicis_marked.png
O músculo brilhante acima é o esplenius capitis, neste caso do lado direito. 

Observe mais abaixo:

https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSEnIeY26H7be2Q4L5zrMtoLF_mNvdx7vMI_HObTtj7nigEMYBviQ

O músculo esplenius capitis é um dos grandes responsáveis pelos torcicolos, quando um músculo só está ativado, e pelos retrocolos, quando ambos os esplenius capitis estão ativos juntos. O esplenius capitis do lado direito vira a cabeça para a direita, e o do lado esquerdo o faz para a esquerda. 

O esplenius de cada lado ainda auxilia na lateralização da cabeça para o ombro, o da direita auxilia a lateralização para a direita, e o da esquerda, para a esquerda.

https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT3D6wtWta0QHCfWaaFW1VVehWbXMWVyYX_7mptXkE1DjoEn1frTQ
A figura acima serve para lembrar dos conceitos de distonia cervical, pelo menos os básicos.

E o tremor da cabeça, aquele tremor em negação, de um lado para outro, que pode ser causado pela distonia cervical? Esse também pode ser causado pela ativação simultânea de ambos os músculos esplenius capitis. 

sábado, agosto 03, 2013

Cirurgia para doença de Alzheimer

Artigo tirado de publicação da Surgical Neurology International, de 2012 (fonte)

Devido ao envelhecimento populacional, haja vista o aumento da expectativa de vida média da população mundial, aliado à prevalência de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e hipercolesterolemia, prevê-se um aumento da prevalência de doença de Alzheimer, a doença neurodegenerativa mais comum do mundo, que já afeta 27 milhões de pessoas mundialmente.

Sabe-se que os tratamentos atualmente utilizados são, de certa forma, pouco eficazes e sintomáticos somente, sem modificações no andar da doença.

De forma simplificada, a doença afeta os circuitos neuronais envolvidos com a memória e outros processos cognitivos, mas pode ser ainda mais ampla. As regiões cerebrais mais afetadas são o hipocampo e o córtex entorrinal (veja abaixo).

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O núcleo basal de Meynert, que comunica-se com a parte frontal e basal do cérebro através de terminações colinérgicas (que contêm uma substância chamada de acetilcolina), e também afetado na doença (veja abaixo em vermelho), foi já em 1985 alvo de estimulação cerebral, que apesar de ineficiente clinicamente, demonstrou evidências de melhora do metabolismo cerebral.

http://www.e-radimaging.com/cffm/custom/Greif%20AD/Figure%202.jpg
Em 2010, após a observação de melhora da memória pós cirurgia da região do hipocampo e adjacências em um paciente tratado para obesidade, foi feito um estudo com estimulação cerebral profunda (DBS, de Deep Brain Stimulation) em seis pacientes com doença de Alzheimer leve a moderada, com bons resultados em estudos de Tomografia com Emissão de Pósitrons (PET Scan), que demonstraram reversão das alterações típicas da doença, além de melhora clínica em um escore de função cognitiva em dois dos seis pacientes, fora diminuição da taxa de declínio cognitivo em todos os pacientes, sem efeitos adversos. 

Comentaremos mais sobre esse tema em post a parte.