terça-feira, julho 10, 2012

Pequeno dicionário de termos médicos - Dor miofascial

A dor miofascial, diferente da dor muscular simples, é algo mais complexo, e que pode não refletir a verdadeira localização da dor. Ficou boiando? Vamos explicar mais:

A dor causada por uma lesão muscular por trauma físico ou simplesmente exercícios físicos mais intensos é bem localizada aos músculos dolorosos, dura poucos dias, e logo melhora com o tratamento direcionado para a lesão, ou seja, massagem, hidratação, compressas mornas ou frias, e analgésicos. 

Mas a dor miofascial é diferente, por que é crônica, persiste, e não localiza bem o ponto de dor. A dor miofascial geralmente decorre de uma contração muscular repetitiva, por movimentos ocupacionais (no trabalho) ou em atividades de lazer/hobbies, ou por estresse muscular (referência). A dor miofascial, se não tratada de forma correta, não somente persiste, mas piora com o passar do tempo. 

A base da dor miofascial são os chamados trigger points ou pontos-gatilho musculares, algo que não existe na dor muscular típica, comum. Um autor, chamado Simmons, em 1990 forneceu informações importantes a respeito da dor miofascial:

"A dor miofascial é um complexo de sintomas sensitivos (dor), motores (pode haver fraqueza subjetiva por dor do músculo acometido) e autonômicos (alterações intestinais, náuseas com a dor) causados pela presença de pontos-gatilho miofasciais" (Referência).

No mesmo trabalho, o mesmo autor fala que "os pontos-gatilho são pontos de alta sensibilidade e hiperirritabilidade muscular ou da sua cobertura fibrosa (fáscia), localizados em bandas e potos endurecidos e dolorosos dos músculos, que levam a uma resposta local de fibras musculares quando palpados, e que podem dar lugar a dor e sintomas sensitivos/autonômicos quando bem irritados, além de sintomas distantes do local de contração, os chamados alvos".

Você já passou a mão sobre um músculo que está doendo há muito tempo, geralmente no pescoço, mas podendo ocorrer em qualquer músculo, e sentiu umas bolinhas dolorosas no músculo que ora estavam lá, ora sumiam? Pois é, estes pontos são os pontos-gatilho musculares!

Observe abaixo um músculo cortado coberto por sua fáscia, uma banda fibrosa de tecido conjuntivo:

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCFOLoCts_oD3iDBiRmmVPFtLDWlL_Aw4odjg-reO2doQ69phv0sYXS_J7NpZ4qnasVT4LRyHpgHgg33Has0QzHDMBxumUFYkrJb5944VkBwQe8kmcTFuP7LQQT7exjuHqYiTUg9aYiQs/s400/fascia.jpg
A fáscia é a cobertura fibrosa do músculo, tanto por fora como por dentro. O músculo é formado por fibras e fibrilas musculares, que juntam para formar as grandes formações musculares. 

Observe mais abaixo:

http://blogdodalmo.files.wordpress.com/2011/05/musc_16.jpg
Esta figura acima, semelhante à anterior, mostra o tendão, formação fibrosa não muscular que o músculo usa para se fixar ao osso. 

Observe mais abaixo:

http://www.fisioterapiaesaude.com/wp-content/uploads/2010/06/fascia1.jpg
A fáscia é essa cobertura esbranquiçada sobre e entre os músculos. Observe uma figura de um músculo humano de verdade:

http://www.gla.ac.uk/ibls/US/fab/images/anatomy/thighfas.gif
Essa é a sua coxa, cortada de frente para trás. As malhas brancas entre os músculos (em um tom mais avermelhando) constituem as fáscias.

Bem, e os pontos-gatilho? Eles se espalham, de forma que um músculo com dor miofascial pode produzir dor à distância. Observe abaixo:

http://www.bonesdoctor.com/images/trigger_points5.jpg
A dor miofascial do músculo trapézio, localizada atrás de suas costas, se espalha por toda esta região que você vê acima. Mais:

http://www.triggerpointmgmt.com/points%20drawing.jpg

O músculo esternocleidomastoideo, este músculo com os pontos pretos sobre ele, e que você palpa na lateral de seu pescoço quando vita o pescoço para o outro lado, pode dar dor em todos estes pontos vermelhos na figura. E pode ser que aquela dor de cabeça que não o larga há semanas seja causada por dor miofascial de um músculo como este.

Mais? Lá vai:

http://www.myofascialtherapy.org/images/faqs-leg.gif
Que interessante! Dor miofascial de músculos das nádegas ou da perna podem irradiar para baixo, e simular, pasmem, dor causada por uma hérnia de disco!

http://www.blissclinic.fi/files/tp-pect-major.gif?1289890222=1
Uma dor no peito pode não ser coração, mas sim dor miofascial do músculo peitoral maior!

Ou seja, a dor miofascial simula qualquer tipo de dor, inclusive dor causada por problemas abdominais. Eu mesmo tive uma dor miofascial que parecia uma fratura de costela, nem podia tocar no local. Um bom exame clínico por um bom ortopedista, e os remédios certos resolveram o problema em dias sem necessidade de radiografia.

Mas não me entendam mal, e como eu já disse neste blog várias vezes, não use as informações dadas aqui para fazer diagnósticos. Pode ser que aquela dor que começou há alguns dias seja algo realmente urgente, grave. Logo, como saber se o que eu tenho é dor miofascial?

Simples, vá a um médico. As maiores armas no diagnóstico não são radiografia ou ressonâncias, mas o questionamento correto do paciente acerca dos sintomas e o uso das mãos para palpar os pontos de dor. Simples, não é?

quarta-feira, julho 04, 2012

O que falar ao médico para que ele diagnostique de forma correta sua dor de cabeça?

Neste blog, já discutimos em alguns tópicos (leia aquiaqui e aqui) sobre dicas rápidas e objetivas de como falar seus sintomas ao médico de forma que ele consiga fazer o seu diagnóstico.

É sempre bom lembrar que o paciente, no consultório, está sendo entrevistado, e o entrevistador, o médico, quer saber o máximo de quem se entrevista, o paciente. Sabendo o máximo, e juntando as peças deste quebra-cabeças chamado de história clínica, o médico consegue juntamente com o exame médico fazer o diagnóstico, e pedir os exames corretos para confirmá-lo. 

É claro que a responsabilidade não é somente do paciente, e saber tirar uma história bem feita de um paciente é uma arte que o médico aperfeiçoa com o tempo, ou um dom inato a outros médicos. 

E esta reportagem do site G1 de MS demonstra bem esta temática, como dizer os sintomas ao médico para que o mesmo consiga fazer o seu diagnóstico. E a reportagem, apesar de ser sobre dor de cabeça, pode se estender a todas as doenças, em qualquer área da medicina. Uma história bem feita e bem tirada de um paciente que sabe relatar seus sintomas é a melhor arma no diagnóstico de qualquer doença.  

Parabéns ao site G1 por mais este serviço de saúde pública.

domingo, julho 01, 2012

Por que sentimos algo gelado correr pela cabeça de vez em quando?

Você já deve ter se deparado com a seguinte situação:

Você sente uma dor de cabeça, pode ser a primeira vez ou a enésima vez, com ou sem estresse ou ansiedade, e durante ou ao final da dor, ou durante um pico de estresse, sente algo gelado escorrer pela cabeça, podendo ir até o pescoço. Passa a mão na cabeça, e não há nada lá, só cabelo!! O que pode ser isso?

O nosso cérebro adora pregar peças em nós, e esta pode ser mais uma delas. Muitas pessoas podem vir a sentir coisas estranhas, como dormências ou formigamentos, ou sensação de algo gelado ou quente em algum lugar do corpo, e um médico pode virar esta pessoa do avesso e não encontrar nada de anormal com seus órgãos. Muitas destas sensações são produzidas por estimulação anormal do cérebro, em situações as mais diversas. 

A estas sensações, além das clássicas (sensação de dormência ou como formigas nos picando, ou minúsculas agulhas sendo enfiadas em nossa pele, ou calor sem causa aparente), chamamos de parestesias. As parestesias podem ser sensações produzidas por nosso cérebro, podendo ocorrer em situações de estresse, medo ou ansiedade (quem já não sentiu, durante um situação extremamente estressante ou durante um ataque de ansiedade, formigamentos e sensações estranhas na cabeça, peito ou braços?) ou podem ser consequência de algo orgânico, alguma lesão no cérebro ou nos nervos que vão ou vêm da pele, como derrames, lesões pelo vírus do herpes (herpes zoster) ou lesões dos nervos causadas pelo diabetes. 

No entanto, nestes casos, as parestesias ocorrem em um lado do corpo, no caso dos derrames, sendo persistentes e vindo com fraqueza e/ou perda de sensibilidade do lado afetado; em uma segmento de um lado do corpo, geralmente uma faixa no peito ou na barriga, no herpes zoster, quase sempre vindo acompanhadas de lesões da pele, bolhas com base avermelhada (o famoso cobreiro); ou nos dois pés podendo subir para as pernas no caso do diabetes e outras causas de problemas nos nervos. E mais, há alterações no exame clínico do paciente (exame físico feito pelo médico em consultório) e nos exames complementares, como eletroneuromiografia ou tomografia de crânio.

O que pode estar acontecendo é que, durante uma crise de enxaqueca ou qualquer tipo de dor de cabeça, mesmo as mais leves, ou após uma batida na cabeça, ou durante ou após uma crise de estresse ou ansiedade, ocorre estimulação de várias estruturas cerebrais por várias substâncias liberadas de forma exaustiva dentro das terminações nervosas. Substâncias como a noradrenalina, a serotonina, e a histamina acabam populando as sinapses nestas situações. Estas substâncias acabam por desencadear sensações anormais em uma região da cabeça onde fica o gânglio trigeminal (o gânglio do nervo trigêmeo, que leva a sensibilidade à face e ao couro cabeludo). A estimulação deste nervo pode levar a dor, ou sensações anormais como formigamentos, calor ou frio local. 

Fora isso, alterações nos vasos da pele da parte de trás da cabeça, com os vasos dilatando e contraindo, podem levar a sensações anormais durante uma crise de enxaqueca ou uma crise de ansiedade. 

Além disso, o nervo trigêmeo comunica-se com os nervos que vão para o pescoço dentro do tronco cerebral (o que explica por que a enxaqueca pode causar dor na nuca), e esta comunicação acaba por desencadear também estimulação sensitiva da pele do pescoço, sentida como dormência, formigamento, ou frio local, mesmo sem nada frio por lá.

Observe abaixo:

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiweuFhVZJvAsxqvbRyJ8eo-zTjjmJUwSnfFuvvV3uGI4_MKEteKPtdyjXJu2YTqQ81O0wmtW-pmjRxlMxTg0cdBhVxtA2OGmbUez6HlKyP3WFPE4BVa39J0W3y9-Kg2GU1VMAooGXNePm8/s1600/trigeminal_nerve.jpg
Esta figura demonstra o nervo trigêmeo saindo do tronco cerebral. No meio da figura, você vê uma estrutura amarelada em forma de bola, o gânglio trigeminal. O trigêmeo é o responsável pela inervação da face (leia mais aqui). 

Dentro do tronco cerebral, o nervo comunica-se com estruturas que vão inervar o pescoço, daí a relação íntima entre dor de cabeça e dor nucal. 

Fora isso, as mesmas situações que desencadeiam sintomas estranhos na cabeça podem causar sintomas estranhos em outros locais do corpo, por que o sistema nervoso é intricado e prolonga-se pelo corpo todo através dos nervos, mas também pela alteração dos vasos da pele, que podem dilatar ou contrair em resposta ao estresse, e por conta de várias substâncias liberadas na circulação, como os hormônios, os principais sendo o hormônio glicocorticoide e o ACTH, e que podem levar a sensações estranhas e desagradáveis pela sua ação sobre a pele, os nervos e os vasos da pele. 

O medo da maior parte dos pacientes é de estar tendo um derrame, ou pior, um aneurisma. Calma, essa não é a regra aqui. Na maior parte das vezes a sensação é benigna e logo passa.

Mas se você nunca sentiu isso, se esta sensação lhe parece estranha e nova, se a sensação vem acompanhada de fraqueza em alguma parte do corpo, perda de visão, alteração da fala ou do andar (marcha), se a sensação vem junto com a pior dor de cabeça de sua vida, vá imediatamente a um médico.