quarta-feira, outubro 08, 2014

O uso de toxina botulínica na paralisia cerebral

Postagem escrita pela estudante de medicina de Lisboa, Portugal, (futura neurologista e nossa primeira convidada internacional) Ana Rita Medeiros, e cedida gentilmente ao blog Neuroinformação (com modificações devido aos aspectos estilísticos e ortográficos da língua portuguesa original)



A toxina botulínica (BnT) ou mais comumente conhecida como Botox (sua formulação comercial mais antiga) também tem aplicações além das rugas e marcas de expressão. De fato, há tempos discute-se o uso da BnT para o tratamento, juntamente com a fisioterapia, de casos de paralisia cerebral.

Em primeiro lugar, será necessário explicar o que é a BnT. A BnT é um complexo proteico puro obtido a partir de uma bactéria, o Clostridium botulinum, a bactéria causadora da doença conhecida como botulismo. Esta bactéria produz 7 formas da toxina (de A a G) mas apenas uma é usada como tratamento no Brasil, a toxina botulínica tipo A (BnTA) (o sorotipo BnTB é utilizado nos EUA e alguns países europeus). A BnT bloqueia a liberação de acetilcolina, um neurotransmissor que age, também, ao nível dos músculos, prevenindo que o músculo receba a mensagem vinda do nervo, e logo, impedindo que o músculo contraia de forma adequada. O músculo, então, e mesmo em estado relaxado, não recebe ordem para se contrair o que, a nível da pele e em pequenas doses, permite suavizar as rugas de expressão pelas quais o Botox é tão conhecido.
 
Contudo, existe ainda uma outra vertente de aplicação que tem sido estudada, a da paralisia cerebral. A paralisia cerebral é uma das doenças mais incapacitantes na infância, e que se caracteriza por ser uma lesão estática (que não progride com a idade) do cérebro em desenvolvimento, o que leva a incapacidades a nível da postura do corpo, tronco, membros e movimento. Tal como dito anteriormente, é uma lesão não progressiva, ou seja, assim que ocorre a lesão, esta não sofre evolução. Um dos maiores problemas relacionados com esta lesão é a espasticidade, o aumento involuntário, espontâneo, do tônus muscular, sendo que o músculo fica tenso, imobilizado em uma posição fixa, e cuja tentativa de mobilização leva a dor. 

A espasticidade pode vir isolada ou estar associada a outras formas de movimentos anormais, como distonias ou ataxia (incoordenação). A espasticidade caracteriza-se por aumento do tônus muscular com aumentos os reflexos testados com o martelinho (hiperreflexia). Além disso, um doente com espasticidade apresenta uma postura anormal por contração dos músculos da coluna com deformidades musculoesqueléticas, dor, alterações e limitações no movimento e possível incontinência de esfíncteres (dificuldade de segurar as fezes e/ou a urina). Nas crianças, a espasticidade causa também uma limitação no desenvolvimento e crescimento muscular.

Os primeiros estudos que demonstraram uma relação da BnT com o tratamento da paralisia cerebral datam de 1994 (Cosgrove et al, Koman et al). Como foi dito acima, a BnT inibe a ligação da acetilcolina com os receptores no músculo, daí impedindo a transmissão nervosa e aliviando a contração muscular mantida no paciente com paralisia cerebral, permitindo, a curto prazo, o movimento e a longo prazo, o crescimento, evitando o desenvolvimento de deformidades e permitindo um melhor tratamento com as técnicas de fisioterapia.

Os estudos que têm surgido nestes últimos anos conduzem a um aconselhamento do uso da BnT em uma idade precoce, com preferência entre os 2 e 6 anos e principalmente a nível dos membros inferiores.
 
Além dos benefícios acima referidos, a toxina botulínica também impede crises dolorosas em pacientes com contrações dos adutores das coxas (os adutores das coxas são os músculos que auxiliam a fechar as pernas, juntando uma coxa na outra, e pacientes com paralisia cerebral apresentam com muita frequência contração involuntária destes músculos com dor, incapacidade de abrir as pernas, dificuldade de andar, e nos pacientes mais graves, dificuldades com a limpeza e higiene da região íntima), adia a necessidade de cirurgia ortopédica, diminui espasmos e permite uma movimentação mais facilitada, assim como impede assimetrias entres os membros.

O tratamento com o uso de BnT deve ainda ter sua dose ajustada ao peso do paciente e ter objetivos bem definidos, principalmente na escolha de quais os grupos musculares de interesse para a aplicação, daí a necessidade de se iniciar precocemente o procedimento, que o paciente se beneficiará de um melhor prognóstico, especialmente se o uso da BnT for combinado com um intenso tratamento fisioterápico.

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Médico Neurologista