sábado, março 09, 2013

A relação da Esclerose Múltipla com o sal


Genética da esclerose múltipla


Informações tiradas do site Medlink.

Muitos genes influenciam o desenvolvimento da esclerose múltipla (EM). Ou seja, a doença não é de um gene único, mas múltiplos genes estão envolvidos. A concordância da doença em gêmeos univitelínicos (gêmeos iguais ou monozigóticos) é de 31%, enquanto que a taxa de concordância de gêmeos dizigóticos (gêmeos diferentes) é de 5% após 7.5 anos de observação. O risco de irmãos de pessoas com EM terem a doença é de 3.5%. Além disso, parentes de primeiro grau (filhos e filhas) de pessoas com EM têm 25 vezes mais chances de terem EM que a população em geral. 

Alguns estudos sugerem que a doença é semelhante em termos de idade de instalação, curso e severidade entre pessoas afetadas da mesma família, uma visão que não é consenso entre os pesquisadores. No entanto, fatores ambientais também desempenham forte impacto na doença, como demonstrado em posts anteriores, pelo simples fato de haver cerca de 70% de gêmeos monozigóticos sem a doença (se a doença fosse puramente genética, a concordância entre gêmeos seria muito, mas muito mais alta do que somente 31%).

Como falado antes, não há um único gene envolvido na determinação da doença, mas há um grupo, talvez pequeno, de genes envolvidos na suscetibilidade à doença (ou seja, a presença do gene não significa que o paciente terá EM, mas significa que, na presença de fatores ambientais adequados, a doença poderá surgir). Muitos genes são mais fortes em Europeus do Norte (fatores de ancestralidade, ou seja, genes transmitidos de geração para geração em populações distintas do globo), enquanto outros têm mais expressividade no Oriente Médio, Japão e Turquia. 

A própria diferenciação genética confere diferenças na apresentação clínica de cada população, com pacientes japoneses por vezes demonstrando doença restrita ao nervo óptico e medula espinhal, e falta de marcadores no líquor (bandas oligoclonais) (leia mais sobre isso aqui). 

Vários genes estão envolvidos na transmissibilidade da suscetibilidade à EM. Estas relacionam-se a marcadores inflamatórios e imunológicos, como receptores de células de defesa (células T), imunoglobulinas, fatores de complemento (moléculas que realizam a opsonização, ou marcação de moléculas estranhas para destruição), receptores de moléculas de inflamação (citoquinas e quimiocinas) chamadas de interleucinas, fator de necrose tumoral (outra das moléculas envolvidas na inflamação), além de genes relacionados a moléculas da mielina (a bainha que cobre os nervos), como a proteína básica da mielina.

Alguns genes modificam o curso da EM, mas não a presença da doença em uma pessoa ou sua suscetibilidade. Estes genes afetam a regulação do sistema imune e a capacidade do sistema nervoso de ser atacado pela doença. Em certos grupos populacionais, portanto, a doença pode ser mais severa e sua instalação mais precoce. A presença da molécula de apolipoproteína E (ligada também à doença de Alzheimer) é mais comum em formas mais graves e progressivas da doença. Algumas mutações associam-se a doença de evolução mais lenta.

Não há geneticamente como prever o desenvolvimento da doença, ainda, pois pouco ainda se sabe como a doença evolui em termos genéticos. Mas no futuro, poderemos responder a mais questões como esta.


quinta-feira, março 07, 2013

Esclerose múltipla e fatores ambientais


Este artigo foi tirado a partir de informações do site Medlink

Vários fatores do ambiente podem determinar aumento ou diminuição do risco de desenvolvimento da esclerose múltipla (EM), associadamente a determinantes genéticos. Alguns estudos, embora com resultados conflitantes, demonstram que pessoas que migraram de locais de baixa incidência para locais de alta incidência da doença antes dos  seus 15 anos de idade possuem risco mais alto de desenvolver a doença em comparação a pessoas que migraram após os 15 anos de idade, o que sugere que alguns fatores ambientais determinam cedo a possibilidade de desenvolvimento da doença.

Sabe-se que a EM não é transmitida de mãe para o feto (transmissão via placenta ou vertical), nem através do leite materno, nem através de transfusões de sangue ou relações sexuais, o que fala contra infecções virais como causa da doença. No entanto, estas mesmas infecções podem ocasionalmente desencadear surtos em pacientes já com a doença. Há vários vírus envolvidos nisso, principalmente os vírus responsáveis por infecções respiratórias. O tratamento com interferons (um dos tratamentos para a forma mais comum da doença, a remitente-recorrente) não reduz as taxas de infecções virais, mas previne que estas infecções desencadeiem surtos. 

Infecções bacterianas também podem aumentar o risco de surtos em EM. Sabe-se também que pacientes portadores de EM que fumam, talvez pela possibilidade de inflamações brônquicas como bronquites, além da ativação do sistema imune respiratório, têm 60% mais chance de apresentarem um surto que não fumantes (esta é uma boa hora para você parar de fumar). Também sabe-se que fumantes regulares têm duas vezes mais chance de terem EM, sendo o risco maior em homens que em mulheres, e talvez maior na adolescência. 

Alguns estudos associam cáries dentárias a uma alta incidência de esclerose múltipla, talvez pelo fato de cáries serem processos inflamatórios, assim como periodontite. Portanto, vá sempre ao seu dentista e trate seus dentes.

Um assunto que vem dominando o cenário da EM é o uso de vitamina D. Ao que parece, a vitamina D (1,25-dihidróxi-colecalciferol) afeta o início e a evolução da doença. Sabe-se que a vitamina D é produzida na pele através do contato dos raios ultravioleta do sol com moléculas de colesterol. A variação sazonal (ou seja, de acordo com as estações do ano e mudanças climáticas) na atividade da EM possivelmente relaciona-se à ingesta ou produção cutânea de vitamina D, mas ainda não se sabe exatamente se isso é verdade. Sabe-se que a exposição ao sol regula a imunidade de vários modos. 

Vários estudos demonstram, talvez não de modo consistente, que:

1. Aparentemente níveis aumentados de vitamina D no sangue correlacionam-se com resistência ao desenvolvimento da EM;

2. Consumo de peixe, pessoas que trabalham em ambientes externos, trabalhadores rurais, têm menos chance de problemas sérios causados por EM;

3. Mães com alta ingesta de vitamina D têm menos chance de terem filhos com EM;

4. Enfermeiras (mas pode ser qualquer mulher) que fazem uso de suplementos de vitamina D (o artigo sugere 400UI ou mais por dia, o que já é uma boa dose) têm 40% menos chance de desenvolver EM que as que não fazem uso, apesar de talvez haver diferenças no estilo de vida entre os dois grupos, o que pode responder por esta discrepância entre riscos;

Estas "evidências" acima necessitam de mais estudos para serem completamente comprovadas.

Pacientes com EM parecem ter níveis séricos (no sangue) de vitamina D menores. Mas, contrário ao que se demonstra acima, os genes responsáveis pelas vias metabólicas de produção da vitamina D não têm correlação com riscos de esclerose múltipla, o que sugere que há mais fatores envolvidos além da simples deficiência da vitamina D.

Obesidade em adolescentes e adultos jovens parece dobrar o risco de desenvolver EM, pelo simples fato de os hormônios produzidos pela gordura levarem a inflamações (serem pró-inflamatórios).

Ou seja, há vários fatores ambientais potenciais (ainda em estudo para comprovar sua veracidade) envolvidos, e quase todos são modificáveis (tabagismo, excesso de peso, alimentação, saúde dos dentes). 

Além disso, há ainda a necessidade de mais e mais estudos para confirmar se o tratamento com vitamina D pode mesmo alterar a evolução da doença (por enquanto, isso é somente uma hipótese - leia mais sobre isso aqui e aqui - links em inglês). Fora isso, o tratamento com vitamina D deve ser administrado por médico conhecedor do assunto para que se evitem complicações do uso em excesso da vitamina (a chamada hipervitaminose D que, segundo a Wikipedia pode levar a sintomas agudos, como desidratação, vômitos, irritabilidade, fadiga e fraqueza muscular, e a  sintomas crônicos, como aumento do conteúdo de cálcio no coração, rins, tecidos moles da pele e ossos, levar a produção de cálculos renais, além de hipertensão arterial).




terça-feira, março 05, 2013

Para que serve o exame de fundo de olho na investigação de dor de cabeça?

Em primeiro lugar, temos de saber o que é o exame de fundo de olho, e temos um post exatamente sobre isso, que seria interessante você ler antes de continuar este aqui - leia sobre o exame de fundo de olho aqui.

A retina, a parte neural do olho, é continuação do próprio cérebro através do nervo óptico. Na verdade, a retina e o cérebro são um só, sendo a retina uma parte especializada deste. 

O nervo óptico também é coberto pelas mesmas membranas que cobrem o cérebro (dura-máter, aracnóide e pia-máter), até uma extensão antes de sua saída da órbita, e também é parcialmente banhado por líquor. Isso significa que várias doenças que acometem o cérebro podem ser diagnosticadas pelo exame de fundo de olho.

Dor de cabeça pode ser causada por vários processos, como infecções (meningite), inflamações, aumento da pressão da cabeça por problemas na circulação do líquido cerebral (líquor), como nas hidrocefalias (leia mais sobre isso aqui), sangramentos cerebrais e outras doenças.

Em vários destes processos, especialmente os que levam a inflamação e aumento da pressão no cérebro, esta inflamação e este aumento de pressão podem se estender para o nervo óptico e aparecer no exame de fundo de olho, geralmente como edema de papila, ou seja, inchaço da retina.

Assim, o médico através do exame de fundo de olho pode, não dar o diagnóstico exato, mas suspeitar que algo de errado está ocorrendo na sua cabeça, e assim solicitar o exame certo para ajudar no diagnóstico.

Observe uma retina normal:

http://pharmaworlds.com/wp-content/uploads/www.pharmaworlds.jpg
Optic Disc é o disco óptico, o local onde penetram as fibras que vêm da retina para o nervo óptico, e de lá para o cérebro. Veja a cor clara e as bordas bem definidas do diaco óptico. A macula é a mácula ou fóvea, o local de maior concentração de células de cores, os cones, e portanto, o local de melhor visão do olho, ou o local da visão central (leia mais sobre as células da retina aqui).

Observe agora um exame de fundoscopia de um paciente com pressão aumentada na cabeça:

http://www.pedsoncologyeducation.com/img/pap1_002.jpg
Este é um fundo de olho de uma criança com um tumor cerebral. Compare com a figura acima - você consegue ver as bordas do disco óptico? E os vasos, parecem normais? Não, parecem dilatados, tortuosos. Também as bordas do disco estão completamente borradas, por conta de inchaço, edema, da papila.

Veja outro caso, desta vez de um paciente que teve um derrame, mas o coágulo que subiu pela carótida mandou um outro menor para a retina, causando obstrução da artéria central da retina e isquemia retiniana:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRauObwHfi3I443cgonE1JHX-rOkreRyaClQAzhfTOcrdUkTpG0

Nesta caso acima, observe a parte de baixo da retina, esbranquiçada, por falta de sangue, contrastando com a parte de cima, boa. A artéria retiniana se divide em um ramo superior e um ramo inferior. Isquemias da retina ou afetam a retina inteira, ou afetam ou o segmento superior, ou o segmento inferior.

Ou seja, o exame de fundo de olho é extremamente importante na avaliação de qualquer dor de cabeça, e deve ser sempre feito.

Epidemiologia da esclerose múltipla


Artigo tirado do site da Medlink, site médico especializado pago do qual sou assinante (Medlink)

De acordo com a Wikipedia, Epidemiologia é o estudo (ou a ciência do estudo) dos padrões, causas e efeitos de condições de saúde e de doenças em grupos populacionais definidos (Leia aqui). Ou melhor, epidemiologia é o estudo de como a saúde, e as doenças, se comportam quando se leva em conta uma certa comunidade de pessoas.

Todas as doenças podem se estudadas em termos epidemiológicos, visando-se saber sua frequência, sua prevalência (a presença da doença na população), sua incidência (a presença de novos casos da doença na população), suas causas, suas consequências para a saúde, suas taxas de morbidade (ou seja, o quanto a doença afeta a qualidade de vida) e de mortalidade (o número de pessoas mortas pela doença na população), além de outras questões.

Para a esclerose múltipla (EM) não pode ser diferente. A EM é uma doença inflamatória e degenerativa que se caracteriza pela destruição da mielina, bainha que reveste os neurônios, no sistema nervoso central (para saber mais, leia aqui).

De acordo com o Ministério da Saúde, em uma portaria de 2010, a prevalência da esclerose múltipla no Brasil é de 15 casos para 100,000 habitantes, afetando pessoas em geral entre 18 e 55 anos de idade, embora casos muito precoces e muito tardios tenham sido raramente descritos (Leia aqui).

Nos EUA, em 1992 havia cerca de 250,000 a 350,000 casos de EM, sendo que em 2007, havia cerca de 400,000 casos. A prevalência estimada no mundo todo é de 1,250,000 casos, com uma incidência nos EUA de 4.2 a 7.5 casos novos para cada 100,000 pessoas por ano em 2007.

O número de casos de EM vem aumentando em algumas regiões do globo, ou pelo aumento real dos casos, ou pela melhora dos instrumentos de diagnóstico da doença. Em Minnesota, nos EUA, a prevalência da doença quintuplicou em 70 anos. Sabe-se que a prevalência e a incidência da doença são maiores em países mais frios localizados ao norte do globo, talvez por algum efeito genético, ou ambiental. Sabe-se também que várias outras doenças auto-imunes (Leia sobre isso aqui), como diabetes tipo 1, doença de Chron, e alergias ocorrem mais nestes mesmos países. 

Com relação à variação geográfica, ou seja, a distribuição da doença entre regiões do globo ou países, nota-se que a EM é relativamente rara em regiões próximas à linha do Equador, tornando-se mais frequentes à medida que nos aproximamos dos pólos. Há relação desta variação com heranças genéticas de certas populações do norte da Europa, especialmente a Escandinávia, mas há também influências ambientais. No entanto, em várias regiões, como os EUA, esta diferença da prevalência da doença entre a parte norte e a parte sul está ficando cada vez menor. A incidência é de mais de 30 casos novos por 100,000 pessoas da Islândia à Rússia, além do Canadá, Nova Zelândia e sul da Austrália  (que localizam-se ao sul do planeta, próximo da Antártida). 

A incidência é moderada (em torno de 5 a 29 casos novos por 100,000 habitantes) na região do Mediterrâneo, sul dos EUA e sul da América do Sul. A incidência é pequena (menos de 5 casos novos por 100,000 habitantes) no leste da Ásia, Índia, África, Caribe, América Central, México e Norte da América do Sul. 

Estudos genéticos e de migração, étnicos (ou seja, de raças) e estudos de gêmeos sugerem que genes e o ambiente ambos influenciam o desenvolvimento da EM. Geneticamente,  por exemplo, imigrantes da mesma região de origem que migraram para Israel têm metade da prevalência que judeus nativos da região, sugerindo um componente ambiental. Já outros grupos têm taxas de prevalência mais baixas, como negros africanos, asiáticos e ciganos, sugerindo componentes genéticos. 

Afrodescendentes americanos nascidos em qualquer lugar dos EUA (e geralmente mestiços de outras raças) têm um risco relativo mais alto de ter EM que negros africanos nativos, mas metade da chance de caucasianos (brancos) americanos. A doença é ainda um pouco diferente da doença apresentada por caucasianos. 

Ou seja, há componente genético envolvido, mas não podemos descartar em nenhuma hipótese a participação de fatores ambientais (que serão discutidos no próximo post) na determinação dos riscos de desenvolvimento da EM.

domingo, março 03, 2013

Genética da enxaqueca


A cefaleia primária conhecida como enxaqueca tem sido assunto de muitos estudos em genética. E a observação de pacientes e seus familiares demonstra claramente que, não todos, mas muitos pacientes com enxaqueca possuem familiares de primeiro grau (pais ou irmãos) que também sofrem da mesma dor de cabeça, sugerindo fortemente a presença de causas ou fatores genéticos de predisposição à doença.

Enxaqueca é uma das doenças neurológicas que ocorrem em família, muitas vezes com vários familiares afetados, incluindo irmãos, pais, avós, tios e primos. Há vários estudos clássicos de gêmeos monozigóticos (idênticos) e dizigóticos (não idênticos) demonstrando que os monozigóticos, mesmo criados em ambientes diferentes, compartilham a mesma dor de cabeça. Fora isso, há síndromes raras de enxaqueca, como a migrânea hemiplégica familiar, que leva a dores intensas e severas de enxaqueca com tontura, alterações de consciência e paralisia de um lado do corpo, que possuem inclusive mutações genéticas bem determinadas e associadas, inclusive, a outras doenças como certas formas de epilepsia.

Pelos estudos, sabe-se que, em relação às formas comuns de enxaqueca, a prevalência (frequência de uma doença em uma população específica) de dor de cabeça em familiares de primeiro ou segundo grau de um paciente com enxaqueca é maior do que na população em geral, sendo que os números variam entre vários estudos feitos em vários locais diferentes e com métodos não muito homogêneos. Assim, entre muitos estudos, o risco de enxaqueca nos familiares de um paciente com enxaqueca varia de 1.4 (1.4 vezes mais chance de ter enxaqueca que a população em geral) nos casos de enxaqueca sem aura a 4.0 nos casos de enxaqueca com aura. 

Um estudo metódico feito na Dinamarca, em Copenhague, em 1995, avaliando 1109 familiares de primeiro grau e 229 cônjuges de 378 pacientes com enxaqueca e pessoas que nunca tiveram enxaqueca demonstrou que parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca sem aura tinham 1.9 vezes mais chance de terem enxaqueca sem aura e 1.4 vezes mais chance de terem enxaqueca com aura do que a população em geral, e os parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca com aura tinham quase 4 vezes mais chance de terem enxaqueca com aura (mas sem maior risco de enxaqueca sem aura) que a população em geral, indicando que as duas formas de enxaqueca podem diferir em termos de genética, e portanto, causas, sendo que a enxaqueca com aura parece ter um componente genético mais intenso, apesar de haver participação do meio e de hábitos de vida, enquanto que a enxaqueca sem aura compartilha fatores genéticos com riscos ambientais, como alimentação e hábitos de vida. 

Fora isso, o mesmo estudo também demonstrou que familiares de pacientes com enxaqueca sem aura não possuíam nenhum risco aumentado de terem enxaqueca com aura, e que familiares de pessoas que nunca tiveram enxaqueca não tinham risco aumentado de desenvolverem a doença.

Os clássicos estudos de gêmeos, já comentados brevemente acima, comparando taxas de concordância (ou seja, de que ambos os gêmeos compartilhem o mesmo problema clínico) entre gêmeos mono e dizigóticos demonstram que gêmeos monozigóticos possuem taxas de concordância mais altas que os dizigóticos, sendo que, entre os vários estudos, a proporção do componente clínico (ou Fenótipo, que é a manifestação visível, clínica, de uma variação genética qualquer, ao que chamamos de Genótipo) que pode ser explicada por variações no genótipo variaram de 28 a 65%. 

Um estudo feito com pacientes da Europa e Austrália, e publicado em 2003, com 29,717 pares de gêmeos, a hereditariedade da dor variou de 34 a 57%, sendo maior a concordância de taxas de enxaqueca para gêmeos monozigóticos, mesmo quando os gêmeos haviam sido criados separados, demonstrando a importância da genética sobre o ambiente na determinação do risco de desenvolver enxaqueca. Os resultados dos estudos com gêmeos sugerem um risco de 50% de hereditariedade da enxaqueca, com herança multifatorial e poligênica (ou seja, não somente um gene envolvido, mas vários).

Vários estudos têm demonstrado que a enxaqueca, tirando formas raras como a migrânea hemiplética familiar, não é uma doença de um gene só, mas uma doença poligênica e multifatorial, ou seja, com vários fatores envolvidos.

Há mutações em genes que codificam moléculas específicas, como canais de passagem de cálcio nas células, e há mutações em loci de suscetibilidade (um Locus é o local onde encontramos os Alelos. No nosso DNA, cada locus possui dois alelos, que juntos determinam uma característica nas heranças de um gene só, ou monogênicas, ou contribuem para a formação de uma característica nas heranças poligênicas. Um Locus de suscetibilidade é o local onde fica um alelo que contribui não sozinho, mas havendo uma combinação de fatores genéticos e ambientais, para que uma característica ocorra. Como exemplo, imagine que você possua um locus de suscetibilidade para câncer de pulmão, que vai se desenvolver somente se você fumar; caso contrário, caso você nunca ponha um cigarro na boca, você não desenvolverá o câncer).

Há vários estudos sugerindo vários loci para populações de países diferentes, sem ainda um consenso. Mas sabe-se que as mesmas mutações genéticas em uma família podem se associar a variações na dor, tupo, intensidade ou frequência e fatores associados, sugerindo interações entre fatores genéticos e ambientais. Isso explica, talvez, por que a sua dor pode ser diferente da dor da sua mãe, mesmo sendo ambas diagnosticadas como enxaqueca.

Pelo que foi escrito acima, nota-se que a enxaqueca é uma doença complexa em termos genéticos, sem um gene único envolvido, mas provavelmente vários tipos de mutações diferentes, que compartilham a característica de serem influenciadas pelo meio ambiente, alimentação e hábitos de vida, como o uso de álcool, o fumo, o uso de certas medicações, alterações hormonais ou alimentação.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Uso de estimulador supraorbital para enxaqueca

Artigo publicado na famosa revista de neurologia Neurology, na edição de 19 de fevereiro de 2013 (acabou de sair do forno!) (leia aqui o resumo em inglês).

O estudo foi feito por pesquisadores de universidades da Bélgica.

O seu objetivo foi avaliar a eficácia e segurança de neuroestimulação trigeminal usando um estimulador transcutâneo (através da pele) supraorbital (acima da órbita) no tratamento da enxaqueca.

Adendo: O nervo supra-orbitário é um ramo do nervo trigêmeo, que inerva a área por cima dos olhos. Sendo um ramo do trigêmeo, e sabendo-se de posts anteriores que o trigêmeo é o nervo craniano aparentemente responsável pela enxaqueca, o uso de estimulação indireta do trigêmeo através de um dos seus ramos pode, talvez, levar a melhora da enxaqueca. Observe o nervo supra-orbitário abaixo, junto com outros ramos do trigêmeo:

http://web.squ.edu.om/med-Lib/MED_CD/E_CDs/anesthesia/site/content/figures/3043C01.gif

O estudo englobou pacientes com pelo menos 2 crises de enxaqueca por mês (ou seja, desde casos "leves" a casos mais graves), nos quais o estimulador foi aplicado diariamente por 20 minutos por 3 meses. 

Sessenta e sete pacientes foram incluídos no estudo. Houve diminuição do número de crises de enxaqueca por mês nos pacientes estimulados, acompanhada de diminuição da quantidade de medicações usadas e do número de dias por mês com cefaleia. Não houve efeitos colaterais. 

A conclusão dos autores é que a estimulação supraorbitária com o aparelho de neuroestimulação levou a melhora de 26% na dor, ou seja, semelhantes para outras técnicas de tratamento, incluindo medicações. 

Mais estudos, no entanto, são necessários. 


terça-feira, fevereiro 19, 2013

Pequeno dicionário de termos médicos - Aura enxaquecosa

Aura (Não confundir com o nome Áurea) é um sintoma que geralmente precede, vem antes da enxaqueca, mas pode acompanhá-la. Relaciona-se a alterações bioquímicas cerebrais e elétricas neuronais que, em geral, começam na região de trás do cérebro, a região occipital, e trafegam o córtex cerebral, produzindo sintomas que se parecem com os de um derrame, mas que são passageiros, precedem uma dor de cabeça já conhecida, e se repetem ao longo dos meses ou anos. 

A aura mais comum consiste de alterações visuais, como bolas escuras (escotomas) ou coloridas (fosfenas), brilhantes (escotomas ou fosfenas cintilantes) que aparecem na parte externa (temporal) do campo visual, e aumentam e diminuem, ou seguem em direção ao centro da visão, podendo haver perda de parte ou de toda a visão por algum tempo. Linhas coloridas ou brilhantes que aumentam e diminuem, ondas no campo visual, ou somente perda visual também pode ocorrer - são as auras visuais.

Outras formas de aura podem ocorrer, como dormências na face ou membros, e mais raramente fraqueza em um membro. Estes sintomas são mais raros, e podem sugerir diagnósticos diferentes como migrânea hemiplégica (uma forma genética rara e grave de enxaqueca) e migrânea basilar (uma forma rara de enxaqueca que pode vir com dificuldade para falar e engolir, alteração da consciência, desequilíbrio e alterações visuais e tonturas).

As auras são, em geral, semelhantes entre as crises. E costumam durar de 5 minutos a 1 hora, raramente ultrapassando este tempo. Caso a aura dure mais tempo, necessita-se estudar melhor o paciente, pois há risco de ser outra doença, ou mesmo de ter havido lesão cerebral causada pela enxaqueca (sim, enxaqueca não tratada pode raramente levar a derrames).

A aura pode preceder a dor (ou seja, a dor começa assim que a aura acaba) ou pode acompanhar a cefaleia. 

Mas deve-se atentar para algo muito importante: Caso você nunca tenha tido sintomas de aura nas suas dores, e de repente eles aparecem, uma avaliação neurológica deve ser feita a fim de se afastar outras causas de lesão cerebral antes de se classificar o sintoma como aura de enxaqueca. Lembre-se que são necessárias pelo menos 5 crises semelhantes de cefaleia com sintomas semelhantes a auras, com exames de imagem normais (tomografia e ressonância magnética), para que um diagnóstico de enxaqueca com aura seja dado. 

Exemplos de auras visuais tirados da internet:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRxC8YXYotd-sB60CvGj-JnzJsIFN8swPOcNo9KMKL6u8uDAqqEdw
https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT0o277BwT1YLa_KZAsxmFpxt_GyLctKFRno716eVuEp8bHblpB
http://headacheandmigrainenews.com/news-images/migraine-aura-animation.jpg



https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcR-IFRxT_MaCKWMkwhZXi59G7i-L9LWSxq88ipsEt8XCibqcynB

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Perguntas que os pacientes fazem - Enxaqueca tem cura?

Esta pergunta sugere um tratamento eficaz e definitivo contra a enxaqueca. No entanto, a resposta ainda não é um sim. 

A enxaqueca é uma doença da transmissão neuronal cerebral, que se encontra alterada por conta da liberação de substâncias que exacerbam a resposta dolorosa, como o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), além de outras substâncias como a noradrenalina e a serotonina.

Não se conhecem todos os meandros da enxaqueca, e sua causa exata ainda é um mistério. Mas sabe-se que há fatores genéticos envolvidos (que serão discutidos em outro post), pois há relatos de famílias inteiras acometidas pela doença. Fora isso, estímulos muitas vezes inócuos, como sede, estresse ou fome, e mesmo a menstruação, podem levar a episódios de enxaqueca.

Tudo isso transforma a enxaqueca em uma doença multifatorial, ou seja, com muitos fatores envolvidos, e que, por isso, acaba por representar um desafio ao médico em termos de tratamento.

Não, a enxaqueca não possui cura, ainda! Mas há tratamentos eficazes, tanto para abortar a dor como para prevenir sua chegada (o tratamento profilático).

Muitas medicações estão sendo usadas neste tratamento, além, é claro, de técnicas não medicamentosas, como estimulação magnética transcraniana e acupuntura, e mais recentemente o uso de toxina botulínica.

Mas não se preocupem. Qualquer novidade no tratamento deste sério problema de saúde pública, e o blog estará atento para trazê-la a vocês. 

sábado, fevereiro 16, 2013

Pequeno dicionário de termos médicos - Arterite temporal

Arterite é um termo usado para descrever inflamação (sufixo itis) de uma ou várias artérias. Artérias são os vasos musculares que saem do coração e vão irrigar os órgãos internos. Uma arterite é uma subclasse de um conjunto maior de doenças, as vasculites, caracterizadas pela inflamação dos vasos, e que são doenças reumáticas. 

A arterite temporal é uma doença que faz parte de uma subclasse de vasculites (sim, as vasculites são realmente complicadas), as arterites de células gigantes, que possuem esse nome por conta do achado microscópico dos vasos acometidos por estes doenças.

Temos basicamente dois tipos de arterites de células gigantes - A arterite de Takayasu, e a arterite temporal. Vamos nos deter aqui na arterite temporal, por que é uma causa rara mas devastadora de dor de cabeça secundária.

Vamos primeiro apresentar-lhe sua artéria temporal, ramo da artéria carótida externa (seus vasos são como rios, cheios de ramos):

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/7b/Gray508.png/586px-Gray508.png
Os vasos em vermelho são as artérias de sua face. A artéria temporal é esta aqui embaixo:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSw6N18IglMTpJ7KlpKwXnQ9XHJ_b82CC57W85w1NWpa2pggINE
A arterite temporal afeta, entre outras artérias, esta artéria temporal. Na verdade, a afecção desta artéria é o menor problema, pois o mais importante é a doença dos vasos arteriais que vão para a retina e o nervo óptico, o que pode levar a sérios problemas visuais nos pacientes sem tratamento desta doença.

A arterite temporal é doença de pessoas mais velhas, acima dos 60 anos de idade em geral. O diagnóstico deve sempre ser suspeitado em qualquer pessoa idosa com dor de cabeça de início recente (que nunca tenha tido dor de cabeça parecida, ou que tenha observado piora de dor anterior), em geral de um lado da cabeça. 

O achado de exame mais importante é o espessamento da artéria temporal, que no entanto não aparece em todos os pacientes. Eu, na verdade, já vi alguns pacientes com arterite temporal, e poucos apresentavam espessamento da artéria temporal. Observe abaixo o que estou falando:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRGbVhknX0s8xFsL9lnpPrqEvHzpr3UrpZ95OQhUqir0KowD-qBxA
O paciente pode se queixar de alterações visuais iniciais, como flashes de luz ou perdas momentâneas de visão, em geral do mesmo lado da dor. 

Alguns pacientes observam quando indagados, que semanas a meses antes dos sintomas de dor de cabeça ou alterações visuais, estavam já apresentando sintomas gerais, como fraqueza, moleza, dor nas articulações, dor muscular, dificuldade de abrir a mão pela manhã (rigidez matinal) e febre ocasional ou diária, baixa - estes sintomas, quando acompanhando a arterite temporal, indicam o que conhecemos como polimialgia reumática, e são fortes indicativos do diagnóstico de arterite temporal como causa da dor de cabeça.

Já outros pacientes podem ter sensibilidade ao toque no local de dor, feridas na língua do mesmo lado, e alguns poucos pacientes observam que, ao mastigar, têm de parar por conta de dor na mandíbula e músculos da mastigação do mesmo lado da dor de cabeça (o que chamamos de claudicação de mandíbula).

O mais grave da doença é a perda visual nos pacientes sem tratamento, que começa do mesmo lado da dor, pode se estender para o outro lado, e que pode acontecer em todos os pacientes com esta doença que não se submeterem ao tratamento adequado. A perda em geral é irreversível, mas pode ser completamente evitada com o tratamento da doença.

E o diagnóstico? É feito descartando-se outras doenças e, principalmente, solicitando-se exames de sangue que confirmem inflamação, como o VHS (Velocidade de HemoSsedimentação) e o PCR (Proteína C-Reativa), que geralmente estão bem altos. 

Mas, e se houver outras doenças inflamatórias ou infecciosas, como uma infecção urinária, por exemplo,  acometendo o paciente ao mesmo tempo? Outras doenças, como qualquer inflamação ou infecção, podem aumentar estes marcadores inflamatórios também, pois são inespecíficos, ou seja, não são específicos para nenhuma doença. Então, na suspeita clínica, o médico pode solicitar uma biópsia da artéria temporal, ou seja, solicita-se ao especialista cirurgião arrancar um pedacinho da artéria acometida (ou mesmo do outro lado, que já pode estar doente também mesmo sem sintomas) para exame - este procedimento que é simples (acreditem em mim, é simples mesmo) é o exame mais importante para detectar a doença e permitir um tratamento adequado. 

O tratamento deve ser começado imediatamente assim que se suspeitar da doença, e geralmente usam-se os corticoides como primeira opção. Os médicos indicados no tratamento são o reumatologista e o neurologista.

O que eu quero que os meus amigos leigos saibam desta pequena aula acima é:

Sempre que uma pessoa de idade começar uma dor de cabeça nova, independente de ser leve ou não, deve ir ao neurologista, pois pode, sim, ser algo benigno, como um resfriado, uma sinusite ou um mau jeito no pescoço. Mas pode ser algo mais sério, como a doença que acabamos de descrever. Logo, não hesite em ir ao médico nestes casos, agora que você já conhece o que é a arterite temporal.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

O cérebro dói?

Não, o cérebro não dói. O cérebro não possui terminações nervosas de dor, e assim é possível fazer cirurgias intra-cerebrais com o paciente acordado (como é o caso das cirurgias de colocação de marcapasso cerebral para doença de Parkinson).

Mas então, o que dói na cabeça?

Doem os nervos que saem do cérebro e nele entram, dói a membrana que envolve os ossos do crânio (periósteo, que aliás é a membrana que envolve qualquer osso do corpo), doem os vasos (tanto veias com artérias) que entram e saem do cérebro, respectivamente. Doem os músculos e suas membranas, as articulações dos ossos da coluna e seus ligamentos. Doem a pele e o tecido embaixo dela. Doem as estruturas ao redor, como dentes, mucosa da boca. 

Então, agora você sabe que o cérebro não dói. 

Mas de onde vem aquela dor de cabeça? Não é do cérebro?

Sim, mas não exatamente dor do cérebro. 

Se o cérebro doesse, teríamos dor por lesão cerebral, o que caracterizaria o que chamamos de dor nociceptiva, causada por lesão aguda ou subaguda, como é o caso de uma queimadura, um trauma ou um corte. Este tipo de dor o cérebro não apresenta. No caso das dores de cabeça de origem cerebral (pois temos dor de origem na coluna, nos dentes, nos seios da face, na garganta, nos músculos, etc) temos, na realidade, uma dor dita neuropática, por lesão e modificação (plasticidade) do sistema nervoso, como é o caso da dor da neuropatia diabética, da dor em coto de amputação, ou da dor na neuralgia pós-herpética. É dor produzida por estruturas cerebrais mas que nada tem a ver com lesão, já que a lesão, se é que existiu (e muitas vezes não há lesão identificável), já aconteceu há algum tempo, e a dor se mantém por alterações plásticas dos neurônios e vias cerebrais e medulares. 

No caso da enxaqueca, que é uma dor neuropática, houve lesão em algum momento? Não! Mas por que dói? Por conta da liberação de substâncias, e por conta de alterações em vias neuronais, com a produção de dor espontânea ou após algum gatilho, como estresse, menstruação, falta de sono ou jejum prolongado. 





Cefaleias primárias

Cefaleias primárias são aquelas de causa desconhecida, ou seja, cuja origem não pode ser explicada por uma lesão cerebral ou alguma lesão em outro lugar do corpo. Diferencia-se, portanto, das chamadas cefaleias secundárias, onde há uma causa identificável para a dor de cabeça.

As cefaleias primárias podem ser classificadas em:

1. Cefaleia tensional - A forma mais comum de cefaleia primária, onde há dor em pressão ou aperto frontal, fronto-nucal ou holocraniana (na cabeça toda). Costuma ser leve, não atrapalha as atividades da vida diária, e raramente leva o paciente a procurar o médico.

2. Enxaqueca - A forma mais comum de cefaleia primária nos consultórios e pronto-socorros. Caracteriza-se por uma dor intensa, latejante, uni ou bilateral (de um ou dos dois lados da cabeça), que atrapalha e incomoda, acompanhada de dificuldades com a luz e barulhos, além de náuseas e vômitos. 

3. Cefaleia em salvas - Forma rara de cefaleia primária, acomete mais homens jovens e de meia-idade. Caracteriza-se por dor intensa, em facada, ao redor de um olho, em crises que podem vir de madrugada ou o dia todo. Pode haver lacrimejamento, queda de pálpebra e olho vermelho, todos do mesmo lado da dor. 

Outras formas de cefaleia primária são descritas. No entanto, para as outras formas menos comuns, temos que descartar causas mais graves antes de caracterizar as crises como primárias, o que significa que não teremos causa identificável para elas.

Um exemplo é a cefaleia em trovoada. Cefaleia em trovoada, ou no inglês Thunderclap Headache, é uma forma de cefaleia súbita, intensa, que ocorre em toda a cabeça. O primeiro episódio dessa forma de cefaleia sempre leva o médico a suspeitar de uma ruptura de um aneurisma cerebral ou algo mais grave. Mas quando o paciente é completamente investigado, e mantém crises de cefaleia parecida com a primeira, acaba-se por classificar a dor como Cefaleia em Trovoada Primária. Ou seja, até chamá-la de primária (ou sem causa definida), há um longo caminho diagnóstico a ser percorrido.

Falaremos mais das cefaleias secundárias em post subsequente.

E aguarde, estamos preparando um post sobre genética da enxaqueca. 

sábado, fevereiro 09, 2013

Qual a causa da enxaqueca?

A enxaqueca (ou migrânea) é uma dor de cabeça específica, de sintomas e evolução já bem conhecidos. É uma doença diferente das outras que cursam com dor de cabeça. Na verdade, há a possibilidade de a enxaqueca ser uma doença que vá além da dor de cabeça, ou seja, ela não causa somente dor de cabeça, já que alguns pacientes, especialmente aqueles com enxaqueca sem tratamento, apresentam derrames por conta da enxaqueca.

Antigamente chamava-se a enxaqueca de cefaleia vascular, ou seja, causada por problemas vasculares (constricção ou fechamento dos vasos acompanhada de dilatação dos vasos). Mas os estudos mudaram esta visão, e hoje entende-se a enxaqueca como uma dor neuropática, ou seja, uma dor de origem no sistema nervoso (entenda o que é dor neuropática neste post). 

Sabe-se que no cérebro há núcleos que geram estímulos dolorosos, e núcleos que modulam estes estímulos. E há também substâncias que aumentam ou diminuem o limiar de dor (ao aumentar o limiar de dor, a pessoa sentirá dor somente com estímulos muito intensos; e o contrário também é verdadeiro). Um exemplo das substâncias que aumentam o limiar de dor são as endorfinas endógenas, substâncias que modulam para baixo a sensação de dor. E um exemplo de uma substância já bastante estudada, e que poderia levar à dor é o (guarde esse nome) Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina, ou CGRP. Sugere-se que um aumento em suas concentrações levariam a um aumento na sensibilidade cerebral a estímulos dolorosos. Um estudo da famosa revista médica Nature Neurology sugere que estados como estresse, menstruação ou fome poderiam levar a aumento nas concentrações desta substância (veja abaixo).

http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2012/10/nrneurol_2010_127-f1.jpg

Pain significa dor. Phonophobia (fonofobia) e Photophobia (fotofobia), o mal-estar que o barulho e a luz (respectivamente) fazem em pacientes com enxaqueca seriam também resultado das alterações dos níveis de CGRP (nos tubos no meio da imagem) no sangue e no cérebro.

Toda esta cascata de eventos levaria a inflamação das terminações do nervo trigêmeo, o nervo que entra no cérebro pela ponte, e que é responsável pela sensação da cabeça, fossas cranianas e face com olhos, seios paranasais e boca. 

Abaixo, uma figura também tirada da revista Nature Neurology demonstrando o que possivelmente acontece no cérebro para que a dor seja gerada. Não se deixe levar pela complexidade da figura. Não tente, tampouco, decorá-la. É meramente ilustrativa. A explicação vai abaixo da figura.

http://www.nature.com/nrn/journal/v12/n10/images/nrn3057-f1.jpg
Os nervos sensitivos que saem da cabeça e do pescoço em direção ao cérebro viajam através do nervo trigêmeo e de seus ramos, que são muitos e espalhados pelo couro cabeludo e face, e atravessam o gânglio trigeminal (na figura TG). Ou os nervos atravessam ramos dos nervos que entram pela medula cervical, em geral os nervos que inervam a parte de trás da cabeça e pescoço, e entram no sistema nervoso através do nervo occipital maior e gânglio cervical (na figura CG), fazendo sinapse já dentro do cérebro com  neurônios do complexo trigeminocervical (TCC) (o que explica por que a enxaqueca dá dor na nuca!). Os nerônios no TCC atravessam o trato trigêmino-talâmico (que liga os neurônios trigeminais ao núcleo mais importante do cérebro, o tálamo) e entram no tálamo do lado oposto (Thalamus).  Há uma conexão entre os neurônios do TCC com neurônios localizados em um núcleo chamado de núcleo salivatório superior (SuS) localizado na ponte, e que através do gânglio esfenopalatino (SPG) inerva os vasos cranianos (o que pode explicar, em parte, as alterações vasculares da enxaqueca). A ativação do reflexo dito trigêmino-autonômico (através destas conexões citadas acima) contribui para os sintomas autonômicos vistos na enxaqueca, e não somente nela (lacrimejamento, olho vermelho ou quemose, saída de secreção nasal ou rinorreia, alterações de sudorese facial e dor da face). Outros neurônios do TCC mandam axônios para núcleos outros no tronco cerebral, como o Locus Coeruleus (LC) e a substância cinzenta periaquedutal (PAG) e também para outras estruturas no tálamo e no hipotálamo (hypothalamus), e que mandam estas informações para o córtex cerebral. Já o córtex, por sua vez, acaba mandando informações de volta para o tálamo e hipotálamo e para o LC. A modulação dos neurônios do TCC (modulação das vias de dor) ocorre via núcleos hipotalâmicos, incluindo o núcleo dopaminérgico A11, e projeções vindas da PAG passando através de uma área chamada de bulbo ventromedial rostral (RVM). 

Espero que todos tenham entendido estas informações. 

Então, a enxaqueca nada mais é do que uma inflamação auto-perpetuada de estruturas cerebrais, que por sua vez, mantêm conexões com os vasos da cabeça. 

É, em termos leigos podemos dizer isso aí em cima. Mas há também a participação de outras substâncias, como o óxido nítrico, um famoso dilatador dos vasos, e de outras substâncias na jogada, algo que não merece ser discutido ainda aqui, por ser de alta complexidade.

Por último, aqui vai uma figura a mais (figuras a mais não fazem mal):

http://www.headache-treatment-options.com/images/mechnismmigraine.jpg

E há um site interssante que eu sugiro que leiam, no qual há algumas informações a mais a respeito da enxaqueca e de outras dores de cabeça. Não conheço o autor, mas o blog parece ser interessante.