Quando falamos em AIDS e neurologia, muitos dos que se dizem entendidos já pensam nas infecções que acompanham a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), as chamadas infecções oportunistas, como toxoplasmose, criptococose, infecções por outros vírus como o vírus Epstein-Barr (cuja infecção pode causar o linfoma primário do sistema nervoso central), citomegalovírus, tuberculose, sífilis e outras infecções. Mas se esquece (ou não sabe) que o próprio HIV pode levar a doenças neurológicas, tanto no início da doença (quando aparecem os anticorpos contra o vírus, a chamada viragem sorológica), como em qualquer fase da doença a depender de alguns fatores, sendo talvez o mais importante a carga viral (a quantidade de cápsulas do vírus em amostra de sangue, que deve ser a menor possível quando o paciente está em tratamento - carga indetectável).
Fora isso, há ainda a famosa Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imune, ou IRIS, quando há a melhora da função imunológica em pacientes antes imunologicamente suprimidos, o que também pode acontecer em pacientes usando medicações para câncer e outras doenças, como a esclerose múltipla (o caso do natalizumab). Essa melhora imune pode acabar levando a lesões ou piora de lesões em vários sistemas orgânicos por ataque imunológico (auto-imune).
O vírus HIV é neurotrópico, ou seja, ele "gosta de se apegar ao sistema nervoso". E sabe-se que as lesões neurológicas na AIDS causadas pelo próprio vírus HIV podem ser causadas por neurotoxicidade direta das proteínas virais produzidas e secretadas pelo vírus, ou por mecanismos indiretos, através de substâncias produzidas pelo sistema imunológico contra qualquer substância ou organismo invasor, as citoquinas ou citocinas.
A primeira infecção primária (causada pelo próprio vírus) do sistema nervoso pelo HIV foi demonstrada em 1985, e o vírus foi isolado do líquido da espinha (líquor), do próprio cérebro, da medula espinhal e mesmo dos nervos periféricos de pacientes que morreram com a infecção. Mesmo pessoas aparentemente sadias portadoras do vírus, durante a conversão sorológica (a viragem sorológica ou soroconversão descrita acima), podem apresentar alterações bioquímicas no líquor e mesmo podem apresentar partículas virais no líquor.
A melhor prevenção para estas complicações é o tratamento inicial, pronto e correto da infecção pelo HIV. Tanto que há pacientes infectados há anos sem sintomas neurológicos pela AIDS. A demência associada ao HIV, quadro geralmente irreversível e visto em pacientes não tratados ou mal tratados com HIV após vários anos de doença, pode ser prevenida, e com o aparecimento da terapia altamente ativa (HAART), sua incidência caiu em 40 a 50%.
Entre as infecções primárias pelo HIV no sistema nervoso, e sobre as quais discutiremos em posts a parte, temos a encefalopatia em crianças, as síndromes desmielinizantes, quadros parkinsonianos, meningites e encefalites, mielopatia vacuolar, neuropatias e polineuropatias pelo HIV, polirradiculoneuropatia aguda e crônica (a aguda sendo uma forma de síndrome de Guillain-Barré), doença de neurônio motor (forma semelhante à esclerose lateral amiotrófica) e miopatias inflamatórias (lesões musculares primárias).
Faremos vários posts a parte de cada uma destas infecções.
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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista