quinta-feira, julho 07, 2011

O doutor me pediu um exame de líquido da espinha - O que é isso?

Antes de falarmos sobre o exame em si, vamos falar do líquido da espinha, mas propriamente chamado de líquor (aqui será chamado de LCR, para líquido céfalo-raquidiano).

O LCR é uma mistura que banha o cérebro e a medula, correndo entre duas meninges (Vide aqui), a dura máter e a aracnóide. Serve para várias coisas, entre elas para proporcionar uma almofada para o cérebro e a medula para evitar traumas, como meio de manuntenção da temperatura cerebral e medular, para carrear nutrientes para suprir as estruturas banhadas por ele, e outras funções. Mas o mais interessante é que, em algumas doenças cerebrais e medulares, e mesmo de nervos periféricos como a síndrome de Guillain-Barré (Olhe este artigo), o LCR pode se alterar, e isso auxilia no diagnóstico de várias doenças.

O LCR é um líquido transparente, igual a água pura, cristalina, e sem cheiro, formado por várias substâncias, como glicose (açúcar), cloretos, lactato (produto do metabolismo celular), proteínas, ureia, e células (linfócitos, monócitos e neutrófilos, células de defesa do sangue e que habitam o LCR em minúsculas quantidades, em geral de 3 a 5 células por campo microscópico em uma adulto normal). A glicose em geral tem de ser cerca de 2/3 a glicose do sangue (glicemia) e as proteínas não devem ultrapassar a concentração de 40 mg/dl. Não há certas células normalmente no LCR, como eosinófilos (células relacionadas às alergias e às verminoses) e hemácias (células vermelhas do sangue).

A pressão do LCR, que corresponde grosseiramente à pressão dentro da caixa craniana, onde fica o cérebro, é importante também, e é medida em uma unidade chamada de centrímetro de água (ou cmH2O), mas pode ser medida em milímetros de água (mmH2O), simplesmente pela multiplicação do valor em cmH2O por 10, ou em centímetros ou milímetros de mercúrio (cmHg ou mmHg) através de outras manobras matemáticas. Para se medir a pressão, deita-se o paciente para que a pressão embaixo se iguale à de cima (caso contrário, a pressão embaixo vai ser igual à do cérebro mais a carga toda da coluna de LCR em cima do local onde se está colhendo, e ela será maior que o esperado).

O LCR, assim, ao visualizar células que não deveriam estar ali, ou aumento ou diminuição de certos constituintes, pode ajudar a dizer se aquele diagnóstico que seu médico pensou está certo ou não.

O diagnóstico mais importante para se colher um LCR é a meningite bacteriana, que leva a um LCR leitoso, turvo, branco, e cheio de células (neutrófilos) e proteínas, com glicose quase zero. Mas as meningites virais, causadas por vírus, podem levar a LCR de aspecto normal, mas com poucas células, a maior parte delas limfócitos e monócitos, proteína levemente aumentada, e glicose normal.

Outras infecções como tuberculose e toxoplasmose podem levar a alterações. Uma infecção comum em certos grupos, especialmente os imunodeficientes não controlados, como os portadores de AIDS, é a criptococose, infecção por um fungo, o Cryptococcus, e causa LCR bem alterado com pressão bem aumentada.

Outras doenças podem levar a alterações no LCR, como certas inflamações cerebrais e sangramentos cerebrais. Pacientes após uma crise epiléptica podem mostrar LCR com muitas células e proteina aumentada. Sangramentos cerebrais podem levar a alterações no LCR (neste grupo estão as hemorragias causadas por aneurismas, que às vezes não podem ser vistas na tomografia, e acabam por ser flagradas no exame de LCR).

Abscessos cerebrais, infecções presas em cápsulas dentro do cérebro, podem alterar o LCR também. Lesões medulares, como desmielinzações, infecções, certos tipos de tumores, podem levar a alterações também.

Bem, você já deve ter entendido que o exame de LCR pode ser muito importante para seu diagnóstico. E como é feito o exame?

Primeiro, o paciente tem de estar calmo e tranquilo. Pacientes tensos tornam o exame mais difícil, pela tensão da musculatura lombar, e por que nestes casos a pressão dentro do LCR aumenta (ela também depende da pressão dentro da barriga, que estará aumentada quando se está tenso). O paciente pode ficar sentado ou deitado, de lado, em uma posição dita fetal, com a cabeça grudada no peito e os joelhos encostados na barriga. O posicionamento correto do paciente deve ser feito, e muito bem feito, por que sem ele não se colhe o LCR direito. A coluna tem de estar reta, alinhada com a maca (que deve ser rígida), e com os espaços intervertebrais abertos para a entrada da agulha.

Hein? Espaços intervertebrais? Como assim?

Isso mesmo, lembra que em artigo anterior, quando se falou de medula, falou-se de vértebras (Veja aqui)? Pois é, e aqui vai outra figura:


Essa figura veio daqui:  http://www.nytimes.com/imagepages/2007/08/01/health/adam/9242CSFsmear.html

Olha a agulha entrando entre as vértebras. Elas tem de estar bem separadas para a agulha não encontrar osso pela frente, e sim o espaço subaracnóide.

E a posição do paciente? É essa aqui:


Essa figura veion daqui: http://www.stfranciscare.org/saintfrancisdoctors/cancercenter/nci/popUpDefinitions.aspx?id=CDR46303.xml

Mas pode-se colher sentado também, e para medir a pressão basta deitar o paciente de lado, com a cabeça nivelada com a coluna lombar.

E o exame dói? Sim, dói um pouco, mas depende de sua percepção de dor. Colho vários exames destes por mês, e vários pacientes dizem que não sentiramnada, e alguns poucos sentem demais. Portanto, varia de acordo com a tensão ou calma do paciente, com a colaboração do mesmo, com a técnica do médico, com o posicionamento do paciente para coleta, e com a situação do paciente no momento.

Espero que você tenha aprendido o que é, e o porquê da coleta do LCR.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista