Antes de falarmos de síndrome de West,
temos de definir o que são espasmos infantis.
Espasmos infantis são contrações
súbitas de membros e tronco, com flexão ou extensão do pescoço, de crianças em
geral abaixo de 1 ano de idade, e que relacionam-se a crises epilépticas e
alterações no eletroencefalograma, podendo, ou não, levar a epilepsia no futuro
e atraso no desenvolvimento motor e mental. Várias são as causas dos espasmos
infantis, como:
1. Alterações do
desenvolvimento do cérebro (as famosas
malformações cerebrais);
2. Doenças do
desenvolvimento da pele e do sistema nervoso
(não sei se vocês sabem, mas o sistema nervoso e a pele desenvolvem-se do mesmo
tecido, e são embriologicamente (ou seja, desde o desenvolvimento do embrião e
feto) ligados), doenças a que chamamos de facomatoses
ou síndromes neurocutâneas, as mais
relacionadas a espasmos infantis sendo a esclerose tuberosa e a síndrome de
Sturge-Weber (poderemos falar mais dessas síndromes após);
3. Anóxia cerebral, ou seja, falta de oxigênio ao feto antes ou
durante o parto;
4. Doenças genéticas, e aqui há várias delas (poderemos falar mais
disso em posts posteriores)
5. Sem causa definida, ou criptogênicas, em cerca de 10 a 40% dos casos.
A síndrome de West é uma forma de
espasmos infantis. Síndrome é todo conjunto de sinais e sintomas que podem
fazer parte de várias doenças diferentes. Ou seja, a síndrome de West não é uma
doença, mas pode ocorrer no curso de várias doenças, inclusive as mencionadas
acima. O nome síndrome de West refere-se à tríade de:
a. Espasmos infantis;
b. Encefalopatia (ou seja, doença do cérebro e de sua
camada mais externa, o córtex), com retardo do desenvolvimento neuromotor;
c. Hipsarritmia (do grego hypsos, “altura” e arrhythmia, “falta de ritmo”, uma alteração no eletroencefalograma entre as crises, ou seja, interictal,
com ondas grandes e lentas misturadas com ondas menores e mais rápidas,
formando um padrão quase anárquico, caótico – veja abaixo).
http://pediatrics.georgetown.edu/images/guhpeds/visualdiagnosis/vdwk51_1.png
Acima, um padrão típico de West, com hipsarritmia.
Este vídeo do Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=TcSegvM0qOk) mostra uma criança com contrações tônicas do corpo, em extensão dos braços e tronco, demonstrando espasmos infantis, típicos da síndrome de West.
Os espasmos infantis foram descritos pela primeira
vez por William James West em 1841, na famosa revista Lancet (a mais antiga
revista de medicina do mundo), em seu próprio filho de 4 meses de idade. Em 1952,
Gibbs e Gibbs descreveram o padrão único da síndrome de West no eletroencefalograma,
a hipsarritmia. O
termo síndrome de West para a já comentada tríade de espasmos infantis,
encefalopatia e hipsarritmia foi usado pela primeira vez pelo famoso
epileptologista francês Henri Gastaut, em 1960.
Os espasmos infantis não são
uma doença, mas uma síndrome que pode ocorrer em várias doenças diferentes.
Sessenta a 70% dos casos há doenças cerebrais evidentes; em cerca de 10 a 40%
dos casos, não há causa específica, e a estes casos chamamos de espasmos
infantis criptogênicos (ou seja, há uma causa, mas ela não é conhecida). Cerca de
50% das crianças com espasmos infantis (incluindo a síndrome de West)
desenvolvem uma forma de síndrome epiléptica chamada de síndrome de
Lennox-Gastaut, uma forma de encefalopatia epiléptica da qual falaremos em post
posterior.
Os espasmos infantis iniciam-se no
primeiro ano de vida, em geral entre os 4 e 6 meses de vida, apesar de raros
casos ocorrerem após o primeiro ano de vida. Como visto no vídeo acima, há
contrações súbitas, simétricas, bilaterais e breves dos membros e do tronco,
podendo ou haver flexão e/ou extensão do corpo e membros. A síndrome de West
caracteriza-se mais pelos espasmos em flexão. Desvios verticais dos olhos,
alterações respiratórias ou raramente mudanças na frequência cardíaca são
achados ocasionais dos espasmos.
Se os espasmos são assimétricos, ou
seja, um lado contrai de forma diferente que o outro, ou somente um lado
contrai enquanto o outro não sugere uma lesão cerebral localizada, geralmente do
lado contrário ao lado do corpo que contrai. Os espasmos ocorrem mais ao
acordar ou ao pegar no sono, podendo ocorrer em agrupamentos separados por
espaços de tempo menores que 1 minuto. A intensidade dos espasmos aumenta, e
depois diminui gradativamente. Pode haver alguns a centenas ao dia. Ruídos intensos
ou estimulação tátil podem desencadeá-los. Outros tipos de crises epilépticas
podem ocorrer, como abalos clônicos (abalos musculares contínuos dos membros)
ou crises focais (contrações ou abalos de um membro isoladamente). Crises
tônicas, onde há uma contração sustentada sem abalos do corpo, podem ocorrer.
Além da hipsarritmia, típica dos
períodos entre as crises, outras alterações do eletroencefalograma podem
ocorrer.
A incidência da doença, ou seja, o número de casos novos por total de habitantes, é de cerca de 2 a 3,5 por 10,000 nascidos vivos. Ocorre em todas as etnias, sendo 1,5 mais comum em garotos do que em garotas.
O diagnóstico dos espasmos é clínico, observando-se a criança e tirando-se uma história bem feita da doença e fazendo-se um exame neuropediátrico completo. Na dúvida, o uso do vídeo-eletroencefalograma, onde há a filmagem dos movimentos e o registro dos traçados do eletroencefalograma por 1 a vários dias, pode ser útil. Alguns pacientes filmam a criança e mostram o filme ao médico, o que pode ajudar sobremaneira o diagnóstico das crises (fica a dica).
Exames devem ser feitos para se procurar a causa dos espasmos. Quais exames solicitar fica a cargo do neuropediatra que assiste o paciente, assim como o tratamento, que aliás e complexo, envolve várias medicações, e deve inicialmente ser voltado para o tratamento da doença que está causando os espasmos, além do tratamentos dos espasmos e das alterações do eletroencefalograma. O tratamento deve ser individualizado para cada paciente, e não será discutido neste post. |
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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista